Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Trabalho intersetorial em rede na desinstitucionalização do cuidado em saúde: a experiência do Núcleo de Apoio Técnico ao Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul.
Ana Carolina Rios Simoni, Anelise Aprato, Alíssia Gressler Dornelles, Alexandre Butzke, Kellen Vendel, Luzia Bier, Mara Cristina Theisen Dettenborn, Marta Mueller, Patrícia Marcante Soares

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) no Estado do Rio Grande do Sul têm se proliferado e nem sempre apresentam as condições adequadas para promover o cuidado e o bem-estar das pessoas que nelas residem. As fiscalizações permanentes do Ministério Público Estadual e das vigilâncias sanitárias estadual e municipal têm demonstrado os riscos sanitários e as violações de direitos a que, não raro, os idosos estão expostos. Dentre as problemáticas identificadas, destaca-se o fato de que se tem institucionalizado, reiteradamente, de forma irregular, junto aos idosos, outras populações vulneráveis com menos de 60 anos, o que desrespeita as legislações e normativas específicas que visam garantir direitos e atender as necessidades de cada grupo populacional. Dentre estas, estão as pessoas com deficiência física e mental, pessoas que apresentam histórico de transtorno mental (egressos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, do Instituto Psiquiátrico Forense e/ou encaminhados por secretarias municipais de saúde, de assistência social e familiares) e pessoas com outros quadros clínicos limitantes.

A 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde e a de Políticas Públicas de Santa Cruz do Sul e o Ministério Público Estadual têm atuado na fiscalização e no acompanhamento destas instituições, bem como nos processos de desinstitucionalização dos moradores, segundo a legislação vigente, articulando a construção de soluções para esta problemática. No bojo destas articulações intersetoriais, optou-se por criar um grupo de trabalho permanente na forma de um Núcleo de Apoio Técnico ao Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul, com reuniões ordinárias mensais e extraordinárias sempre que necessário, constituído por representantes das Secretaria Municipais da Saúde e do Desenvolvimento Social, bem como da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, a fim de abordar de forma intersetorial e solidária a problemática da vulnerabilidade de populações frequentemente institucionalizadas, tais como idosos, pessoas com deficiência e pessoas com transtornos mentais relacionados ou não ao uso de drogas. Fazem parte deste Núcleo representantes das Políticas Municipais e Regionais de Saúde do Idoso da SMS de Santa Cruz do Sul, Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Saúde da Pessoa com Deficiência, Atenção Básica, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e do Ministério Público Estadual de Santa Cruz do Sul.

Dentre os objetivos deste Núcleo estão: garantir fluxos seguros de cuidado em saúde e proteção social para idosos, pessoas com deficiências física/ mental e das pessoas com transtornos mentais, frequentemente institucionalizadas; planejar ações conjuntas para prevenir a institucionalização irregular de pessoas com menos de 60 anos em ILPI; articular a rede intersetorial para a construção de projetos terapêuticos singulares e de proteção e inserção social, de acordo com as demandas de cada indivíduo e família; garantir as condições adequadas de cuidado e o respeito aos direitos de populações institucionalizadas; realizar diagnóstico situacional acerca das institucionalizações regulares e irregulares em curso nas ILPI; elaborar plano de ação para desinstitucionalização das pessoas irregularmente institucionalizadas.

Como metodologia de trabalho temos a discussão e definição das ações a serem efetivadas em cada caso, a partir de reuniões intersetoriais sistemáticas de discussão de casos; a aplicação de Censo Clínico e Psicossocial com o objetivo de realizar um levantamento da história pregressa e atual do morador e definição de plano de ações; o trabalho em rede intersetorial, abrangendo todos os setores necessários para a atenção integral de cada indivíduo de acordo com o plano estabelecido; a realização de visitas domiciliares, audiências no Ministério Público com técnicos do NAT, familiares e usuários; organização de grupo da primeira escuta com trabalhadores de saúde mental, atenção básica, ambulatório do idoso e assistência social; participação dos técnicos do NAT, quando necessário, em vistorias das vigilâncias do Estado e/ou Município  em ILPI.

Um breve panorama dos casos trabalhados ao longo do primeiro ano de criação do NAT nos mostra que, dentre os 33 casos discutidos, 73% das pessoas tinham entre 40 e 59 anos, 15% tinham mais de 60 anos e 12% tinham menos de quarenta anos; 70% eram do sexo masculino e 30% mulheres. Chamou atenção também o fato de que a maioria dos casos, 89% deles, era de pessoas com deficiência intelectual ou física, principalmente a primeira, e 11% dos casos eram de pessoas com transtornos mentais. Os resultados até o momento no trabalho caso a caso são os seguintes: em 18% dos casos se produziu a reinserção familiar, com resgate de vínculos sociais e com o serviço de referência do território (Atenção Básica e Atenção Psicossocial); em 21% dos casos uma institucionalização foi evitada; em apenas 6% dos casos foi realizada a inserção em moradia terapêutica (Residencial Terapêutico ou Inclusivo); e 55% dos casos seguem em acompanhamento, seja para construir possibilidades de saída do ambiente institucional, seja para evitar que a institucionalização aconteça.

Uma avaliação sistemática do trabalho nos permitiu identificar algumas necessidades para o aperfeiçoamento da articulação em rede intersetorial em curso. Foram identificadas carências de dispositivos e profissionais no município necessários neste momento para que o processo de trabalho seja qualificado, evitando novas judicializações, institucionalizações e permitindo uma atenção integral aos usuários: implantação de centros de convivência dia, ampliação da equipe do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), implantação de mais dois Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e contratação de neurologista pela SMS. A avaliação do trabalho feito até então demonstrou ainda que o trabalho intersetorial racionaliza gastos, evitando a sobreposição de ações e o uso de tecnologias desnecessárias, como exames, internações e consultas de especialidade. Identificou-se também a necessidade de definir um grupo gestor-articulador do NAT para potencializar os processos de linha de cuidado na condução dos casos, criando maior coesão nas ações desenvolvidas.

Verificou-se ainda a importância de se estabelecer fluxos de atuação em rede, fortalecendo as equipes do território, especialmente a Atenção Básica, diante de situações de institucionalização que exijam ações imediatas e longitudinais. Neste sentido, foram criados fluxos que dividem responsabilidades e orientam ações articuladas, que envolvem fiscalizações em instituições, apurações de denúncias, primeira escuta de usuários e familiares em casos que chegam à Promotoria ou à rede, audiências na Promotoria, Censo Clínico Psicossocial e construção de planos terapêuticos singulares. Estes fluxos têm se constituído no cotidiano do trabalho intersetorial como ferramentas de linhas de cuidado, pela construção de itinerários singulares de cuidado em rede com respeito aos direitos humanos.

O perfil dos casos trabalhados, por sua vez, nos mostrou que é imprescindível considerar a imbricação entre os processos de sofrimento psíquico e de institucionalização com alguns marcadores sociais como gênero, deficiências, raça/cor e vulnerabilidades sociais como trabalho precário no campo, histórico de violência doméstica, situação de rua e institucionalizações anteriores em equipamentos da assistência social. A sobreposição entre vulnerabilidades é comum nas histórias de vida trabalhadas pelo NAT. Assim, o trabalho intersetorial no resgate de histórias de vida e vínculos sociais tem convocado a reflexões no campo da interseccionalidade, interrogando a ordem institucional que naturaliza a universalidade do sujeito de direitos e, com base no princípio da igualdade jurídica, invisibiliza as iniquidades. A atuação do Ministério Público local na discussão e construção das linhas de cuidado e dos projetos terapêuticos singulares conjuntamente às equipes de saúde e assistência social tem se mostrado fundamental para a garantia de direitos neste contexto de trabalho em rede intersetorial para a desinstitucionalização.

Palavras-chave


desinstitucionalização; intersetorialidade; direitos humanos