Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A Gestão Autônoma da Medicação na sala de aula: formar, cuidar e produzir sentidos no campo da Saúde Mental
Marília Silveira, Jorgina Sales Jorge, Yanna Cristina Moraes Santos Lira, Veronica de Medeiros Alves

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


Apresentação

A estratégia da Gestão Autônoma da Medicação é um conjunto: uma metodologia e uma ferramenta. A ferramenta consiste em um Guia, um material escrito, encadernado, o Guia da Gestão Autônoma da Medicação (Guia GAM). O Guia é composto por seis passos, cada passo tem um tema específico que vai desde a apresentação pessoal até informações sobre os medicamentos psiquiátricos mais comumente prescritos em psiquiatria. As questões que compõem os seis passos são simples, podem até parecer óbvias, mas justificam-se por um certo tipo de cuidado e interesse pela experiência de quem usa o medicamento e recebeu um diagnóstico em saúde mental. O cuidado com a experiência e o interesse por ela não são elementos óbvios no cotidiano dos serviços públicos de cuidado em saúde mental. Os passos ajudam na produção da experiência grupal, também orientada pelo segundo elemento da estratégia, a sua metodologia. O Guia do Moderador auxilia no manejo do grupo, que pode ser realizado por qualquer profissional de saúde, por usuários e familiares envolvidos nos temas da saúde mental. As pistas encontradas para o manejo não pretendem ser prescrições, mas sim um conjunto de elementos e relatos de experiências cuja função é auxiliar o coordenador do grupo com suas possíveis questões ao longo do processo. Definimos a GAM como um processo de aprendizagem, de questionamento respeitoso sobre as necessidades e vontades das pessoas que fazem uso de medicação psicotrópica.

Muitas experiências têm sido desenvolvidas no Brasil em torno do Guia GAM e sua metodologia, desde a pesquisa inicial, que de 2009 a 2011 traduziu e adaptou o material canadense para a realidade brasileira. Os desdobramentos dessas experiências, incluída a de que trata o presente trabalho, formam parte desde 2017 do Observatório Internacional de Práticas de GAM, que reúne mais de 20 universidades brasileiras e duas estrangeiras em diferentes projetos em torno da GAM.

No ano de 2017, como parte das atividades de pós-doutorado da primeira autora propusemos na Universidade Federal de Alagoas - UFAL a primeira experiência brasileira de formação da GAM no âmbito da graduação. Na conexão entre o Instituto de Psicologia e a Escola de Enfermagem e Farmácia oferecemos uma disciplina eletiva sobre a GAM aberta aos cursos de Psicologia, Enfermagem, Farmácia, Medicina e Serviço Social da UFAL, sendo também ofertada como atividade eletiva à residência de Enfermagem em Saúde Mental da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL. A disciplina foi ofertada pela Escola de Enfermagem e Farmácia e contou com a colaboração de quatro professoras do núcleo de Saúde Mental da Enfermagem e uma da Psicologia.

Objetivo

Narrar a experiência da disciplina e compartilhar os efeitos produzidos na formação das (os) estudantes e residentes.

Desenvolvimento e Metodologia

A disciplina foi organizada seguindo alguns princípios comuns à saúde mental e às práticas da GAM tais como o acolhimento, vínculo, cogestão e participação, teve a carga horária de 45h, ocorreu com encontros semanais  e foi divida em 3 eixos:

EIXO 1 – Gestão Autônoma da Medicação (GAM) história e conceitos básicos

(a) Construir a caixa de ferramentas da GAM, a história da estratégia no Canadá e sua chegada e transformação à realidade brasileira.

(b) discutir os conceitos envolvidos na GAM (autonomia, cogestão, cuidado alinhados às diretrizes do SUS e da Reforma Psiquiátrica) para sustentar o cuidado em liberdade.

EIXO 2 – Manejo de grupo

(a) Conhecer e construir os elementos para leitura dos processos grupais,

(b) discutir o manejo cogestivo na GAM.

(c) Escuta e acolhimento da experiência do uso de medicamentos

EIXO 3 – Cidadania e direitos

(a) Compreender e discutir os direitos das pessoas diagnosticadas no âmbito do cuidado em Saúde Mental e sua inserção na cidade.

A disciplina foi pensada e construída coletivamente pelas professoras (e suas diferentes formações e abordagens) antes das aulas iniciarem e depois junto com a turma, convidando as/os estudantes a trazerem suas experiências e expectativas para a disciplina. Desse modo possibilitamos uma avaliação também cogestiva, leve e processual ao longo das aulas.

Os textos escolhidos (muitos deles narrativas dos processos de pesquisa anteriores da GAM) foram fundamentais para possibilitar um encontro com as experiências e facilitar a construção coletiva. Apoiamo-nos também em estratégias e técnicas usadas em sala de aula para mediar o encontro das e dos estudantes com os textos. Para cada aula uma atividade prática foi pensada de modo a disparar a discussão a partir de alguma experiência em aula, para depois relacioná-la ao texto previsto. Textos lidos em aula, recortados e convites para encenar, técnicas de grupo, jogos e brincadeiras marcaram cada uma das aulas, com a intenção de que cada conceito apresentado pudesse ser efetivamente experimentado em cada aula.

Para a discussão sobre a experiência, por exemplo, um convite para encenar um trecho de um texto técnico, para a discussão de rede, um rolo de barbante para nos conectar e uma pergunta do Guia GAM “o que eu preciso para viver?”, para discussão da cogestão um convite à turma para decidir junto conosco a melhor forma de avaliação, que guardasse a dimensão afetiva e processual da disciplina. Um convite a escrever cartas e contar histórias foi parte de uma aula em que lemos as narrativas? para partilhar o que vínhamos aprendendo juntas/os, estudantes e professoras.

Com isso buscamos de modo criativo e divertido fomentar um ambiente acolhedor para a emergência das histórias e experiências das/os estudantes, a fim de operar na turma um processo grupal tal qual se espera com um grupo GAM. Fomentamos a presença de diferentes cursos e períodos, além da presença de quatro residentes, já inseridas nos serviços de saúde mental de Maceió pois apostamos nessa diversidade como possibilitadora de encontros com as diferentes experiências.

Resultados

A disciplina promoveu um convite para a construção dos conceitos ao longo de um processo de aprendizagem significativa, indicando que, ao contrário do que tradicionalmente se apresenta na universidade, os conceitos não foram apresentados prontos, porque estavam vivos em nossas práticas, e portanto modificando-se nas e pelas práticas.

Nas avaliações ao longo do período, a turma nos trouxe um feedback positivo, surpreendendo-se com o tipo de discussão proposta e com o movimento e dinâmica das aulas. Todas/os as/os participantes em algum momento dos encontros mostraram-se muito à vontade para falar de si e da sua relação com a formação e a vida. Sentiram-se acolhidos em suas fragilidades e incertezas e isso possibilitou um espaço aberto para a fala e sobretudo para a escuta do outro.

Para avaliação final da disciplina a turma foi divida em quatro grupos, cada grupo ficou responsável por apresentar uma proposta prática de trabalho com um dos 4 primeiros passos do Guia GAM. A proposta do exercício era que o pequeno grupo funcionasse como uma equipe que trabalha com a GAM e operasse a proposta com o restante da turma, simulando o encontro de um grupo GAM.

Essa iniciativa teve por objetivo não propor uma aula na qual se absorve conhecimento, mas sim produzir efetivamente um convite a uma experiência e, uma vez imersos nessa experiência, as/os estudantes sairiam transformados dela. Um processo que contemplou o ensino como produção de subjetividades promovendo deslocamentos nos discursos e práticas de estudantes, residentes e professoras a partir de um significativo e afetuoso processo de aprendizagem.


Palavras-chave


Gestão Autônoma da Medicação; formação; saúde mental coletiva