Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-23
Resumo
O presente trabalho verssa sobre a territorialização em saúde com o objetivo de apresentar a experiência da equipe multiprofissional da Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) em articulação com a Estratégia Saúde da Família (ESF) na cidade de Sobral-CE.
O processo de territorialização acontece anualmente na ESF da cidade de Sobral-CE em que as equipes de referências e equipe multiprofissional da RMSF - sendo a ultima composta por enfermeiro, assistente social, fisioterapeuta, nutricionista, dentista, terapeuta ocupacional, educadora física e psicóloga - se articulam para entrar em contato com a realidade cotidiana. Trata-se de uma ferramenta na qual as equipes através de um instrumento de territorialização buscam conhecer tanto as dimensões físico-geográfico quanto social, histórico, cultural, simbólicos, subjetivos e políticos que compõe o território adscrito da ESF dos Centros de Saúde da Família (CSF) da Expectativa e do CAIC.
A partir do instrumento, busca-se refletir as necessidades de saúde e construir estratégias de enfrentamento. Para tanto, destacam-se algumas etapas, sendo que: a etapa 1 busca resgatar e reconstruir a história social do território, bem como de seus moradores, possibilitando aos trabalhadores de saúde entrar em contato com os eventos e processualidade que produziram o território atual na qual a ESF se insere; etapa 2, perfil territorial-ambiental em que as dimensões físico-geográficas se evidenciam como, por exemplo, a extensão territorial de adscrição, perímetro urbano ou rural, áreas de lazer, áreas de risco ambiental, bem como a localização da rede de atenção à saúde, os equipamentos e serviços sociais existentes no território; etapa 3, perfil demográfico sócio-econômico e cultural, onde é possível identificar mais detalhadamente dados sobre a população local, as famílias, o número de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), como se dão as formas de acessos aos serviços de saúde, educação e equipamentos sociais, assim como sobre as condições de renda e as situações de riscos e vulnerabilidades sociais em que as famílias estão expostas com ênfase para situações de violência e pobreza. Destacam-se ainda nessa etapa os aspectos históricos e culturais a partir dos grupos comunitários presentes e dos espaços de cuidado desenvolvidos no território;
Na etapa 4, destaca-se o perfil institucional sobre o CSF e seus modos de funcionamentos, as áreas de cobertura, as equipes de referência e de apoio, incluindo as equipes de RMSF e Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF); etapa 5 participação e controle social com ênfase para o conselho local de saúde que se configura como espaço democrático na qual se problematiza as situações de saúde das pessoas do território, as condições de existências e problemáticas enfrentadas, ou seja, espaço de luta e reinvindicação por modos de vida mais justas e menos desiguais. Para isso, destaca-se a importância em identificar as lideranças comunitárias e os movimentos engendrados pelos coletivos no território, sobre as fragilidades, desafios e potencialidades dos mesmos;
E, finalmente a etapa 6, tem-se o perfil epidemiológico que possibilita uma melhor visualização da situação de saúde da população, com ênfase a saúde da criança, da mulher, do adolescente, do idoso, além de dados acerca da mortalidade, as principais causas de óbitos na população geral no território, sobre natalidade, doenças infecciosas e transmissíveis e sobre as condições crônicas.
Essas são algumas das principais etapas que constituem o instrumento que auxiliam as equipes no processo de territorialização, posto que a partir do contato com a realidade e mapeamento das situações e dimensões que constituem o território possibilitam visualizar, problematizar e analisar o território sanitário e o cotidiano na qual as vidas das pessoas se tecem. Tal ferramenta potencializa a construção de estratégias de gestão e de planejamento para a inserção e atuação das equipes, de modo que os indicadores de saúde e os determinantes sociais passam a fazer parte das formas como as equipes compreendem e desenvolvem as ações de saúde e cuidado.
Esse processo possibilita contato com o território cotidiano, que passa a ser refletido e vivido a partir de suas fragilidades, potencialidades e modos de organização social e cultural, isto é, a partir de uma perspectiva contextualizada e histórica que reflete e respeita os acordos e modos na qual as pessoas se constroem em seus fluxos de existência.
Assim, tanto o modelo de gestão e atenção é repensado, como a própria ESF e as redes que constituem o cuidado e suas diversas formas existentes no território. Principalmente quando tomamos como referência nossa experiência de territorialização na Expectativa e no CAIC em que os processos de saúde, adoecimento e cuidado se (re)inventam a medida que entram em contato com o cotidiano da vida, em articulações diversas, atravessadas principalmente pela cultura popular.
Em nosso território se destacam as práticas populares de saúde engendradas por rezadeiras/benzedeiras. Atores sociais que representam no território expressões de fé e espiritualidade como formas de cuidado e saúde. Pessoas respeitadas e protagonistas na produção de práticas de cuidado para além do modelo biomédico e hospitalocêntrico.
A territorialização tensiona não apenas o contato com o território, mas com suas problemáticas, desafios e potencialidades, assim como com as pessoas que o constituem, que adoecem, sofrem, sonham e inventam formas de viver e de cuidar de si e dos outros. E que, portanto, podem possibilitar as equipes de saúde novos ensaios das práticas, em que a dimensão da clinica do cuidado se amplia e se contextualiza com a vida que se tece nos territórios. Em que os processos de adoecimento, saúde e cuidado escapam a lógica de saúde como ausência de doença, pois, as pessoas não apenas adoecem, mas adoecem de determinados modos, em realidades singulares, em territórios geográficos, simbólicos e existenciais.
Assim a territorialização em saúde vai se configurando como estratégia potencializadora do fazer da ESF na medida em que se torna ação, vivencial e em contato com a vida das pessoas.
O processo de territorialização em saúde possibilitou tanto as equipes de referências quanto à equipe multiprofissional da RMSF, uma experiência orgânica de contato, exploração e entrecruzamento com as diversas dimensões do território vivo. Configurou-se como movimento de atravessamentos e engendramentos em que profissionais de saúde se encantam e se encontram com os desafios e possibilidades múltiplas e heterogêneas do processo de produção e (re)invenção do cuidado em saúde contextualizado com o território, suas paisagens, atores e necessidades. Portanto, a territorialização nos alerta para a produção de saúde e cuidado em que a vida cotidiana no território é que produz pistas de como o trabalho da ESF deve se construir.