Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA: MOVIMENTOS DE ESTRANHAMENTO, ENCANTOS, ENCONTROS E (RE)INVENÇÃO
Joélia Oliveira dos Santos, Mônica dos Santos Ribeiro, Normanda de Almeida Cavalcante Leal, David Gomes Araújo Júnior, Caroline Rillary Vasconcelos Farias, Fablicia Martins de Souza, Isabele Mendes Portella, Elaine Cristina Mendes de Araújo

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


O presente trabalho pretende apresentar a experiência do processo de se inventar residentes e trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Estratégia Saúde da Família (ESF) a partir de uma Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) na cidade de Sobral-CE.

A experiência versa sobre o primeiro ano como residentes e trabalhadores. E em função das multiplicidades de discussões que podem se desenvolver, escolhemos nesse trabalho compartilhar recortes dos movimentos de estranhamento, encantos, encontros e (re)invenção que a equipe multiprofissional da RMSF, composta por enfermeiro, assistente social, nutricionista, educadora física, terapeuta ocupacional, dentista, fisioterapeuta e psicóloga, vem vivenciando nesse processo nos territórios de abrangência da ESF.

Para tanto, iniciamos acerca da entrega que o encontro de se inventar residente convida. Encontro que se deu a partir do processo de territorialização em saúde, estratégia em que as equipes de referência e multiprofissional entram em contato com o território em suas múltiplas dimensões, para além da dimensão geográfica. Processo atravessado pelo encanto das descobertas e do desejo de conhecer fincado nos olhos que nem as amendoeiras nas portas das calçadas das ruas no território. O encanto insistente, cerzindo os passos, se materializando no movimento dos corpos, na tentativa se cartografar pelo adentar das ruas. Encanto pela atenção sendo roubada a cada rosto sob o descanso da manhã nas calçadas. Na audição estimulada pelas músicas, conversas e risos. No toque dos olhares se buscando em cada encontro com os moradores do território. Na ânsia precisada em mudar o eixo do corpo para escutar, com o olhar curioso, os gritos silenciosos das histórias respirando em cada esquina, nos espaços não vazios sendo preenchidos pelas histórias a espera de serem compartilhadas.

No cotidiano do trabalho na ESF, o ser residente se inventa a partir de um corpo sensível, em que o aprendizado e o trabalho se dão no contato com o território, as pessoas, os trabalhadores, os saberes e práticas de cuidado. Em que tudo pulsa ao se intensificar em cor e cintilância, principalmente quando o coração segue com fome de aprendizados e transformação. Pois, nessa experiência de se inventar residente aceitamos o convite a ser porosidade às vidas e aos encontros que chegam, pedindo honestidade e inteireza nos sentires.

Aprendizado que se inicia pela construção de vínculos com a equipe de referência, com os usuários e com o território. Profissionais e usuários múltiplos em suas formas de olhar, cuidar e produzir saúde. Olhares de surpresa, entusiasmo, cansaço, descrença, fé, força e luta. Olhares de rostos marcados por processos de trabalho atravessados por uma realidade complexa e desafiadora, exigindo de cada um mais que técnicas mecanizadas e especializadas, posto que exigem acolhimento e estratégias de enfrentamento às necessidades vivenciadas pelas pessoas, famílias e coletivos no território. Rostos interrogativos quanto às possibilidades dos processos mudarem.

Inventar-se residentes vem se constituindo enquanto trabalho engendrado por desejos de construção do SUS e da ESF que atendam e acolham as necessidades das pessoas. Desejos por construção de melhorias ou por processos de compartilhamento dos pesos das existências que chegam até a ESF. Pois são tantos fluxos, paradigmas e contradições desenhando as existências no território, em que a vida se mostra como luta diária, minuto após minuto em realidades agenciadas por vulnerabilidades, riscos, pobreza, violência e desigualdade que a princípio os sonhos parecem contrários a tal realidade dolorida, injusta e endurecida, mas que ao mesmo tempo se mostra terreno em que a fé, o desejo, a luta e a resistência crescem para além da dureza que coexiste junto com os sonhos.

Resistências diante do que tenta enfraquecer e roubar a possibilidade de ser o que se tem o direito de ser. Direito e acesso à saúde, educação, trabalho, lazer e modos de existência mais equânimes e alegres. Em que a força do direito do sonho de ser na gente se espalha por todo lado, fazendo parte de nossas histórias, das linhas de cuidado e dos modos de se relacionar e construir o mundo. A força do direito a cidadania que tensiona até o corpo mais cansado e despercebido a sentir a disrupção escapando pelos poros e rostos das pessoas no território.

O trabalho no SUS e na ESF se constitui a partir dos desafios e potencialidades de uma gestão e atenção do cuidado que reconhece e incorpora as dimensões simbólicas, subjetivas, sociais, culturais, econômicas e políticas em que os processos de adoecimento, saúde e cuidado se tecem. Permeados por contradições, desafios e potencialidades, onde do mesmo solo duro, áspero e doloroso repousa também a esperança por transformação. Sentimentos diversos rasgando o peito cotidianamente na vida escancarada, nem sempre suave e gentil, mas em movimento. Em que as pessoas vão sendo, mesmo doendo. Vão vencendo, mesmo quando perdem. Vão vivendo, mesmo que os tempos sejam duros demais. As pessoas vão seguindo porque a existência carrega a possibilidade de (re)invenção, produção e mudança a partir dos encontros. As pessoas continuam a caminhar, a acreditar e a teimar com as determinações naturalizadas.

Assim, trabalhar no SUS e na ESF enquanto residentes está para além do trabalho individualizado e especializado, para além da compreensão de saúde como ausência de doença, para a aposta hegemônica do modelo biomédico.

A nossa experiência como residentes se tecem nos fluxos, entres e devires da invenção do tempo de florescer, do compromisso ético político da construção e fortalecimento do SUS e da ESF enquanto espaços para as multiplicidades de modos de existência alegres, potentes, equânimes e dignas. Trabalho que acredita que se o tempo das invenções e das flores não fosse possível, por que os olhares das pessoas que chegam até a ESF atravessam com tanta intensidade, cada um de nós profissionais, a ponto que desacreditar nessa florescência é sentir o peito ferido e rasgado pelas iniquidades e injustiças que ainda fazem parte da vida cotidiana no território?

Inventar-se residentes a partir do trabalho no SUS e na ESF é acreditar e lutar para que até o sonho mais cru e insosso, nos olhos opacos e ombros caídos pelo peso da luta cotidiana, ocupe seu lugar de insistência na vida.

Palavras-chave


Residência Multiprofissional em Saúde da Família, Trabalho, Estratégia Saúde da Família, Sistema Único de Saúde