Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A PRODUÇÃO DE CUIDADO NOS SERVIÇOS DE CONSULTÓRIOS NA RUA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: BREVES REFLEXÕES SOBRE O MODELO DE ATENÇÃO
Gilney Costa, Patricia Constantino, Patricia Constantino, Miriam Schenker, Miriam Schenker

Última alteração: 2018-01-23

Resumo


APRESENTAÇÃO:

A partir de uma pesquisa empírica intitulada “Os sentidos construídos por profissionais de saúde inseridos em equipes de Consultórios na Rua da cidade do Rio de Janeiro sobre o consumo de crack por mulheres”, problematizamos a formação das equipes de consultórios na rua na cidade do Rio de Janeiro e o seu processo de trabalho, especialmente com relação às mulheres que fazem uso de crack e outras drogas.

Partimos do pressuposto de que a análise das práticas de saúde, da formação das equipes e dos processos de trabalho informam sobre (a) a política de recursos humanos para o setor saúde, (b) a institucionalidade da Política, e, sobretudo, (c) as prioridades da agenda.

 

DESENVOLVIMENTO:

Como prática de saúde pública, o Consultório na Rua (CnaR) surge como uma tentativa de produção de vida e cuidado integral, equânime e territorializado, compreendendo o espaço da rua como lócus privilegiado de sua praxe. Como política de saúde, ele se configura como um equipamento de gestão, controle e redução de riscos e vulnerabilidade daquelas(es) que usam a rua para consumir, ou não, drogas.

O CnaR possui como marco regulatório a Portaria nº. 122/2011, do Ministério da Saúde, que o define como “uma proposta que busca ampliar o acesso da população de rua e ofertar, de maneira mais oportuna, atenção integral à saúde, por meio das equipes de serviços de atenção básica”. Há diferentes possibilidades de organização das equipes.

Para responder à pergunta que balizou a produção desse estudo: como estão organizadas as práticas de cuidado e as equipes de CnaR no Rio de Janeiro?, nos utilizamos da abordagem qualitativa com suporte teórico metodológico das práticas discursivas, ancorada na perspectiva da análise de discurso francesa.

Nesse contexto, o discurso produz aquilo sobre o qual fala, onde a linguagem é, ao mesmo tempo, verbal (oral, escrita, gráfica ou imagética) e não verbal (toque, olhar, suspiro). Trata-se, portanto, de uma abordagem que reconhece a produção de sentidos como um fazer cotidiano, fundamentalmente, coletivo, histórico e relacional, individual e social.

Para a produção de dados trabalhamos com duas técnicas qualitativas distintas: o grupo focal e a observação participante, restrita aos momentos de realização dos grupos. Os grupos foram gravados, transcritos na íntegra e analisados em profundidade de acordo com os aportes teóricos e metodológicos que fundamentaram o estudo.

O estudo seguiu os preceitos éticos preconizados pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

 

RESULTADOS:

 

Participaram da pesquisa 25 profissionais de saúde de quatro das cinco equipes de CnaR que atuam em 3 grandes territórios do município do Rio de Janeiro. Essas equipes são classificadas como de modalidade III, isto é, possuem ao menos um profissional da medicina e pelo menos três profissionais de diferentes campos de conhecimento, além dos agentes sociais.

Dois desses territórios dizem respeito a conjuntos de favela que historicamente marcados por incursões policiais, ausência do Estado de direito e disputas entre diferentes facções do tráfico e milícia. O terceiro território possui projetos de revitalização urbana dada a sua importância para a economia da cidade. Respectivamente, esses territórios foram denominados de Caatinga, Agreste e Mata Atlântica.

Esses contextos de violência, violação de direitos, exceção mas também de solidariedade, condicionam as práticas de cuidado e ganham importância na produção discursiva dos profissionais. Assim, enquanto, no território Caatinga sobressaem os efeitos da violência, a pouca presença do Estado, e como isso interfere na rotina da equipe, no Agreste, ganha destaque os sentidos sobre a maternidade das mulheres que fazem uso de crack e os desafios colocados às práticas profissionais. Já na Mata Atlântica, os discursos se organizam em torno dos entraves da articulação da rede de cuidados aos usuários de crack, com destaque para à garantia do direito à saúde.

Além disso, os profissionais se veem desafiados a produzir práticas de cuidado em saúde na fronteira entre as liberdades individuais e os direitos coletivos. No caso das mulheres usuárias dos serviços de CnaR a maternidade torna essa tensão ainda mais dramática, a partir de questões relativas aos direitos da criança e/ou da mãe usuária de SPA em situação de rua.

A análise dos discursos mostrou que quando as equipes de CnaR começaram a se formar tanto os profissionais quanto a própria gestão tinham pouco conhecimento sobre o serviço e o seu modus operandi e que foi no compartilhamento do cotidiano que as especificidades do CnaR foi se desenhando.

No município do Rio de Janeiro, as equipes se organizam a partir de arranjos multiprofissionais, todavia, por si só ela não é garantia de “resolutividade” e menos ainda de integralidade no cuidado. A ênfase que é dada para composição de equipes para atuar em territórios importantes para o turismo em detrimento de outros de ‘menor valor’, aponta para a baixa institucionalidade da política. No momento da pesquisa, por exemplo, havia territórios com quatorze profissionais e outro com apenas três.

É importante ressaltar que o CnaR, como um dispositivo inserido na agenda da política de atenção básica à saúde, apareceu nos discursos dos profissionais, como dispositivo cuja lógica da organização do processo de trabalho favorece a superação da racionalidade ‘das caixinhas’, isto é, a fragmentação da atenção à saúde em linhas de cuidado para uma perspectiva mais coletiva e complexa, inclusive dos fatores que levam uma pessoa a estar em situação de rua e/ou fazer uso abusivo de uma SPA.

Um aspecto das equipes de CnaR no Rio de Janeiro que se distancia da estratégia saúde da família é não ter o CEP nem o CPF como pré-requisito do acesso a saúde, o que para muitos profissionais é simbolizado como uma radicalização do direito à saúde, fundamental para o exercício de cidadania das pessoas que fazem uso de SPA e/ou em situação de rua.

Os profissionais que compõem as equipes de CnaR no Município vivenciaram diferentes processos seletivos e recrutamento: indicação, convites, processos seletivos para determinado serviço e mais tarde realocados em equipes de CnaR. Os discursos sinalizavam valorização do ingresso nas equipes através de processo seletivo, correntemente referido como ‘concurso’, ao passo que a indicação tendeu a ser vista com menos valor.

Há que se dizer ainda, que o modelo de gestão implementado no Município, optou por organizar as equipes de CnaR a partir de contratos de gestão com diferentes Organizações Sociais (OSS), o que segundo os profissionais, repercute no desenho dos tamanhos das equipes, na prioridade da agenda, no financiamento, bem como na precarização das condições e dos vínculos trabalhistas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao “dar voz” aos profissionais de saúde de CnaR, esse estudo põe em evidência desafios e perspectivas que estão colocados à construção de um modelo de atenção à saúde da população em situação de rua que possa ser efetivamente comprometido com a valorização da cidadania dessa população.

Em que pese a tônica da integralidade no cuidado faz-se necessário: (a) desprecarização dos vínculos trabalhistas; (b) maior investimento na educação permanente; (c) incorporação das discussões de gênero nas equipes, (d) articulação da rede de cuidados, (e) criação dos abrigos de famílias.


Palavras-chave


Crack; Modelo de Atenção à Saúde; Consultórios na Rua