Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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SUBJETIVIDADES À DERIVA: diálogos possíveis com os trabalhadores de saúde mental e o conjunto de práticas teóricas, técnicas e políticas
Daniele Tavares Alves, José Jackson Coelho Sampaio

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


Este trabalho é um recorte da pesquisa de dissertação SUBJETIVIDADES À DERIVA: diálogos possíveis com os trabalhadores de saúde mental e o conjunto de práticas teóricas, técnicas e políticas. Esta pesquisa abordou a temática da subjetividade em trabalhadores de saúde mental, tendo por objeto os trabalhadores de saúde mental no conjunto de práticas teóricas, técnicas e políticas. Esse objeto teve como motivação a experiência da pesquisadora na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Fortaleza por mais de uma década, o que suscitou como principal questionamento: será antimanicomial o conjunto de práticas dos trabalhadores dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)?  Para dialogar com esta questão, a pesquisa teve como objetivo geral: compreender as relações entre a subjetividade e as práticas dos trabalhadores de saúde mental na atenção psicossocial territorial, e como específicos: analisar as matrizes políticas, técnicas e teóricas oferecidas aos trabalhadores pelo Movimento Brasileiro de Reforma Psiquiátrica (MBRP) e pela RAPS; analisar as práticas dos trabalhadores na concretude de um caso; comparar as matrizes e as práticas concretas na perspectiva dos trabalhadores do caso; sistematizar as identificações, lacunas e contradições entre as matrizes políticas, técnicas e teóricas e as práticas analisadas, comparadas e criticadas. Apresentaram-se as seguintes perguntas norteadoras: a) qual sua opinião sobre os princípios, as diretrizes e formas de trabalho dos hospitais psiquiátricos clássicos e da proposta dos CAPS? b) em sua opinião, quais identificações, lacunas e contradições ocorrem entre o que se propõe e o que se faz nos CAPS?  O delineamento desta pesquisa se constituiu como um estudo de caso, qualitativo, analítico-crítico, que se operacionalizou etnograficamente, apoiando-se em observação participante, entrevista em profundidade, grupo-experimentação, diário de campo e fotografia. O caso escolhido foi o primeiro CAPS Geral de Fortaleza. Os sujeitos foram os trabalhadores deste serviço, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão.   A equipe técnica desse serviço, total de 35 trabalhadores, em seguida listados conforme quantitativo e categoria profissional: dois agentes administrativos, um artista, dois vigilantes, um zelador, um assistente de gestão, cinco auxiliares administrativos, um auxiliar de serviços gerais, um cozinheiro, dois técnicos de enfermagem, cinco assistentes sociais, três enfermeiros, uma farmacêutica, uma massoterapeuta, quatro médicos, quatro psicólogos e uma terapeuta ocupacional. Foram identificados 23 como participantes, pela exclusão de quem estava de férias, licença ou contrato de trabalho inferior a seis meses. Foram aplicadas, adicionalmente, entrevistas a três gestores: a gestora da unidade; a articuladora de saúde mental da Regional e a coordenadora da célula de saúde mental da SMS/FOR. Os áudios das entrevistas foram transcritos com intuito de salvaguardar a fidedignidade das informações produzidas em campo. Em seguida, as transcrições foram categorizadas para análise e discussão dos resultados. As entrevistas com os gestores, realizadas primeiramente, possibilitaram pistas sobre a organização dos processos de trabalho na unidade, bem como das prioridades e lacunas da política municipal de saúde mental. A partir da regularidade da permanência no serviço, a observação participante foi adensada e agendadas as entrevistas. No primeiro encontro do grupo experimentação, a pesquisadora trabalhou com um memorial estético das experiências dos trabalhadores de saúde mental no contexto do serviço. No segundo encontro o objetivo foi a ampliação do olhar sobre o campo da Saúde Mental. Para isso, utilizaram-se, enquanto linguagem estética, as artes visuais da fotografia e do rabisco A pesquisadora iniciou o processo de escrita do diário de campo desde o momento em que com ele interagiu pela primeira vez. Um fluxo constante de uma escrita que, mesmo quando não estava em movimento no papel, mantinha-se em movimento na pesquisadora de forma rizomática, altercando e sustentando o trabalho de pesquisa. No trajeto de carro, ou caminhando até o serviço CAPS, as imagens de um território vivo e pulsante formavam linhas de força que atravessaram também a pesquisadora e a fez escrever e pensar o campo e seus habitantes. O olhar foi desafiado a adquirir várias perspectivas pelas imagens capturadas, o que permitiram também a construção de um pensamento em perspectiva, resgatado do maniqueísmo. A análise e discussão dos resultados foi inspirada na modalidade de técnica de análise temática de Minayo. Inicialmente, foi feita leitura flutuante do material produzido que consistiu em entrevistas em profundidade, observação participante, fotografias e grupo-experimentação. Nesse momento, a pesquisadora se deixou capturar pelo material produzido e pelos afetos, sensações, percepções, sentimentos e pensamentos produzidos a partir da leitura. O momento foi importante para pensar em como organizar o material produzido, os títulos dos capítulos, os títulos de itens e subitens, bem como as analogias com o navegar em alto-mar. O segundo momento foi a exploração do material, em que os discursos foram sendo recortados e divididos em resposta às perguntas feitas . Em seguida, foram identificadas categorias empíricas que tanto emanaram da realidade como foram elaboradas pela pesquisadora.As categorias temáticas foram organizadas a partir das categorias teóricas conceituais e das categorias operacionais. As primeiras trouxeram elementos para sustentar a problematização dos discursos dos trabalhadores-pássaros, proporcionando diálogo transversal com os teóricos utilizados em associação aos temas: Psiquiatria Clássica; Reforma Psiquiátrica; Atenção Psicossocial Territorial; Saúde Mental; Trabalho/Trabalhador de Saúde Mental; Subjetividade.As categorias operacionais foram utilizadas para guiar as observações participantes e convocadas para contribuir nas análises dos dados: a) a estrutura física e ambiência no serviço; b)  as práticas realizadas no CAPS; c)  os dispositivos de cuidado ; d) a inserção do serviço no território; e) a articulação do serviço com a intersetorialidade e as redes de atenção; f) os tipos de vínculos trabalhistas dos profissionais; g) a política de educação permanente adotada; h) os processos de trabalho; i) a integralidade do cuidado; j) escuta, vínculo e acolhimento; k) o PTS dos usuários; l) o Conselho Local de Saúde; m) o Apoio Matricial; n) a Roda de Gestão. Junto com as categorias, foi realizada análise de conjuntura política, mundial, nacional e local, para discutir os efeitos no projeto da RP e na PSM.  Os achados da pesquisa, após análise e discussão, foram apresentados em uma síntese em três “nós”: a precarização na forma de recrutamento dos trabalhadores de saúde mental; a carência de um espaço dialógico, teórico e vivencial que possibilite aos trabalhadores se fortalecer enquanto um coletivo singular; e a problematização do cuidado ofertado neste serviço que ainda se apresenta como médico centrado. Portanto, a pesquisa vislumbrou, como pressuposto, que a dimensão da subjetividade do trabalhador de saúde mental poderá construir práticas asilares ou antimanicomiais nas políticas públicas de saúde mental, mesmo quando constituídas a partir de perspectivas antimanicomiais.

 

 


Palavras-chave


Psiquiatria clássica. Atenção psicossocial territorial. Saúde mental. Trabalho/Trabalhador de saúde mental;subjetividade