Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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UM PARTO DE EXPERIENCIA
Raquel Socorro Jarquín

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


Autora: Raquel Del Socorro Jarquín Rivas (bolsista – Fiocruz)

Coautor: Prof° Dr° Júlio Cesar Scweickardt (coordenador do projeto)

 

APRESENTAÇÃO: A Região Amazônica é um território de grande diversidade e, sobretudo, bastante singular em relação ao país como um todo. Dentre essa diversidade, estão as parteiras tradicionais que realizam o cuidado à saúde da mulher e da criança de modo mais imediato. Este trabalho trata-se de relato de experiências obtidas a partir dos encontros de trocas de saberes com Parteiras Tradicionais do Estado do Amazonas. Os referidos encontros são parte das atividades do projeto Redes Vivas e Práticas Populares de saúde: Conhecimento Tradicional das Parteiras e a Educação Permanente em Saúde para o Fortalecimento da Rede de Atenção à Saúde da Mulher no Estado do Amazonas, financiado pelo Ministério da Saúde – MS e desenvolvido em parceria com o Instituto Leônidas e Maria Deane – ILMD/FIOCRUZ e a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas- SUSAM, cuja proposta central  é reforçar as redes vivas e as práticas populares de saúde através do conhecimento tradicional e da qualificação das parteiras.

 

 

DESENVOLVIMENTO: O projeto já está em andamento, assim como as oficinas programadas para cada encontro. Até agora foram realizadas 4 oficinas em 4 municípios; Manaus, Itacoatiara, Maués e Tefé. Cada encontro foi cheio de emoções e compartilhamento de saberes, onde participaram muitas parteiras, secretários dos munícipios, alguns Agentes Comunitários de Saúde (ACS), enfermeiros, pesquisadores e bolsistas do referido projeto. Cada oficina tem sua marca, pois apesar de se tratar do mesmo assunto, de seguir o mesmo roteiro, cada parteira tem sua própria história, seus rituais, seus remédios caseiros e sua própria trajetória.

IMPACTOS: Tento aqui compreender o significado das experiências de cuidar da mulher durante o processo da gravidez em especial o parto em domicilio em alguns municípios da Amazônia. Com os poucos encontros que tivemos até agora, já dá para perceber que a história de vida destas mulheres parteiras se inscreve em um saber milenar que vai passando de geração em geração, como é demonstrado no relato de uma parteira:

[...] o que eu sei hoje como parteira tradicional, eu devo a minha avó, que passou para minha mãe e que minha mãe me ensinou e com certeza a minha avó aprendeu da mãe dela.

Percebo que este saber ao longo do tempo tem oferecido significativa contribuição para a construção de um novo olhar que procura a humanização na hora do parto. Apesar dessa significância, a parteira tradicional enfrenta muitos desafios para o desenvolvimento da sua pratica, dentre esses desafios está a falta de diálogo entre a medicina ocidental e o conhecimento tradicional das parteiras. Referente a isto uma parteira diz:

[...] nós não somos reconhecidas como parteiras, quando a gente chega com a parturiente no hospital, os médicos não deixam a gente entrar junto com elas, elas ficam sozinhas, sem famílias, sem ninguém.

A prática das parteiras tradicionais não é só um saber dentro de um universo cultural, ele é também um saber que envolve a solidariedade, compaixão, dedicação, tradição, espiritualidade e como elas mesmas dizem: [...] é um Dom dado por Deus.

A cada encontro consigo vivenciar diferentes saberes destro de um mesmo saber, cada parteira com sua história, cada parteira com seu parto. Muitas delas falam que parir de parto normal e em casa é muito diferente do parto em hospital.

[...] é outra coisa a parturiente parir em casa, só ela e eu, só nós. No hospital ela sofre, é maltratada, não tem o devido respeito com seu corpo, os médicos, os enfermeiros, não tem o mesmo cuidado que a gente tem. A gente faz massagem, damos um chazinho, e esperamos o tempo da criança nascer.

O parto é um momento que precisa muita vez apenas de um olhar de aconchego, acolhimento, de apoio, mas sobre tudo de humanização e neste sentido a humanização da parteira tradicional expressa no seu trabalho, na sua dedicação e cuidado com a futura mãe. Este é um momento que muitas vezes envolve também a família, vizinhos, o pai da criança, os irmãos, como também pode só estar presente a parteira e a gestante.

Estas parteiras tradicionais são mulheres que tem um reconhecimento dentro da sua comunidade, desenvolvendo um papel importante que é o dom de ajudar a trazer uma criança no mundo. Elas se apropriam de ferramentas nada sofisticadas, apenas de uma sabedoria milenar e quase instintiva. Estas mulheres conseguem compreender que o ato de pariri requer do seu tempo e da sua forma, ou seja, a parturiente é quem tem o domínio do seu corpo, é ela quem vai decidir como quer parir o seu filho, se de cócoras, deitada, agarrada a uma rede, no rio, de pé, etc. são estas e outras possibilidades que fazem do parto uma experiência de múltiplos significados e sentidos e onde a parteira tradicional está inserida.

Estas parteiras tradicionais, não possuem uma faculdade onde elas possam aprender a arte de partejar, elas aprendem o oficio através de outras gerações, através da sua própria curiosidade, do desejo e da vontade de poder trazer ao mundo uma vida e também pela necessidade de poder trabalhar. Estas mulheres não só fazem o parto, mas também acompanham a gravida durante toda sua gravidez, dando apoio muitas vezes de conselheiras, curandeiras e de “farmacêuticas”, onde elas mesmas produzem os remédios caseiros e dão para as gravidas.

Uma coisa muito linda e curiosa são algumas músicas cantadas por estas parteiras antes, durante e depois do parto, assim como também algumas rezas que elas fazem para a barriga da gravida, elas dizem:

[...] quando a gravida está com a criança atravessada, eu rezo uma oração enquanto vou massageando a barriga e assim o bebe se ajeita de novo.

Este saber, este dom dado por Deus, está sabedoria milenar, ou como elas e nós quisermos chamar, é algo do qual as parteiras pretendem continuar fazendo:

[...] eu vou parar só quando minhas forças não o permitam mais, e mesmo assim, quero estar ali do lado da nova parteira, dando apoio né, pois foi esse o dom que Deus me deu e que me foi passado pelas mulheres da minha família.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Algumas Parteiras que conheci durante as oficinas e nos diferentes municípios, estão inseridas nos postos de saúdes e nos hospitais, ajudando e sendo um apoio para as parturientes e a equipe medica. Porém ainda falta muito para que estas grandes mulheres com seu grande dom possam de fato serem vistas como parte essencial desse trabalho de trazer ao mundo uma nova vida.


Palavras-chave


relato de experiencias, parteiras tradicionais, parturientes