Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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UMA LEITURA SISTÊMICA SOBRE A RELAÇÃO COM USO DE DROGA
Orlando Gonçalves Barbosa, Joaquim Hudson de Souza Ribeiro, Maria de Nazaré de Souza Ribeiro, Cleisiane Xavier Diniz, Selma Barboza Perdomo, Fernanda Farias de Castro

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


A amplitude do fenômeno do consumo de drogas exige o empenho de todos os segmentos da sociedade civil organizada, em especial os pesquisadores e as instituições governamentais e não governamentais em direção a esforços coletivos que produzam respostas eficazes para a complexa magnitude alcançada pelo uso de substâncias psicoativas e seus impactos nos usuários e em toda a sociedade. Entre as várias iniciativas que buscam enfrentar a problemática em foco, sem dúvida nenhuma, destacam-se não somente as oriundas do campo das políticas públicas e dos esforço de muitos pesquisadores, mas também de algumas instituições, chamadas comunidades terapêuticas, as quais lidam com a questão do uso e desuso de drogas, dentre elas está a Fazenda da Esperança. O presente estudo teve por objetivo compreender como as pessoas que fizeram uso de droga passaram a conceber a relação deles com seus sistemas de pertença. Este recorte é derivado de uma pesquisa mais ampla intitulada “A experiência religiosa na superação do uso de droga”. Trata-se de uma pesquisa de abordagem exploratória qualitativa. Procurou-se coligar a Teoria Sistêmica à abordagem qualitativa, para marcar o método e compreender o fenômeno estudado na perspectiva sistêmica de complexidade e intersubjetividade. Para tanto, escolheu-se como enfoque as categorias de análise: processo, tempo, contexto e imprevisibilidade, considerando o devir e as relações de incerteza e complementaridade. Desse modo, conseguiu-se observar a desordem do fenômeno estudado, tornando-o não só complexo, paradoxal e imprevisível, mas ainda propulsor de uma intersubjetividade, ajudando-o na sua melhor compreensão e descrição, onde utilizou-se a narração como mediação da leitura do fenômeno. O local de estudo foi a Fazenda da Esperança,  pelo fato de que desde o início de seu funcionamento, mais de dois mil jovens e adultos passaram por ela. A amostra foi composta por três participantes do sexo masculino, que receberam  nomes fictícios para a garantia de sigilo e preservação do anonimato, a saber Rodrigo (30), Renato (53) e Roberto (34), os quais foram escolhidos pelo método de amostra proposital. Os mesmos passaram por uma comunidade terapêutica de base cristã católica (Fazenda da Esperança em Manaus, Amazonas) e se encontravam, no momento do estudo, em condição de desuso de drogas. A coleta de dados deu-se por meio da entrevista semiestruturada, constituída por 16 questões. Os participantes foram entrevistados individualmente em local assinalado como sendo de sua preferência. Foi realizada imersão do entrevistador na instituição no período de uma semana como estratégia complementar a fim de favorecer a compreensão de suas experiências, resultando num diário de campo.  A pesquisa seguiu todo o rigor ético após ser aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UFAM, Parecer 482.521/2013). Os resultados mostraram que as histórias de Rodrigo, Renato e Roberto  permitiram compreender que o fenômeno do uso de drogas está inserido num processo complexo onde os usuários de drogas estão envoltos a aspectos cognitivos, emocionais, motivacionais, influências sociais, familiares, culturais, conjunturais e socioeconômicas. Frente às narrativas dos participantes, encontraram-se sentidos nos seus comportamentos retroativos tanto deles mesmos ao usarem drogas, quanto das pessoas relacionadas aos seus sistemas de pertença, com forte ressonância especialmente em alguns subsistemas, a saber a família, o trabalho e a vivência religiosa, sem excluir, porém, a relação com os pares. Rodrigo aponta a existência de um sistema familiar que se retroalimentava na confusão. Para ter acesso a droga as relações eram rompidas com irmãos e esposa. O uso de álcool para Renato levou ao rompimento do seu primeiro casamento a comunicação entre os dois já estava desgastada; no novo relacionamento encontra alguém que acreditava na sua recuperação; o novo sistema parental do Renato ao reafirmar a confiança recria uma comunicação de competência que possibilita uma busca de equilíbrio na relação casal e com o parar de usar o álcool. Já a crise de Roberto, com uso de cocaína, o leva a sair do controle e romper relação com a esposa e filho, surgindo a necessidade de para com o uso de cocaína. Percebeu-se nos relatos de Rodrigo, Renato e Roberto que o impacto da drogadição em um sistema familiar é variável e estabelece um processo contínuo de inter-relações em que a família influencia o uso de um ou mais de seus membros, mas que também é influenciado por ela. É importante destacar que os próprios entrevistados desqualificam a si mesmos por crer serem eles os únicos causadores dos problemas decorrentes do uso de drogas, sustentado por uma visão linear do problema. Quanto aos seus sistemas e subsistemas de pertença, os entrevistados revelam ambiguidade, ou seja, ora veem os pares positivamente e não culpados pelos sofrimentos vivenciados, ora negativamente, atribuindo-lhes responsabilidade por não apoiá-los no desejo de querer deixar de usar droga. Em todas as situações mencionadas, a complexidade que envolve  o “mundo das drogas” não é percebida, sendo atribuídas justificativas causais, localizadas nos indivíduos isoladamente, com tendências a isolar e polarizar atributos como “bem” e “mal”. Em uma leitura sistêmica, todavia, tais reducionismos são refutados. Com relação ao trabalho, Renato relata que vivia sempre em atrito com a chefia. Rodrigo refere que tinha excelente emprego, porém com o uso contínuo da cocaína, foi deixando progressivamente de trabalhar até não ter mais condições. Roberto afirma que trabalhava somente para sustentar seu vício. Nas falas dos participantes observou-se que a religiosidade está entrelaçada nas narrativas em diferentes momentos das vivências dos participantes da pesquisa, essa colocada com importância pelos ex-usuários. Eles salientaram a perda do valor espiritual ao descrever suas perdas e seu envolvimento com as drogas. Rodrigo relata que  se desligou da Igreja totalmente  e que depois,  de tanto  clamar por Deus, Ele ofereceu a chance de conhecer a Fazenda da Esperança.  Renato e Roberto afirmam que as drogas o afastaram da vida religiosa. No que diz respeito à relação com os pares e outros sistemas relacionais, Renato afirma que costumava ser chamado de  “pé inchado", "velho bebum"; sentia-se  ferido e isso funcionava como motivo para o uso da droga . Roberto e Rodrigo relatam que o afastamento de muitos amigos. Ao fazerem uso de droga, o comportamento dos participantes passou a produzir instabilidade nas relações interpessoais de seus sistemas pessoal, familiar e social, colapsando as conexões.  Baseado na Teoria Sistêmica, o estudo conseguiu compreender a pessoa e o uso de drogas na teia de relações  (família, trabalho, vivência religiosa e relação com os pares) nos seus diversos sistemas e subsistemas. Não se localizou o problema estritamente na pessoa que faz o uso de drogas, supondo que uma causa a levou a isso. Acredita-se que exista, além de uma multiplicidade de fatores a ser considerados, uma relação entre estes, que rompe com a lógica linear, o que supera o olhar sob perspectivas deterministas-causais. Por estar sempre em relação com outros sistemas e subsistemas, o problema em foco não lhe pertence unicamente, mas se expressa enquanto uma característica da relação do seu sistema de pertença. Este sistema de pertença, por sua vez, não consiste em um sistema predeterminado, mas de um sistema que é constituído por todos aqueles elementos que nele estão envolvidos.


Palavras-chave


Droga; Drogadição, Dependência de Substâncias Psicoativas