Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ATENÇÃO BÁSICA À GESTANTE ADOLESCENTE DEPENDENTE QUÍMICA: REFLEXÕES SOBRE O EFEITO PRODUZIDO NA EDUCAÇÃO E NA FORMAÇÃO EM SAÚDE EM SERVIÇO
Juliana de Gregório Oliveira, Lucia Cardoso Mourão, Lucia Cardoso Mourão, Ana Clementina Vieira de Almeida, Ana Clementina Vieira de Almeida, Vilma Vieira da Silva, Vilma Vieira da Silva, Lucille Annie Carstens, Lucille Annie Carstens, Vicente Francisco Leite Rosina, Vicente Francisco Leite Rosina, Marcos Paulo Fonseca Corvino, Marcos Paulo Fonseca Corvino, Viviane Lins Araújo de Almeida, Viviane Lins Araújo de Almeida

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


A estratégia de saúde da família (ESF) constitui-se em um lócus privilegiado para a educação permanente e para a formação dos futuros profissionais de saúde, por aproximar teoria e prática no cotidiano do cuidado às pessoas em um território dinâmico visando à qualidade de vida da população.

A atenção em saúde desenvolvida por uma equipe multidisciplinar pode produzir uma institucionalização inovadora sobre o antigo modo de assistir na instituição cuidado em saúde e requer freqüentes reflexões dos seus efeitos.

Com o objetivo de analisar a prática de saúde e de educação em uma unidade de atenção básica (UBS) do município de Niterói, que também é campo de prática de cursos de graduação em medicina, enfermagem e farmácia, relatamos o acompanhamento de C.B.V., 16 anos, dependente química, com várias passagens pelo conselho tutelar e abandono de escola.

A adolescente morava com a mãe e duas irmãs, mais novas, porém passava períodos na rua (1-3 dias). Buscou a UBS, junto com a mãe para fazer o acompanhamento de pré-natal, nas primeiras semanas de gravidez. O protocolo era encaminhá-la para outra unidade de saúde mais especializada, mas a mesma não aceitou ser cuidada por outros profissionais de saúde.

O desafio posto para a equipe era de como lidar com uma gestante, adolescente e dependente química na UBS, quando em princípio a mesma deveria ser encaminhada ao ambulatório de alto risco, na maternidade de referência da região.

Por iniciativa da autora principal desse relato, médica de família do setor onde essa família reside, tendo em vista suas implicações com o cuidado específico dado à essa adolescente, algumas adequações foram propostas. Em entendimentos com a supervisão de obstetrícia e de saúde mental avaliou-se positivamente a possibilidade de realizar o pré-natal na UBS. Em articulação com alguns profissionais da equipe, desde a auxiliar de serviços gerais até as médicas dos outros setores, pactuou-se um suporte para a gestante e sua família, frente às dificuldades que poderiam surgir durante o período.

Iniciaram o acompanhamento com conversas e acordos, com a família, do que seria possível naquele momento e naquela situação. Manteve-se a equipe da Unidade a disposição e realizou-se várias visitas domiciliares, sem agendamento prévio. Sempre acolhendo e tentando junto com a família encontrar alternativas para afastá-la da dependência química, mesmo com a oferta fácil de drogas ilícitas próximo de sua residência.

O pré-natal foi um sucesso com dez consultas realizadas, sem nenhuma falta. C.B.V. conseguiu ir se afastando das drogas mais pesadas, de maneira rápida e manteve apenas o uso do cigarro. As portas se mantiveram sempre abertas e muitos acolhimentos e atendimentos às suas diferentes queixas e demandas foram realizados por todos da equipe de saúde. O suporte emocional e encorajamento para superar os desafios foi a tônica desse acompanhamento.

O parto aconteceu em uma maternidade de baixo risco. Foi um parto normal sem intercorrências e o bebê nasceu saudável, sendo amamentado exclusivamente no seio materno até os seis meses de vida.

Ao iniciar a introdução da alimentação complementar ao bebê, após muita resistência da adolescente promoveu-se a sua aproximação da equipe do ambulatório de redução de danos do Hospital Psiquiátrico da região.

A mãe foi reticente em introduzir a alimentação complementar, com receio de seu bebê deixar o seio materno e dela voltar a usar drogas mais pesadas.

Contando com representantes da gestão, dos profissionais da equipe responsável pela paciente, dos alunos e da preceptora do terceiro período de medicina e da adolescente realizou-se reuniões para a reflexão sobre essa intervenção e o planejamento de algumas atividades que produziram efeitos tanto na educação permanente da equipe como na formação dos futuros médicos. Aspectos como o cuidado em saúde oferecido e o processo de trabalho na atenção básica foram debatidos tendo em vista os princípios que norteiam a Política Nacional de Saúde vigente e as possibilidades de implementá-las em nível local.

No primeiro encontro C.B.V. não compareceu, mas conseguiu-se problematizar a situação e propor algumas intervenções terapêuticas singulares. Em uma das reuniões com a presença da adolescente planejou-se um ensaio fotográfico com o objetivo de afirmar a sua auto-estima. A adolescente aderiu com satisfação à proposta e tudo foi agendado de acordo com a disponibilidade de todos.

O ensaio foi realizado com equipamento fotográfico da UBS, tendo toda à equipe e alunos participado desde o seu planejamento, making off e tomada das poses em uma praia próxima. A atividade foi bem-sucedida e promoveu um repensar de todos sobre as ações criativas no cuidado em saúde.

De acordo com os conceitos da Análise Institucional lourau-lapassadeana que leva a compreensão da instituição a partir dos enunciados dos sujeitos que nela estão implicados, a atenção básica à saúde está em constante movimento.

A sua institucionalização permanente gerada pelos embates entre o seus momentos instituído e instituinte deixa transparecer tendências mais conservadoras ou mais progressistas em constantes disputas entre seus atores sociais.

A equipe de saúde da família é constituída de vários sujeitos com projetos de sociedade diversificados. Os encontros permanentes para reflexão das práticas profissionais e planejamento das ações coletivas constituem-se em momentos de negociação desses projetos entre os sujeitos presentes e promove efeitos pedagógicos por permitir a análise do objeto da prática de saúde com a diversidade dos seus olhares.

Vislumbrar limites e possibilidades nas práticas profissionais que se quer humanizadas requer a compreensão da importância de cada sujeito na equipe de saúde – seja do auxiliar de serviços gerais até ao supervisor de área. É no encontro que se constrói as melhores intervenções considerando-se as contribuições de cada um.

A participação do indivíduo ou família na construção coletiva do projeto de intervenção sobre suas necessidades permite que as ações sejam melhor compreendidas e mesmo reconfiguradas de acordo com a singularidade de cada um. No caso de C.B.V esse vínculo construído com a equipe de saúde da família requer um constante ajuste por sua própria dinamicidade. A necessidade de agregação de outros especialistas ao seu acompanhamento é algo imprescindível e que requer sensibilidade de todos para fazê-lo no melhor tempo.

A participação dos estudantes e preceptores no planejamento e intervenções propostas traz uma dimensão mais real da prática aos futuros profissionais e contextualiza os objetivos do processo de aprendizagem preconizados pelas diretrizes educacionais.

A criatividade e o compromisso no cuidado em saúde trazem perspectivas de ampliação de qualidade de vida e do direito à saúde.


Palavras-chave


gestante adolescente; dependente química; análise institucional; atenção básica; saúde da família; formação em saúde