Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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PRÁTICAS ALIMENTARES NO PROCESSO DE AJURI
Maria Isabel de Araújo, Silas Garcia Aquino de Sousa, Evandro Morais Ramos

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Na hinterlândia amazônica as técnicas de cultivo do solo para atividades agrícolas resultam de um processo de vivência agroambiental dos habitantes com a floresta na (re)produção alimentar, ao cultivar, domesticar, introduzir e multiplicar as plantas, aliada a criação de animais, nos ecossistemas de várzea ou terra firme. Assim, o homem amazônico transformou os ecossistemas naturais em ecossistemas cultivados, explorados por seus cuidados, muito antes da chegada das missões na região e montarem um novo sistema agrário combinado com os praticados na hinterlândia, através dos ajuris (trabalho coletivo, ajuda mútua), tanto para o manejo e plantio da área como para a colheita das espécies cultivadas, com evolução e transformações de novas técnicas agrícolas, aliado ao saber tradicional no manejo dos quintais agroflorestais, as hortas (canteiros) suspensas e o roçado de árvores frutíferas e madeira. O enfoque metodológico dessa escolha, dada à complexidade e a multiplicidade das práticas agrícolas de ajuri, levando-se em consideração a valorização da participação social como promotora de saúde que transcende do enfoque individual para o social, conivente com os conhecimentos tradicionais, aliados a diferentes modos de vida dos sujeitos habitantes da hinterlândia amazônica, hábitos, costumes, vivência e convivência no espaço agroalimentar dos agricultores familiares, revelando estreita simbiose com o ecossistema natural, visto que a alimentação saudável constitui-se em um dos pilares determinantes da promoção da saúde. Neste sentido, objetiva o presente estudo identificar as espécies cultivadas, bem como a interação pessoal e econômica dos agentes produtores da agricultura orgânica, participantes do processo de ajuri na troca de saberes alimentares tradicionais e a disponibilidade de mão-de-obra na construção dos roçados agrícolas de base ecológica, sem o uso de agroquímicos, que além do impacto contaminante sobre a saúde humana, ocasiona danos ambientais no sistema hídrico superficial, subterrâneo, no solo, no ar, configurada como práxis metodológica na promoção da saúde dos agricultores familiares envolvidos neste processo, respeitando os princípios da agricultura ecológica definidos nos conceitos da agroecologia, garantindo o desenvolvimento sustentável da presente geração sem sacrificar as necessidades das gerações futuras pelos agricultores familiares da Comunidade Uberê, localizada no ramal do Brasileirinho, km 8, área rural da cidade de Manaus. O método proposto nesta abordagem, denominado de pesquisa-ação de forma interdisciplinar com ferramentas dos métodos da pesquisa etnográfica, da observação participante, do estudo de caso com visita de campo in loco na comunidade Uberê, em visitas mensais no período de março a julho de 2017. Nos ajuris, a valorização do conhecimento, a troca de sementes, o intercambio de ideias é compartilhado por todos os agricultores familiares, participantes do processo de ajuri, o que representa uma atitude ética e política dos comunitários em produzir e consumir alimentos saudáveis, livre de agroquímicos, cujo excedente é comercializados nas feiras da cidade de Manaus. No manejo agroecológico as práticas agrícolas constitui-se de experiências tradicionais sustentáveis, preservadas na memoria biocultural com práticas tipicamente convencionais (técnicas) combinadas a diferentes culturas para a fertilização do solo nos quintais agroflorestais, com uso de adubação verde, corte e trituração da capoeira sem o uso do fogo, composto orgânico, biofertilizantes e controle de pragas com repelentes naturais e biológicos, como alternativa ambientalmente sustentável e econômica no âmbito da agricultura familiar de produtores orgânicos. As espécies mais cultivadas são das famílias Asteraceae, Brassicaceae, Chenopodiaceae e Quenopodiaceae, plantadas no sistema de hortas/canteiros suspensos com destaque para as plantas alimentícias não convencionais (PANC): agrião (Nasturtium officinale), alfavaca (Ocimum basilicum), almeirão (Cichorium intybus), ariá (Calathea allouia), batata salsa (Arracacia xanthorrhiza), beldroega (Portulaca oleracea), bertalha (Basella alba), cará-do-ar (Dioscorea bulbifera), caruru (Talinun triangulare), cheiro-verde (Allium fistulosum + Coriandro sativum + Eryngium foetidum), chicória (Eryngium foetidum), coentro (Coriandrum sativum),  cubiu (Solanum sessiliforum), espinafre amazônico (Alternanthera sessilis), feijão de metro (Vigna unguiculata), feijão-macuco (Pachyrhizus tuberosus), inhame (Colocasia esculenta), jambu (Spilanthes oleracea), manjericão (Ocimum basilicum), mastruz (Chenopodium ambrosioides), pepino-do-mato (Ambelania acida), ora-por-nóbis (Pereskia bleo), quiabo-de-metro (Trichosanthes cucumerina), rúcula (Eruca sativa), taiobas (Xanthosoma taioba e X. violaceum), vinagreira (Hibiscus sabdariffae), dentre outras olerícolas folhosas convencionais: abóbora (Curcubita sp), alface (Lactuca sativa), batata doce  (Solanum tuberosum), cará (Ipomoea) couve (Brassica oleracea), macaxeira (Manhot esculenta), pimentão (Capsicum annuum Group), repolho (Brassica Oleracea var. capitata), tomate (Solanum lycopersicum), dentre outras espécies cultivadas. Nos quintais agroflorestais destes comunitários o destaque são para as espécies frutíferas regionais, com destaque para: açaí (Euterpe oleracea E. precatoria), banana (musa), bacaba (Oenocarpus bacaba), buriti (Mauritia flexuosa), caju (Anacardium occidentale), castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa), cupuaçu (Theobroma grandiflorum), guaraná (Paullinia cupana), graviola (Annona muricata L.), laranja (Citrus sinensis), limão (Citrus limon), pupunha (Bactris gasipaes), tapereba (Spondias mombin L.), tucumã (Astrocaryum aculeatum)... toda essa produção no espaço agroalimentar agrega também o uso de outras práticas naturais de cuidados com a saúde, a diversidade de plantas medicinais, utilizadas como alternativa medicamentosa para curar certas enfermidades (dores no corpo, garganta inflamada, gripe, hemorroidas, infecção em geral, machucado, má-digestão, mal-estar, saúde da mulher, tosse, verme...), as espécies comuns mais cultivadas são: açafrão (Curcuma sp), algodãozinho (Gossypium arboreum), babosa (Aloe vera), boldo (Colerus barbatus), Camomila (Matricaria chamomilla),  crista-de-galo (Celosia cristata), erva-cidreira (Cymbopogon citratus), erva-de-Santa-Maria (Chenopodium ambrosioides), espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), fedegoso (Senna macranthera), fumo bravo (Solanum alatirameum), guiné (Petiveria alliacea), hortelãzinho (Menth sp), jenipapo (Genipa americana L.),  losna (Artemísia absinthium), mertiolate ou mercúrio (Jatrofa Multifida), pata-de-vaca (Bauhinia foticata), salsa-de-paredão (Mentha pulegium), salsaparrilha (Smilax sp), terramicina (Alternanthera dentata), unha-de-gato (Uncaria tomentosa)...; as espécies nativas da região de maior destaque são para as famílias: Anacardiaceae - cupiúba/envira-preta (Unonopsis guatterioides); Apocynaceae - carapanaúba (Aspidosperma nitidum); Apiaceae - sucuuba (Himatanthus sucuuba); Burseraceae - breu (Protium heptaphyllum);  Convolvulaceae - cipó-tuíra (Bonamia ferrugínea; Euphorbiaceae - sacaca (Croton cajucara); Fabaceae - cumaru (Dipteryx odorata),  copaíba (Copaifera langsdorffii), escada/cipó-de-jabuti (Bauhinia guianensis), jatobá (Hymenaea courbaril), jucá (Caesalpinia ferrea); Lauraceae - preciosa (Aniba canelilla); Lecythidaceae - castanheira (Bertholletia excelsa); Meliaceae – andiroba (Carapa guianensis); Moraceae - amapá (Brosimum parinarioides Ducke), apuí (Ficus amazonica); Rhamnaceae - saracura-mirá (Ampelozizyphus amazonicus Ducke); Rubiaceae – mulateiro (Callycophyllum spruceanum) e Simaroubaceae - marupá ou tamanqueira (Simarouba amara Aubl). Os resultados obtidos com base nos conhecimentos e práticas específicas de ajuri, contidos no repertório biocultural dos agentes da comunidade Uberé, se consolidam ao estabelecer relações e participação sociocultural ao dispor do seu dia de trabalho (mão-de-obra) nas atividades agrícolas/florestais, como importante elemento de reprodução social, econômica e ambiental, na lógica do autoconsumo alimentar, promotor da saúde humana, com a oferta de inúmeras espécies comestíveis em seus quintais agroflorestais, com destaque para as culturas de olerícolas folhosas das famílias botânica Brassicaceae (agrião (Nasturtium officinale), couve (Brassica oleracea), alface (Lactuca sativa), coentro (Coriandrum sativum), repolho (Brassica Oleracea var. capitata), rúcula (Eruca sativa) entre outras. As Asteraceae (jambu (Acmella oleracea), almeirão (Cichorium intybus)...), Chenopodiaceae (espinafre-amazônico (Alternanthera sp.), mastruz (Dysphania ambrosioides) ...). As frutíferas Musaceae (bananas vários tipos), Curcubitaceae (pepino (Cucumis sativus), abobora (Cucurbita spp), os tubérculos/raízes do gênero Manihot - macaxeira/mandioca (Dioscoreai), cará variedades (Ipomoea), batatas variedades (Solanum tuberosum) entre outras variedades de espécies como: pimentão (Capsicum annuum), cebolinha (Allium fistulosum), banana (Musa sp), mamão (Carica papaia), cuja produção excedente é comercializada na feira de produtos da agricultura familiar e orgânicos na cidade de Manaus, embasadas nos princípios da agricultura orgânica, cultivadas nos quintais agroflorestais, estabelecendo o elo harmônico das experiências passadas de geração a geração, na conservação e consumação de práticas socioambientais saudáveis, garantindo desta forma melhor qualidade de vida dos produtores da agricultura familiar orgânica e dos consumidores.


Palavras-chave


Agricultura familiar; Agricultura orgânica; Ajuri; Práticas alimentares; Quintais agroflorestais.