Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Criação de política de Saúde Mental da Universidade Federal de São Carlos
Taí­s Bleicher

Última alteração: 2018-01-23

Resumo


A reforma psiquiátrica brasileira tinha como primeira missão acabar com os manicômios e todas as instituições que possuíssem caráter manicomial e criar uma rede substitutiva de cuidados. Os primeiros equipamentos da reforma foram, portanto, sobretudo voltados ao público psicótico. Entretanto, com o seu avançar, as demais demandas em saúde mental foram necessitando de programas específicos de cuidado, inclusive tendo em conta os distintos públicos especialmente vulneráveis. Nas universidades, os principais marcos legais que atingem seus públicos geram o SIASS – Sistema Integrado de Atenção à Saú­de do Servidor e o PNAES - Programa Nacional de Assistência Estudantil, e, portanto, impulsionam a criação das políticas públicas locais. A implementação do SIASS e do PNAES foi bastante distinta, entretanto. Para o primeiro, foram criadas claras diretrizes, metas de funcionamento, e foram oferecidas diversas capacitações para viabilizar o novo modelo de atuação. A implementação do PNAES, entretanto, não foi tão bem estruturada, ocorrendo de forma bastante distinta nas diversas universidades públicas federais brasileiras. Ambas as políticas de Saúde foram marcadas por forte investimento financeiro quando foram criadas, ainda na Era Lula, e que foram sofrendo grandes cortes a partir da Era Dilma, e, de forma radical, desde o golpe de Estado sofrido no Brasil em 2016.

O PNAES fez parte de um movimento maior, de um importante processo de expansão e interiorização de universidades. Além do investimento e da ampliação das estruturas, buscava-se fazer uma profunda reforma na educação superior, no nível da graduação, para o aumento da qualidade dos cursos, e melhor aproveitamento de estruturas físicas e recursos humanos das universidades e institutos federais, com diminuição das taxas de evasão e diversificação das formas de acesso. A criação de cotas de ingresso nas universidades foi uma das tentativas de ampliação de seu acesso para públicos tradicionalmente marginalizados, gerando a necessidade de complexificação das ações de Assistência Estudantil.

O objetivo deste trabalho é apresentar as ações em Saúde Mental desenvolvidas na Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR e o seu projeto de alinhamento com a perspectiva da Atenção Psicossocial, a partir do entendimento de que, tanto servidores públicos quanto estudantes universitários são públicos especialmente vulneráveis para a Saúde Mental. Trata-se, portanto, de um relato de experiência.

Como em todas as universidades federais, esse cenário atingiu diretamente a Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR, que já executava uma Política de Assistência Estudantil, em consonância com o PNAES. No âmbito da Saúde Mental, o seu Departamento de Atenção à Saúde - DeAS – realizava acolhimentos e triagens; psicoterapia individual; grupos terapêuticos de apoio; oficinas psicoeducativas;
atendimento e orientação de pais de alunos, professores e coordenadores de curso; co-coordenação de programa na rádio UFSCAR dedicado ao tema Saúde; supervisão de estagiários do curso de Psicologia da UFSCar; participação em comissões de avaliação de servidores deficientes; estudos de caso; interlocução e encaminhamentos para a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS; palestras; visitas hospitalares ou domiciliares, dentre outras atividades. As ações, no entanto, estavam pouco articuladas às outras ações já existentes geradas nas unidades acadêmicas da UFSCAR e à produção científica na área.

Por isso, iniciou-se a criação de uma política pública de saúde mental da UFSCAR, para servidores e alunos. Inicialmente, buscou-se mapear as ações já existentes, seus responsáveis, e formar um corpo interdisciplinar que levasse à frente o trabalho. Este grupo de trabalho conta com o apoio da gestão atual, e, especificamente, da Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis - PROACE. Em fase de tramitação, foi criado programa de extensão envolvendo os departamentos acadêmicos de Medicina, Psicologia, Terapia Ocupacional; além do Hospital Universitário; Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade e PROACE. As ações do programa de extensão já estão em andamento, tendo os seguintes eixos de ação: 1. Construção da política de Saúde Mental do Estudante Universitário; 2. Frente de enfrentamento ao suicídio do estudante da UFSCAR; 3. Produção de cartilha sobre saúde mental na universidade; 4. Diagnóstico institucional e perfil de saúde mental na comunidade universitária; 5. Frente de redução de danos; 6. Articulação com a Rede de Atenção Psicossocial dos municípios.

Como em toda política pública de Saúde, inicia-se o trabalho a partir do levantamento epidemiológico do público atendido, com vistas ao melhor planejamento das futuras ações. Este eixo se dará por meio de pesquisa longitudinal com seguimento de dez anos da comunidade universitária, quanto ao sofrimento psíquico. O trabalho se justifica academicamente, uma vez que há poucos estudos sobre a Saúde Mental do estudante universitário, especificamente, e normalmente são voltados para pequenos grupos. Entende-se que é preciso colaborar com estudos de abrangência nacional e contribuir com dados locais e que a assistência não pode realizar suas ações desconectadas da produção acadêmica da área. Da mesma maneira, no que tange à Saúde do trabalhador. A ideia é que o programa ultrapasse o âmbito meramente administrativo e articule ensino, pesquisa, assistência e extensão.
O eixo de construção da política contempla, também, a sua escrita. Portanto, paralelamente, ao programa de extensão, criou-se uma comissão para sua redação e acompanhamento.

Em caráter emergencial, devido aos casos de tentativa e realização de suicídios entre estudantes, foi criada a frente de enfrentamento ao suicídio do estudante da UFSCAR que visa ao cuidado dos casos já existentes, disponibilizar informações para a prevenção de novos casos e, ainda, a promoção de saúde mental. Da mesma maneira, devido à já constatada alta prevalência de casos de AIDS e Sífilis entre os estudantes da UFSCAR, além dos relatos de abuso de substâncias psicoativas, foi pensado no eixo de redução de danos, que, no primeiro semestre de 2018 funcionará como capacitação interna sobre a teoria e a prática da redução de danos.

Em um modelo de sistema universal de Saúde, é impensável que essas ações estejam desconectadas das redes sanitárias das quatro cidades em que estão os campi da UFSCAR. As estratégias integradas servem, inclusive, para evitar que a Universidade assuma responsabilidades que são municipais, especialmente, no âmbito do tratamento. A ideia é garantir a continuidade de cuidados: promoção e prevenção em saúde mental no âmbito universitário, com tratamento nas RAPS. Portanto, o eixo de articulação com as redes de atenção busca criar uma agenda comum de pactuações, distribuição adequada de responsabilidades e tensionamento político na busca de soluções.

Finalmente, pretende-se disponibilizar, de maneira acessível, as informações oriundas de todos esses eixos, por meio de uma cartilha que tenha como público a comunidade universitária.

As ações ainda estão no seu estágio inicial. Neste momento, é possível apontar para a integração dos diversos atores que trabalham com Saúde Mental na UFSCAR, a criação de um grupo de trabalho especialmente dedicado ao tema e a construção de uma agenda de ações comum e integrada.

A criação e execução desta política, em um período de ataque direto aos serviços públicos, em especial os da Educação e da Saúde, são, sobretudo, uma estratégia de resistência. Permitem que os alunos dos diversos cursos envolvidos aprendam como criar, executar, acompanhar e avaliar uma política pública em Atenção Psicossocial em um momento em que o próprio Ministério da Saúde faz violentos ataques ao modelo. Avança, mesmo com todas as adversidades causadas pelos cortes financeiros e demais estratégias criadas para destruir as políticas públicas sociais.


Palavras-chave


Saúde Mental; Universidade; Políticas Públicas