Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Construção histórica do Agente Comunitário de Saúde e a incerteza do futuro
Raquel De Castro Alves nepomuceno, Francisco Wagner Pereira Menezes, Ivana Cristina de Holanda Cunha Barreto

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


A construção histórica da profissão do Agente Comunitário de Saúde (ACS) tem suas raízes no Ceará, quando em 1987, em regiões afetadas pela seca, essa atividade foi estruturada com objeto duplo de empregar as mulheres e diminuir a mortalidade infantil, e foi adotada pelo Ministério da Saúde (MS) para o restante do Brasil como Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991. Este novo personagem da saúde pública faz parte da comunidade, trabalha para ela e com ela, o que, com o respaldo de pesquisas já realizadas,  nos autoriza a afirmar que é o profissional da saúde que mais conhece as formas cotidianas de viver e de se comportar das famílias . Este programa possibilitou o surgimento do Programa Saúde da Família (PSF) em 1994, que incorporou e ampliou a atuação deste profissional como o elo entre a equipe de medico, enfermeiro e técnico de enfermagem com a comunidade, por estar em contato permanente com as famílias, facilitando o trabalho de vigilância e promoção da saúde. A função, exercida com sucesso, de mediar relações entre a comunidade e os serviços de saúde, implicaram em inúmeras atribuições que foram sendo reformuladas e acumulada ao longo dos últimos 30 anos. A discussão sobre sua pratica no decorrer desta trajetória tem crescido com as propostas políticas de  reorganização do Sistema Único de Saúde (SUS). Recentemente, foi aprovada a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que estabelece mudanças na organização da atenção básica afetando diretamente os ACS. Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre a trajetória do ACS e os desafios para os próximos anos. Recorreu-se a revisão documental de base legal relacionadas aos ACS surgidas durante toda sua trajetória através dos sites do MS, Câmara e Senado Federal, bem como, a busca da literatura de artigos científicos, utilizando as palavras chave “agente comunitário de saúde”, “promoção da saúde” e “saúde da família” feitas nos sites Scielo, BVS e Lilasc. Vinculado inicialmente à Fundação Nacional de Saúde, com a previsão de repasses de recursos para custeio do programa e o pagamento dos agentes no valor de um salário mínimo, o ACS passa à gestão da Secretaria de Atenção à Saúde do MS somente em 1994, quando foi instituído o PSF. Cada vez mais a atividade do ACS é reconhecida como estratégica para o aprimoramento e  consolidação do SUS, a partir da reorientação da assistência ambulatorial e domiciliar.  Novas atribuições foram sendo inseridas na sua atividade, como por exemplo, as ações de vigilância à saúde, incluindo o dialogo com à população sobre a prevenção e o controle da malária e da dengue na portaria nº 44/2002. No entanto, a profissão só foi criada em termos de lei em 2002. Em   2006  através da Lei nº 11.350 o ACS foi reconhecido como profissional de saúde. A mesma lei regulamentou o aproveitamento de pessoal que já estava em serviço.  Reafirmou-se como atividades de sua competência a prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS. A contratação de ACS passou a ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos. O tempo prestado pelos ACS, independentemente da forma de seu vínculo e desde que tenha sido efetuado o devido recolhimento da contribuição previdenciária, foi considerado para fins de concessão de benefícios e contagem recíproca pelos regimes de previdência. O piso salarial profissional nacional foi fixado no valor de R$ 1.014,00 mensais para a jornada de 40 horas semanais.   Observa-se maior efervescência na luta da categoria pelos seus direitos a partir desse momento. Através da Emenda Constitucional  Nº 63 de 2010 e da Lei nº 12.994/2014 de 2014 estabeleceu-se o regime jurídico e a instituição do piso salarial e diretrizes para o Plano de Cargos e Carreiras.  Decreto e novas portarias foram publicados dispondo sobre a assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a ser prestada pela União, para o cumprimento do piso salarial profissional e sobre o incentivo financeiro para o fortalecimento de políticas afetas à atuação de ACS e de Agentes de Combate às Endemias (ACE). Desde 2011, tramita uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dispondo sobre a responsabilidade financeira da União na política remuneratória e na valorização dos profissionais que exercem atividades de ACS e ACE, que fixa regras para o pagamento dos ACS,  piso salarial de R$ 1.600,00 para jornada de 40 horas, data base em 1º de janeiro e reajuste pela variação do INPC. Após o golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016, o MS, por meio das portarias 958 e 959/2016, sob os argumentos de ampliar as possibilidades de composição das Equipes e aumentar a capacidade clínica na unidade básica e o cuidado no domicílio, extingue a obrigatoriedade de contratação do profissional ACS para equipes de saúde da família.  No entanto, após pressão da categoria e de instituições ligadas a Saúde Coletiva, alegando que esta medida restringiria o trabalho em equipe na Estratégia Saúde da Família (ESF) e reforçava a precarização do trabalho no SUS, a referida portaria foi revogada. Concretamente estamos sofrendo gradual subversão da prioridade de construção de um sistema nacional público, universal e de qualidade.  Em poucos meses e com pouco diálogo com a sociedade civil e controle social, o governo reformulou a PNAB publicada através da portaria nº 2436/2017, fragilizando a ESF, criando uma nova modalidade de equipe “Atenção Básica”, composta minimamente por médico, enfermeiro, auxiliares e/ou técnicos de enfermagem, sem a obrigação do ACS na equipe. Normatiza ainda outras atribuições aos ACS como a possibilidade de realizarem aferição de pressão, medição da glicemia capilar e realização de técnicas de curativos, atividades típicas de técnicos de enfermagem, respaldadas mais recentemente através da Lei 13.595/2018.  Para efetivação dessa mudança de perfil profissional, o MS pretende instituir o Programa de Formação Técnica para ACS – PROFAGS, para oferta de curso de formação técnica em enfermagem através da Portaria nº 83, de 10 de janeiro de 2018. Sabemos dos desafios cotidianos da ESF, no entanto, pesquisas recentes reafirmam a importância do ACS na equipe, pois é quem ajuda a mediar a comunicação entre profissionais de saúde e a família, que se encontra em situação de vulnerabilidade. É a  partir desta interação, entre ACS e profissionais graduados da ESF, que ocorre mudança paradigmática do olhar sobre a família. Além disto, por viver na comunidade, o ACS conhece de perto seus problemas, e tem atuado em diversas políticas públicas, como as de ação social, adquirindo uma atuação de perspectiva intersetorial. Neste sentido, a ESF destaca-se como inovadora e reestruturante  de ações e serviços de saúde. Analisando a trajetória dos ACS, marcada na luta pelo reconhecimento profissional, e diante de alterações recentes na organização da Atenção Básica, fortalecendo o modelo  assistencial biomédico, faz -se necessário refletir sobre o futuro incerto desta profissão, que se projetava em direção à promoção da saúde. Os autores afirmam que os ganhos obtidos pela atuação do ACS como elo ESF/comunidade e articulador de políticas sociais no território, será esvaziado caso estas mudanças se concretizem. A mobilização social em defesa do SUS e da ESF é a única solução possível.


Palavras-chave


agente comunitário de saúde; saude da familia; promoção da saúde