Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Cartografias de uma estagiária de psicologia em um CAPS AD
Daniela Pereira da Costa de Menezes, Karla Conceição Acosta, Simone Edi Chaves, Maria de Fátima Bueno Fischer, Vinicius Tonollier Pereira

Última alteração: 2018-01-21

Resumo


APRESENTAÇÃO

O objetivo desta escrita é cartografar os fluxos, sentidos e experimentações de uma estagiária de psicologia em um CAPS AD da cidade de São Leopoldo. São duas intervenções produzidas no estágio profissional: a coordenação de dois grupos, o Grupo Portas Abertas (Grupo PA) e Grupo Preparação para o Final de Semana (Grupo PFS). Este ensaio cartográfico narra os sentidos que foram sendo construídos e que me ancoram para tornar-me psicóloga e trabalhadora da saúde. É também através deste relato de experiência que narro a invenção de ferramentas de cuidado à sujeitos que estão usuário de drogas, evidenciando que a clínica que se faz na área de álcool, crack e outras drogas é inventiva, plural, operadora de sentidos e é feita de artesanias entre todos os agentes (usuários, técnicos e território).

DESENVOLVIMENTO

O grupo PA é para usuários que estão em uso intenso de álcool, crack e outras drogas, tendo um importante papel para quem está acessando pela primeira vez ou reincidentemente o serviço. Já o Grupo PFS busca inventar estratégias de redução de danos, seja para o usuário que está em uso intenso organizar seu uso, mas também para aquele usuário que está abstinente ou organizado com seu uso. O grupo PA acontece às segundas-feiras e o PFS acontece às sextas-feiras, esta organização não é aleatória, ela se circunscreve na necessidade dos usuários de terem um espaço de escuta, de fala e invenção pós final de semana e início da semana, assim como nas vésperas do final de semana.

Minha andança neste tempo de experimentações no CAPS AD, me convocam a propor o grupo como lugar onde se produzem sentidos ao invés de buscar significados, fabricar novos e outros modos de subjetivação. Outrossim, concebê-los como cartografias grupais, as quais se fazem através de devires, longe das polaridades e afeto aos processos singulares e maleáveis das grupalidades.

Estes dois grupos-dispositivos se interseccionam através de um singular modo de operar: “Parar Pra Pensar”. Expressão que surge como uma grande ferramenta de produção de desejo, de possibilitar outras formas de inventar a vida, onde torna-se impossível conceber outra forma de trabalho que não seja a de dispositivo, a de provocar fissuras.

Trabalhar com o propósito de dar passagem a desejos e afetos, é possibilitar que os sujeitos que estão usuários de drogas, possam se apropriar de si e se desvencilhar das amarras sociais que os aprisionam, permitindo-se experimentar a vida e protagonizá-la, dando passagem para serem devires, para virem-a-ser, e descolaram-se do que a sociedade os rotula ou que os inquiri sobre o que lhes é faltante.

Tirando as amarras e mordaças da sociedade e a régua que parametriza a vida, ir para um espaço ético onde não caiba a moralidade da regra, é o que me proponho ao conceber o grupo como dispositivo, como rizoma; é não intervir no grupo como objeto dado e que de antemão teria uma teoria para decifrá-lo.

A intenção e a crença nos movimentos e fluxos da vida, me permite encontrar nessa proposta não uma estagiária que aplica uma intervenção, mas substancialmente uma cartógrafa.  É nesse lugar de movimento cartográfico, que me disponho aos fluxos dos encontros, provocando o usuário de droga a transvalorar seu lugar marginal, e com isso convidá-lo à experiência do devir, de tantos outros devires que lhe são possíveis, e assim viver o encontro grupal como processo de criação de outros de nós.

Convidar os sujeitos dos grupos PA e PFS a afetarem-se com a vida e suas forças, fazendo com que a sua condição transitória de usuário de droga seja um dispositivo de criar novos modos de vida, desgrudados do parâmetro da normalidade é minha intenção em tomar o grupo como dispositivo. Destarte, é através desse posicionamento ético-estético-político que emerge a ferramenta-parar-pra-pensar, a qual opera desterritorializações subjetivas. É neste compasso que acontecem deslocamentos dos estigmas que cristalizam o usuário de drogas e disparam outros sentidos, que molecularmente engendram novas formas de pensar, agir e caminhar. Ademais, é possibilitar que se acione afetos e desejos, é provocar fissuras e colocar os sujeitos como infinitos possíveis.

RESULTADOS

Na perspectiva de grupo-dispositivo, não há a busca de um produto final, pois não há produto, assim como não há modo certo ou errado, há possibilidades, há processos, há a oportunidade de vivenciar o desejo e este por si só é produtor de sentidos.

A cada semana compomos, eu e meus companheiros de percurso, reflexões performáticas que nos possibilitam momentos-instantes, criação, afetos e movimentos. É a partir dessa pluralidade de ótica, de corpos e de invenções, que percebo semanalmente, de forma exponencial, recrudescer nos sujeitos que estão usuários de drogas a autoestima, a alteridade, a vontade de se perceber como uma máquina em movimento, máquina de produção de outros possíveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dessas impressões, me arrisco a afirmar que pude, ao longo de cada encontro grupal, ir me inventando como estagiária e psicóloga em formação, afetando e sendo afetada pelos afetos, forças e intensidades das potências dos bons encontros. Das (des)territorializações que foram rasgando meu corpo, fui vivendo meus devires: devir-estudante, devir-artesã, devir-psicóloga e tantos outros que vivi e que advirão destes. Com o mesmo fulgor me esforcei em ser agente de saúde e disponibilizei meu corpo para passagem de desejos e afetos dos usuários deste serviço.

Busquei a cada instante ser difusora dos anseios, máquina-de-fluir devires, corpo-passagem de angústias e máquina-tradutora, máquina-inventora de outros possíveis para os usuários deste serviço, os quais são os atores protagonistas de meu percurso, os quais são os meus inventores e meus (des)formadores. Entendo também que todos esses movimentos e disrupturas provocados em mim são vivenciados e experimentados pelos usuários do serviço que congregam nesses grupos. Pois não há afetos e sentidos isolados, há sim um espiral que nos perpassa, e que tudo aquilo que movimento em um reverbera nos outros.

Ao usar meu corpo para falar das experiências vividas, tomo-o como lugar público e aberto que se integra por vias sensíveis aos demais corpos que compõe comigo minha formação de estagiária de psicologia.


Palavras-chave


grupalidades; cuidado a usuários de drogas; cartografia; redução de danos