Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-21
Resumo
APRESENTAÇÃO
O objetivo desta escrita é cartografar os fluxos, sentidos e experimentações de uma estagiária de psicologia em um CAPS AD da cidade de São Leopoldo. São duas intervenções produzidas no estágio profissional: a coordenação de dois grupos, o Grupo Portas Abertas (Grupo PA) e Grupo Preparação para o Final de Semana (Grupo PFS). Este ensaio cartográfico narra os sentidos que foram sendo construídos e que me ancoram para tornar-me psicóloga e trabalhadora da saúde. É também através deste relato de experiência que narro a invenção de ferramentas de cuidado à sujeitos que estão usuário de drogas, evidenciando que a clínica que se faz na área de álcool, crack e outras drogas é inventiva, plural, operadora de sentidos e é feita de artesanias entre todos os agentes (usuários, técnicos e território).
DESENVOLVIMENTO
O grupo PA é para usuários que estão em uso intenso de álcool, crack e outras drogas, tendo um importante papel para quem está acessando pela primeira vez ou reincidentemente o serviço. Já o Grupo PFS busca inventar estratégias de redução de danos, seja para o usuário que está em uso intenso organizar seu uso, mas também para aquele usuário que está abstinente ou organizado com seu uso. O grupo PA acontece às segundas-feiras e o PFS acontece às sextas-feiras, esta organização não é aleatória, ela se circunscreve na necessidade dos usuários de terem um espaço de escuta, de fala e invenção pós final de semana e início da semana, assim como nas vésperas do final de semana.
Minha andança neste tempo de experimentações no CAPS AD, me convocam a propor o grupo como lugar onde se produzem sentidos ao invés de buscar significados, fabricar novos e outros modos de subjetivação. Outrossim, concebê-los como cartografias grupais, as quais se fazem através de devires, longe das polaridades e afeto aos processos singulares e maleáveis das grupalidades.
Estes dois grupos-dispositivos se interseccionam através de um singular modo de operar: “Parar Pra Pensar”. Expressão que surge como uma grande ferramenta de produção de desejo, de possibilitar outras formas de inventar a vida, onde torna-se impossível conceber outra forma de trabalho que não seja a de dispositivo, a de provocar fissuras.
Trabalhar com o propósito de dar passagem a desejos e afetos, é possibilitar que os sujeitos que estão usuários de drogas, possam se apropriar de si e se desvencilhar das amarras sociais que os aprisionam, permitindo-se experimentar a vida e protagonizá-la, dando passagem para serem devires, para virem-a-ser, e descolaram-se do que a sociedade os rotula ou que os inquiri sobre o que lhes é faltante.
Tirando as amarras e mordaças da sociedade e a régua que parametriza a vida, ir para um espaço ético onde não caiba a moralidade da regra, é o que me proponho ao conceber o grupo como dispositivo, como rizoma; é não intervir no grupo como objeto dado e que de antemão teria uma teoria para decifrá-lo.
A intenção e a crença nos movimentos e fluxos da vida, me permite encontrar nessa proposta não uma estagiária que aplica uma intervenção, mas substancialmente uma cartógrafa. É nesse lugar de movimento cartográfico, que me disponho aos fluxos dos encontros, provocando o usuário de droga a transvalorar seu lugar marginal, e com isso convidá-lo à experiência do devir, de tantos outros devires que lhe são possíveis, e assim viver o encontro grupal como processo de criação de outros de nós.
Convidar os sujeitos dos grupos PA e PFS a afetarem-se com a vida e suas forças, fazendo com que a sua condição transitória de usuário de droga seja um dispositivo de criar novos modos de vida, desgrudados do parâmetro da normalidade é minha intenção em tomar o grupo como dispositivo. Destarte, é através desse posicionamento ético-estético-político que emerge a ferramenta-parar-pra-pensar, a qual opera desterritorializações subjetivas. É neste compasso que acontecem deslocamentos dos estigmas que cristalizam o usuário de drogas e disparam outros sentidos, que molecularmente engendram novas formas de pensar, agir e caminhar. Ademais, é possibilitar que se acione afetos e desejos, é provocar fissuras e colocar os sujeitos como infinitos possíveis.
RESULTADOS
Na perspectiva de grupo-dispositivo, não há a busca de um produto final, pois não há produto, assim como não há modo certo ou errado, há possibilidades, há processos, há a oportunidade de vivenciar o desejo e este por si só é produtor de sentidos.
A cada semana compomos, eu e meus companheiros de percurso, reflexões performáticas que nos possibilitam momentos-instantes, criação, afetos e movimentos. É a partir dessa pluralidade de ótica, de corpos e de invenções, que percebo semanalmente, de forma exponencial, recrudescer nos sujeitos que estão usuários de drogas a autoestima, a alteridade, a vontade de se perceber como uma máquina em movimento, máquina de produção de outros possíveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dessas impressões, me arrisco a afirmar que pude, ao longo de cada encontro grupal, ir me inventando como estagiária e psicóloga em formação, afetando e sendo afetada pelos afetos, forças e intensidades das potências dos bons encontros. Das (des)territorializações que foram rasgando meu corpo, fui vivendo meus devires: devir-estudante, devir-artesã, devir-psicóloga e tantos outros que vivi e que advirão destes. Com o mesmo fulgor me esforcei em ser agente de saúde e disponibilizei meu corpo para passagem de desejos e afetos dos usuários deste serviço.
Busquei a cada instante ser difusora dos anseios, máquina-de-fluir devires, corpo-passagem de angústias e máquina-tradutora, máquina-inventora de outros possíveis para os usuários deste serviço, os quais são os atores protagonistas de meu percurso, os quais são os meus inventores e meus (des)formadores. Entendo também que todos esses movimentos e disrupturas provocados em mim são vivenciados e experimentados pelos usuários do serviço que congregam nesses grupos. Pois não há afetos e sentidos isolados, há sim um espiral que nos perpassa, e que tudo aquilo que movimento em um reverbera nos outros.
Ao usar meu corpo para falar das experiências vividas, tomo-o como lugar público e aberto que se integra por vias sensíveis aos demais corpos que compõe comigo minha formação de estagiária de psicologia.