Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Cartografia da educação em saúde e sua interface com a educação da diferença: relato de uma experiência do curso EdPopSUS em Parnaíba-PI.
Antônio Vladimir Félix-Silva, Alessandra Savia da Costa Masullo

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


A institucionalização do Sistema Único de Saúde – SUS é uma das ações resultantes dos movimentos da Reforma Sanitária e do movimento de Educação Popular em Saúde que surge, especialmente, na década de 1970, em um contexto marcado pela falta de acesso à saúde e aos serviços de saúde e pela luta em defesa da promoção da saúde e do que se tornou reconhecido, na VIII Conferência Nacional de Saúde e na década de 1980, como determinantes sociais da saúde. A criação dos conselhos de saúde e das políticas de promoção da equidade em saúde, a partir de 2003, demandou até 2014, forças de investimento no controle social e na educação em saúde. Nesse sentido, foram lançados, a partir de 2013, alguns cursos. Dentre os quais, destacamos o Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde – EdPopSUS, que visa contribuir com a implementação dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Educação Popular em Saúde - PNEP-SUS, a partir da qualificação de lideranças comunitárias e de profissionais de saúde, preferencialmente, agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias que atuam nos cenários de práticas da Atenção Básica em Saúde.

 

Este é o relato de uma experiência vivenciada com 05 homens e 55 mulheres de 02 turmas do curso EdPopSUS II, na cidade de Parnaíba – PI, em 2017. Trata-se de um estudo acerca da educação em saúde e sua interface com a educação da diferença, realizado pelo coordenador e por uma educadora do curso. Neste relato, objetivamos apresentar narrativas de uma cartografia dos modos de subjetivação que caracterizam ações de participação comunitária e educação da diferença no curso EdPopSUS.

 

No que se refere à cartografia para produção e análise das informações, realizamos 05 encontros, nos quais utilizamos como estratégias metodológicas: 02 rodas de conversa e narrativas com uso de caixa de afecções e de fanzine, 01 tenda do conto e 02 círculos de cultura tendo como tema gerador “território, lugar de memória e história”, em duas comunidades. Além disso, mapeamos processos de subjetivação em educação da diferença que emergiram em alguns momentos durante os 17 encontros previstos no curso.

 

Os resultados da análise dos modos de subjetivação cartografados mostram: 1) a falta de cobertura da atenção básica na Comunidade Quilombola Itaperinha e no Assentamento Lagoa do Prado em função do número de pessoas dos dois territórios não justificar o deslocamento de ACS. Na narrativa da participante da comunidade quilombola, percebemos atravessamentos macropolíticos tais como a falta de serviços de assistência social e de atenção à saúde no munícipio, sendo necessário, nas situações de emergência, o deslocamento das pessoas da comunidade para um hospital do município mais próximo; 2) no círculo de cultura realizado no Assentamento do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem-terra, no qual participaram também 15 pessoas do assentamento Lagoa do Prado, além das pessoas do EdPopSUS, mapeamos processos de subjetivação de uma jovem assentada que mostram os modos de resistência da juventude que participa do curso Pedagogia da Terra, depois de ocupar a reitoria da Universidade Estadual do Piauí – UESPI, como também atividades de educação junto a professores e professoras do ensino básico por meio do projeto Chão da Escola, priorizando temas geradores relacionados às necessidades das crianças e adolescentes assentados e ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera; 3) dos processos de singularização que marcam Itaperinha, no âmbito micropolítico, mapeamos formas de cuidado em saúde que expressam solidariedade e reciprocidade no enfrentamento à violência doméstica e modos de produção de saúde a partir do pertencimento ao território, via Umbanda, Pastoral Quilombola, Dança do Caroço e Festejos de São Sebastião, São Benedito, São Cosme e São Damião, São Gonçalo, dentre outros; 4) a questão relacionada à religiosidade de matriz africana foi motivo de intervenção no primeiro encontro e um analisador que emergiu nas duas turmas, durante todo o curso, abrindo espaço para intervenções da educadora; 5) no círculo de cultura realizado no território de pesca da Pedra do Sal, os modos de subjetivação em arte e cultura evidenciaram o reconhecimento do trabalho das rezadeiras, da utilização das plantas medicinais – fitoterápicos e medicina popular –  e da brincadeira do coco, do bumba-meu-boi, dança cigana e dança regional como práticas de promoção da saúde de artistas jovens, adultos e adultas no território; 6) os modos de subjetivação em gênero e violência contra a mulher marcaram o EdPopSUS, que teve também a participação de um balarorixá, de uma travesti, de quatro pescadoras artesanais e de duas mulheres participantes da luta antimanicomial, uma pescadora e uma sem-terra assentada; 7) os modos de subjetivação das ACS mostram a interface entre o trabalho de educação em saúde e a participação comunitária via Pastoral da Criança e em outros movimentos sociais na perspectiva da garantia de direitos e do enfrentamento às injustiças sociais e a pouca participação comunitária na articulação dos determinantes sociais da saúde: segurança alimentar, moradia, educação, trabalho, renda, emprego, lazer e acesso à arte e à saúde.

 

Com as análises desses modos de subjetivação, concluímos: a) as ações de participação comunitária e educação em saúde que caracterizam o território e a produção de subjetividade na contemporaneidade são marcadas pela aposta na educação da diferença e pelo desejo de afirmação das minorias; b) a participação de trabalhadoras, trabalhadores, usuárias e usuários do Sistema Único de Saúde, familiares, grupos, comunidades e movimentos sociais apontam para a promoção da saúde como garantia de direitos e reinvenção da cidadania – cidadania menor – em contextos atravessados por processos históricos de exclusão/inclusão e por uma conjuntura política instável; c) as dificuldades e os desafios enfrentados para a efetivação da equidade em saúde e das diretrizes da PNEPS-SUS mostram o sofrimento ético-político relacionado às minorias (LGBTTI, negros e negras, mulheres, pescadoras e pescadores artesanais, população em situação de rua, homens e mulheres sem-terra e sem-teto etc.); d) a sistematização dessa experiência vivenciada nos encontros com participantes do EdPopSUS e com pessoas assentadas, rezadeiras e artistas caracteriza ações de participação comunitária e educação em saúde que contribuem para a educação da diferença e para o reconhecimento da comunidade como autora de processos de produção e promoção da saúde e como coautora de processos instituintes de educação permanente em saúde na Atenção Básica. Portanto, a cartografia dos modos de subjetivação da educação em saúde na interface com a educação da diferença traduz os modos de vida das pessoas participantes do curso EdPopSUS, das famílias e dos territórios de atuação de ACS, de ACE e de lideranças comunitárias, bem como das comunidades de pessoas quilombolas e assentadas, dos usuários e das usuárias dos serviços de saúde que ora se submetem aos atravessamentos macropolíticos, ora produzem agenciamentos coletivos do desejo de um território comum e resistem às condições de vida precária, à vida como resto, apostando na potência do pensamento e nas forças da vida, vida passível de luto e de luta.


Palavras-chave


cartografia; educação popular em saúde; educação da diferença