Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Distribuição da oferta e da cobertura de serviços do Sistema Único de Saúde: desigualdades entre as macrorregiões do Brasil
Marina Schenkel, Gabriel Calazans Baptista

Última alteração: 2018-02-02

Resumo


O presente trabalho trata das desigualdades em saúde e da distribuição das ações e serviços do SUS entre as cinco macrorregiões do Brasil. Partimos do pressuposto que a saúde é socialmente determinada e que os sistemas de saúde tem potencial para compensar as desigualdades originadas pelas diferenças sociais que os indivíduos e grupos se encontram ou, por outro lado, para acirrar estas iniquidades. A pesquisa tem como objetivo analisar como o SUS intervém nesta perspectiva da realidade, evidenciando as disparidades do provimento dos gastos e de serviços de saúde entre as macrorregiões do país. O tema se mostra relevante considerando o atual debate no Brasil sobre a mudança de padrão nos investimentos em política públicas, trazendo à tona como o Estado lida com as persistentes e profundas desigualdades sociais na área da saúde.

Para tanto, utilizamos uma abordagem quantitativa. O banco de dados foi construído no software Stata com indicadores do Datasus, tendo como unidade de análise as 438 regiões de saúde do Brasil. As principais variáveis empregadas nas análises foram sobre o gasto total em saúde por habitante (2013), a oferta de estrutura e de profissionais da saúde (2012) e os níveis de cobertura de Atenção Básica (2012), Pré-Natal (2012) e Vacinação (2012). Como referencial teórico, consideramos as teorias explicativas e definições conceituais das desigualdades em saúde a partir da dimensão socioeconômica de indivíduos e grupos, abordadas por Barata (2009), Buss e Pellegrini Filho (2007) e Whitehead (1990). Foram analisados estudos sobre a forma que o sistema de saúde pode incidir para potencializar ou reduzir essas desigualdades, bem como a organização e estrutura dos serviços de saúde e financiamento do SUS.

A análise dos dados baseada em regiões de saúde não é aleatória; podemos situar a organização dos serviços em redes de atenção à saúde regionalizadas como um dos principais desafios do SUS. Apesar de a regionalização ser preconizada desde a sua instituição, inúmeros estudos demonstram uma grave fragmentação no sistema de serviços do SUS, produzida pela grande quantidade de municípios de pequeno porte e pela falta de articulação intermunicipal, dificultando o atendimento integral às necessidades de saúde da população (GIOVANELLA, 2016). Aponta-se atualmente a importância da consolidação das regiões de saúde como centro integrador das referências dos diversos serviços de saúde e abrangendo distintos níveis de gestão neste território (SANTOS; CAMPOS, 2015, GIOVANELLA, 2016). A regionalização é tida ainda como em processo, que avança lentamente. Nesta perspectiva, é necessário o olhar para a distribuição dos serviços de saúde entre as regiões de saúde, evidenciando as lacunas e as disparidades existentes no extenso território brasileiro.

Como principais resultados da pesquisa, observamos que no Brasil a média do gasto total em saúde per capita das regiões de saúde é de R$ 531, 59, sendo que o menor valor é de R$ 239,15, no Norte, e o maior valor é de R$ 1036,33, no Sudeste, uma diferença de mais de quatro vezes. A macrorregião Norte também apresenta a menor média (R$ 375,53). No Nordeste a média dos gastos é de R$ 409,21.  A macrorregião Centro-Oeste apresenta a média mais alta de gastos das suas regiões de saúde, no valor de R$ 646,23, seguida do Sul (R$ 617,83) e Sudeste (R$ 617,08). Os gastos em saúde por habitante das regiões de saúde tem uma forte tendência de associação positiva com a renda média per capita da região, com um coeficiente de correlação de Spearman de 0,6709 (estatisticamente significativo ao nível de p<0,001).

Com relação ao indicador de oferta de estabelecimentos com serviços SUS nas regiões de saúde por mil habitantes, observamos também uma importante variação macrorregional. A média do Brasil é de 1,34, sendo que a região com o menor valor fica no Norte do país, com 0,30, e com o maior no Sudeste, com 3,69, uma diferença abismal de mais de 12 vezes de oferta de provimento de serviços SUS. Assim como o padrão da distribuição dos gastos em saúde por região, o Norte tem a menor média (0,71), seguido do Nordeste (0,89). A macrorregião Sul tem a maior concentração de serviços SUS por mil habitantes (1,93), seguida do Sudeste (1,67) e Centro-Oeste (1,25).

Sobre a presença de profissionais da saúde que atendem no SUS, observamos que existe uma forte concentração em algumas partes do Brasil e, consequentemente, territórios com graves lacunas. Na distribuição entre as macrorregiões do país observamos o mesmo padrão visto até aqui. A região de saúde com o menor número de médicos e de outros profissionais da saúde por mil habitantes fica no Norte, assim como é a macrorregião com a menor média. Já a região de saúde com o maior número, tanto de médicos, quanto demais profissionais, está no Sudeste e é a macrorregião com a maior média do Brasil, com diferenças entre o menor e maior valor entre as regiões de saúde de mais de 20 vezes.

Quanto aos níveis de coberturas, tanto o Percentual de Nascidos Vivos com 7 ou mais consultas pré-natal, quanto o Percentual de municípios com cobertura vacinal adequada, seguem mais concentrados nas mesmas macrorregiões (Sudeste e Sul). O único indicador que apresenta uma tendência oposta aos demais é o de Cobertura populacional estimada pelas equipes da Atenção Básica, a macrorregião com a maior média é o Nordeste (82,4%), no Sul é de 78%, no Sudeste 74,6%, Centro-Oeste 72,3% e a menor média no Norte (62,5%). É o único dos indicadores negativamente correlacionados com a renda média per capita da região de saúde (Coeficiente de Spearman de -0.3336), apesar de ser uma associação fraca, é estatisticamente significativa ao nível de p<0,001. Ou seja, há uma tendência de quanto maior a renda média per capita da região, menor o nível de cobertura de Atenção Básica. O contrário do que pudemos observar com os demais indicadores de oferta de serviços de saúde.

Esses resultados nos mostram como é necessária uma alocação de recursos públicos mais equitativa entre as regiões de saúde de acordo com as diferenças epidemiológicas da população e visando amenizar grandes vazios assistenciais. Segundo Porto et al. (2014) e Ugá (2006), as disparidades do sistema brasileiro se dá pela forma de sua estruturação, que promovia a expansão do setor privado e com base no reembolso aos prestadores de serviços de acordo com oferta de serviços já existentes, concentrados em áreas geográficas mais ricas e saudáveis, acentuando as desigualdades em saúde.

Deve ser salientado que cada macrorregião apresenta desigualdades internas, há regiões de saúde com falta de serviços no Sudeste e regiões de saúde com quantidades suficientes no Norte, por exemplo. O que apresentamos aqui é que as tendências entre esses indicadores analisados que medem a intervenção do SUS entre as macrorregiões é a mesma.  Exceto pela Cobertura de Atenção Básica, todos indicadores de gasto, estrutura do sistema, profissionais da saúde, pré-natal e vacinação, têm melhor desempenhos no Sudeste e Sul do país. A pesquisa mostra evidências empíricas que há graves desigualdades na organização dos serviços do SUS no território brasileiro, apontando uma necessidade de nos debruçarmos ainda mais sobre de que forma cada região de saúde está ofertando sua rede de atenção à saúde e quais são os entraves para um atendimento integral às necessidades da população inscrita neste território.