Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O ÚNICO CIRURGIÃO DE UMA CIDADE ISOLADA NA SELVA AMAZÔNICA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
GUALTER FERREIRA DE ANDRADE JÚNIOR, FRANCISCO MARCOS DA SILVA BARROSO, ROGER ARTHUR DA CUNHA ALVES

Última alteração: 2018-01-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Viver nos extremos da Amazônia é um desafio, principalmente quando se está em São Gabriel da Cachoeira-AM em missão de apoio ao hospital local – que é administrado pelo Exército Brasileiro. Uma cidade cuja população é 80% indígena e onde o português é apenas uma das línguas oficiais do município. Trabalhar nesse hospital militar, que fica a 850km de Manaus-AM,  como o único cirurgião do local foi certamente uma das mais desafiadoras situações em minha curta carreira médica. Objetiva-se, assim, relatar a experiência e os desafios de se trabalhar em um local extremamente isolado do resto do país e possuidor de uma grande divergência cultural. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de um relato de experiência sobre o serviço prestado em um hospital do Exército em São Gabriel da Cachoeira-AM nos meses de Dezembro/16 e Janeiro/17. A rotina do trabalho consistia na visita diária, pela manhã, aos pacientes que estavam internados na clínica cirúrgica do Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGuSGC). O hospital atendia tanto a população militar quanto a população civil (a grande maioria de etnia indígena). E, como único cirurgião, o sobreaviso era 24h por dia e sete dias por semana. Assim, se ocorresse algum caso cirúrgico fora do expediente normal, uma viatura do hospital me buscaria imediatamente para avaliar o paciente e, caso necessário, para realizar o procedimento cirúrgico de urgência. RESULTADOS: O grande desafio foi lidar com o choque cultural existente entre pacientes indígenas e a medicina atual. Um evento comovente foi o caso de um pai pertencente a uma tribo indígena que não aceitou que o filho, cujo pé estava com um ferimento muito grave por ter sido picado por uma cobra venenosa, ficasse internado no hospital para fazer o curativo cirúrgico e tomar antibióticos. Isso porque, na enfermaria em que ele se internara, havia outra mulher (mãe de uma criança internada) que estava menstruada e, segundo o pai, isso traria complicações à recuperação do filho. Tentamos convencê-lo do contrário, porém, desobedecendo às orientações, levou-o para a tribo, onde iria ser tratado com ervas pelo seu pajé de confiança. Outra situação perturbadora foi a de uma indígena grávida de gêmeos que, ao descobrir que teria dois bebês, avisou que mataria quem nascesse por último, já que o considerava o “espírito ruim”. Felizmente, nesse caso, a situação foi contornada, pois a criança que seria morta foi adotada por outra família, que se compadeceu da situação. Várias outras situações de divergências e conflitos entre nossas orientações e a cultura indígena fizeram desse período uma verdadeira lição de vida. Percebeu-se, então, que a melhor conduta para cada caso dependia de adaptações que melhorassem a taxa de aceitação dos pacientes ao tratamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Conclui-se, portanto, que faz parte da profissão médica orientar e propor o tratamento adequado para os pacientes. Fazer isso tendo que, ao mesmo tempo, respeitar a cultura indígena foi uma experiência marcante e bastante desafiadora para um cirurgião recém-formado. Assim, mesmo que algumas condutas tenham sido recusadas, muitas outras foram bem sucedidas.

Palavras-chave


Cirurgia Geral; Saúde Indígena; Amazônia