Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A fabricação do Centro Especializado em Reabilitação de São Bernardo do Campo (CER IV/SBC) em rede: uma análise da Política como dispositivo.
Valéria Monteiro Mendes, Paula Bertolucci Alves Pereira, Larissa Ferreira Mendes dos Santos, Gislene Inoue Vieira, Laura Camargo Macruz Feuerwerker, Samara Kielmann Almeida dos Reis, Débora do Carmo, Débora Cristina Bertussi

Última alteração: 2018-05-07

Resumo


Este texto resulta da pesquisa Avalia quem pede, quem faz e quem usa (2013 a 2017) e integra as análises da Rede de Observatórios Microvetoriais de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde, que têm apostado em dois planos de exploração sobre o processo de fabricação de Políticas – a genealogia e a análise da Política como dispositivo. Sobre à genealogia, partimos do pressuposto que o exercício genealógico permite compreender as forças que se apropriam de uma questão e o como ocorrem as disputas segundo os valores e sentidos construídos por estas forças. Quanto à análise ao segundo, objeto deste texto, consideramos que ele possibilita compreender que, embora as Políticas busquem fabricar processos de subjetivação e operem nessa perspectiva, os atores envolvidos nesta construção produzem múltiplas possibilidades de movimentação. Nosso objetivo é discutir como a Política Nacional de Atenção à Pessoa com Deficiência operou em São Bernardo do Campo quanto à proposta de organização do cuidado em saúde e aos arranjos fabricados pela Secretaria Municipal de Saúde na composição do cuidado à pessoa com deficiência. Trata-se de analisar o dispositivo como um disparador de vetores e de recolher o modo como distintos atores operam neste âmbito. A metodologia adotada foi a cartografia, na qual o método é o encontro. Nesta trilha, encontramo-nos com a questão candente do processo de construção do serviço: fabricar um CER IV em rede. Tal aposta decorreu do movimento de qualificação da rede (2009-2016) e da proposição de diversos dispositivos para sua efetivação (via gestão central, departamentos/serviços e trabalhadores), do que resultou a fabricação de uma outra vista do ponto (e não de outra perspectiva de um mesmo ponto de vista) sobre a produção do cuidado no município, incluindo a temática da reabilitação. O CER foi tecido em SBC a múltiplas mãos, segundo os pressupostos de produção do cuidado compartilhado entre pontos da rede e de arranjos interprofissionais (incluindo familiares/cuidadores), como parte da reestruturação da atenção ambulatorial especializada num contexto de fragmentação da oferta de reabilitação, de invisibilidade para as necessidades desta população e de não previsão da construção de um CER no município. Neste processo foi decisiva a participação da gestão (que disputou a viabilidade do serviço) e dos apoiadores de rede (que ajudaram na produção de visibilidades para o tema e na tessitura de relações do CER com a rede, mesmo com especificidades e permeabilidades distintas para os problemas). Dos resultados apontamos os efeitos na movimentação dos distintos atores (gestores e profissionais do CER, bem como de outros serviços) tendo em vista a aposta na produção de um arranjo em rede que articulasse as estratégias e as ações de reabilitação existentes e que incluísse novos desenhos, desdobrando a proposição do modelo assistencial do texto da Política Nacional. Destaca-se ainda a implicação dos trabalhadores na discussão de distintos arranjos de cuidado que contribuiu para a produção de sentido de pertencimento e de responsabilização e, possibilitou a abertura do serviço para a composição de uma rede nas/entre as equipes e para fora dele. Neste movimento foram produzidos os elementos estruturantes do serviço: o acolhimento não regulado/porta aberta, a interdisciplinaridade e o tema da alta. Sobre o primeiro, a proposta era torná-lo o único mecanismo de acesso (oportuno e necessário) e tal aposta demandou pactuações com a rede, visando recompor a solicitação de atendimentos (distintos encaminhamentos para diferentes profissionais) para reabilitação, tendo sido fundamental nesta construção o papel dos apoiadores. Após um período de realização do acolhimento em dois dias da semana por uma assistente social, houve o questionamento sobre a possível inclusão de alguns casos via regulação, o que provocou o posicionamento da equipe pela continuidade da porta aberta e pela necessidade de recomposição de tal tarefa, que passou a integrar o processo de trabalho no CER (incluindo o importante apoio da recepção). Quanto ao atendimento interdisciplinar, este também assumiu distintas configurações dentro e fora do CER, a depender da necessidade das pessoas, a exemplo do arranjo para usuários com disfagia  e com dores osteomusculares crônicas (que extrapolou os muros do serviço), a reorganização da fila de otorrinolaringologia e a estratégia “vir a ser” (voltada ao cuidado de crianças com risco psíquico não poderiam ser acolhidas no CER, por não apresentarem deficiências e crianças com alguma deficiência que apresentavam tal risco psíquico). Em compasso com estes dois aspectos, o tema da alta também foi incorporado como estruturante, sendo trabalhado com os usuários e seus familiares/cuidadores como parte de um processo de reabilitação para a vida, desde o acolhimento. Percebe-se que o valor atribuído à processualidade (como noção constitutiva da fabricação do serviço) contribuiu para demarcar uma mudança de conceito, de modelo e de cuidado sobre o tema da reabilitação. Fabricou-se, assim, uma oposição ao entendimento tradicional sobre os centros de reabilitação que privilegia uma lógica fragmentada (multiprofissional e não interdisciplinar), desarticulada (outros espaços de cuidado e de distintos modos de seguir a vida) e limitadora do acesso (definição prévia do número de atendimentos; impossibilidade de entrada de outros usuários e institucionalização daqueles que acessavam o serviço). Das considerações apontamos que a construção em rede do CER IV em SBC mostrou que as apostas e os arranjos locais podem ser decisivos na fabricação de movimentos para além do que determina o texto da Política, havendo múltiplas possibilidades de produção, apesar dos eventuais limites das definições legais. A experiência reforça que, como dispositivo, a enunciação da necessidade de uma rede é um vetor frágil para enfrentar a histórica fragmentação dos serviços de reabilitação e a redução da pessoa com deficiência à condição de consumidores-indesejáveis-descartáveis-improdutivos, não obstante a afirmação das necessidades e potencialidades dos usuários como critério para a necessária articulação de um cuidado em rede. Tornou-se nítido que o processo de invenção de uma política de cuidado para a pessoa com deficiência foi marcante na reinvenção do modo de pensar a atenção especializada em SBC. Isso mantem relação com a produção de visibilidades para as questões e necessidades da pessoa com deficiência (em ato e nos territórios) que foi desdobrada com a fabricação de modos de cuidar orientados segundo distintas formas de compor e de conduzir essas existências. Mesmo com os desafios e tensionamentos que permaneceram (baixa visibilidade em alguns territórios para o cuidado produzido no CER, articulação restrita entre o CER e a atenção básica, limitada sustentabilidade de algumas articulações), ficou evidente que distintos atores (além dos que ocupam os lugares formais da gestão) podem interferir decisivamente na produção da gestão e das políticas, justamente porque todos fazem gestão e todos reinventam as políticas no cotidiano da gestão e do cuidado. O arranjo produzido em SBC para as pessoas com deficiência foi inovador na construção de um serviço em rede e não regulado, o que mostra a potência da invenção local na superação dos limites das proposições nacionais. Concluímos que a análise de Política como dispositivo (como os exercícios genealógicos), apesar dos vetores biopolíticos que nos atravessam, ajuda a pensar sobre um conjunto de questões e de interlocuções não produzidas no campo e sobre possibilidades de compor modos de cuidar em saúde menos subordinadores e homogeneizantes, mais porosos à diferença e em ato.


Palavras-chave


cartografia; CER-IV-SBC-análise-de-política-como-dispositivo;produção-do-cuidado