Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Pelos caminhos da integralidade: o que uma usuária-guia pode ensinar sobre a produção de redes de cuidado?
Danielle Abujamra Siufy Nardez, Rosilda Mendes, Viviane Santalucia Maximino

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


O presente trabalho foi apresentado ao programa de Pós Graduação da Universidade Federal de São Paulo como requisito do título de mestre em Ensino em Ciências da Saúde, cuja defesa aconteceu em dezembro de 2017. O objetivo dessa pesquisa foi analisar a conformação das redes constituídas na Atenção Básica na construção da integralidade do cuidado, compreendendo como os vínculos são produzidos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa na modalidade de pesquisa-intervenção que fez uso do dispositivo da cartografia para acompanhar os processos de formação de redes para o cuidado ampliado. A escolha pela abordagem qualitativa e pela cartografia encontrou eco na pergunta formulada e no objetivo traçado para essa pesquisa. Não se tratava de explicar ou medir um fenômeno, mas de investigar e compreender a potência do trabalho em rede na construção prática do conceito ampliado de saúde que abarca tanto as questões sociais quanto as territoriais. A proposta não foi isolar um fenômeno do seu contexto e caracterizar as variáveis, mas sim compreender as conexões presentes nas configurações de rede que se apresentavam no cotidiano do serviço elencado para o estudo. A aposta dessa pesquisa foi mergulhar no universo de sentidos de uma usuária-guia e de uma equipe, dedicando tempo para produzir dados sobre as redes e integralidade do cuidado. O cenário escolhido foi uma equipe de saúde da família de Santos que atua em um território de alta vulnerabilidade há dez anos e que demonstrou disponibilidade para o processo de pesquisa, bem como histórico de atuação em rede. A escolha do usuário como fio condutor dessa pesquisa foi realizada com a equipe buscando dentre os casos, aquele que mobilizou a atenção de todos pelo alto grau de vulnerabilidade e impacto no cotidiano do serviço, considerando ainda sua disponibilidade para participar do processo, vivências significativas nos diferentes pontos da rede, adesão e participação nos serviços. Diferentemente de tomar um sujeito para análise ou realizar entrevistas para a coleta de dados, o usuário-guia é mais abrangente e aproxima-se da construção de uma cartografia uma vez que se propõe a acompanhar a trajetória construída pelos sujeitos e está aberta a revelar os afetos e potencialidades do cuidado produzido em rede. A produção de dados foi realizada por meio de oficinas, sendo quatro com a equipe que tiveram o objetivo de favorecer a participação de todos no desenvolvimento do tema, permitir a elaboração gráfica da trajetória percorrida pela usuária-guia e a produção de conhecimento a partir dos elementos que eles destacaram como favoráveis para construção de redes. A usuária-guia esteve presente em três momentos, sendo dois dedicados a conhecer a sua perspectiva da rede e a construção de seu mapa de afetos e na última oficina no qual foi proposto o desenho de uma rede compartilhada com a equipe, destacando a percepção de cada um a respeito de temas importantes para a produção do cuidado ampliado. Além disso, para a produção de dados ainda foram utilizados os diários de pesquisa elaborados pela pesquisadora e pela equipe e a construção de uma narrativa. Os resultados nessa pesquisa se configuraram como efeitos do processo de pesquisar e os tópicos que emergiram como analisadores das oficinas realizadas provocaram o debate a respeito da característica da produção do cuidado a partir da trajetória de uma usuária-guia pelas redes de atendimento. Dessa forma, os resultados apontam que o modo como a usuária-guia produz seus cuidados revela a relação entre as redes de serviço formalmente instituídas e as redes informais ou “redes vivas”. Mostram também que a afetividade e o vínculo se caracterizaram como vivências únicas para a construção do cuidado integral com destaque para o componente leve/relacional dos vínculos estabelecidos entre a usuária-guia e os trabalhadores e para o acolhimento produzido a partir dessa relação. O caminho percorrido pela usuária-guia deixou marcas importantes no modo de compreender os limites da atuação profissional dos trabalhadores e o papel que as diferentes categorias profissionais assumem na formação das redes e na concepção de cuidado integral. O conceito de integralidade permeou o desenvolvimento da pesquisa e é analisado sob a ótica dos trabalhadores e da usuária-guia, colocando em questão a formação das redes e a temerária visão do conceito como totalidade. A pesquisa permitiu ainda a reflexão a respeito do lugar no qual situamos os usuários nos processos de cuidado que acontecem nos serviços de saúde da rede e qual status que seu sofrimento adquire para os diferentes níveis de atenção, considerando que ser o centro da rede não é sinônimo de protagonismo, uma vez que pode significar estar sujeito aos cuidados previamente definidos pelos especialistas. Nesse sentido nos aproximamos mais do usuário como alvo de cuidados previamente descritos os quais podem se dar à revelia dos seus afetos. O método escolhido para a pesquisa também se constituiu um importante analisador para a produção de dados e mostrou-se revelador de pistas para o processo de pesquisa trazendo importantes questionamentos para o centro da discussão dos resultados proporcionando uma abertura para novas possibilidades de investigação da integralidade e de formação das redes, pontos chave para a análise da produção do cuidado em saúde. A trajetória percorrida ao longo desse processo permitiu conhecer e revisitar alguns conceitos importantes para a prática do cuidado na perspectiva da integralidade e da formação das redes e foram pontos chaves para a análise da produção do cuidado em saúde. As redes são importantes instrumentos para as práticas integradas de cuidado, desde que não enredem o usuário nos desejos dos profissionais, assim como integralidade é desejável como ideal para as práticas desde que não anule a capacidade do sujeito de participar do planejamento de seus cuidados. A integralidade no seu caráter totalizante age assolapando as necessidades de saúde podendo resultar na padronização de comportamentos esperados para as comunidades atendidas. Integralidade tomada pela vertente da intervenção verticalizada e não dialógica pode ser prejudicial à saúde. O afeto foi tema recorrente nas oficinas e esteve presente como forma e conteúdo, consolidando a visão da afetividade como componente importante das relações estabelecidas nas nossas práticas. Incluir o afeto e a afetividade nas práticas não inviabiliza o uso do conhecimento técnico para a compreensão da doença e reforça a ideia que a Atenção Básica é um lugar privilegiado para a constituição de vínculos. O diferencial observado nessa pesquisa é a disponibilidade dessa equipe de suprir as necessidades da usuária, propondo articulações e soluções compartilhadas o que possivelmente deverá ser dar pelos caminhos futuros, uma vez que a rede não parou de ser tecida. Sendo assim, a ideia que se depreende dessa pesquisa não é tomar essa experiência como exemplo e generalizar os conhecimentos que emergiram dessa trajetória, contraponto a ideia de que podemos conhecer o funcionamento geral da rede a partir de uma de suas partes. É possível e desejável reproduzir a cartografia como método e intervenção para a construção de saberes próprios do lugar, ou melhor, caminhar junto com o usuário e apreender os conceitos que se farão presentes a partir daquela realidade, afinal sujeito e objeto compartilham um território existencial e intercessor que se extingue com o fim da experiência e não se repete nem mesmo para os mesmos sujeitos.