Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ETNICIDADE, RAÇA, COR E SAÚDE. REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO ACADÊMICA
GIOVANE OLIVEIRA VIEIRA, CARLOS EVERALDO COIMBRA JR, JAMES WELCH

Última alteração: 2018-02-17

Resumo


APRESENTAÇÃO: Nas últimas décadas a produção acadêmica no Brasil sobre as iniquidades socioeconômicas e de saúde segundo raça/cor vem se intensificado e, cada vez mais, evidenciam que o risco de adoecimento e morte por causas evitáveis apresenta-se mais concentrado entre pretos, pardos e indígenas, com maior peso entre os jovens, mulheres, crianças e idosos. Por décadas, o Brasil viveu sob a égide da democracia racial. Como construção histórica e socialmente aceita a discussão sobre a vulnerabilidade das chamadas minorias étnicas ainda é insipiente entre profissionais de saúde.  A estigmatização de grupos humanos relacionada a questões étnico raciais limitam o acesso a bens e serviços, restringem a mobilidade social, interferem nas condições de vida, educação e trabalho e perpetua padrões de adoecimento e morte. Desta forma, a compreensão da influencia do quesito raça/cor nos determinantes de saúde se mostra cada vez mais urgente e necessário para fortalecimento das políticas públicas e no planejamento das ações e serviços de saúde. Estre trabalho tem por objetivo discutir a apresentação das categorias raça, cor e/ou etnia e etnicidade em estudos sobre saúde e doença no Brasil num recorte temporal de 4 anos. DESENVOLVIMENTO: Tratou-se de uma pesquisa qualitativa a partir de uma revisão sistemática de literatura. Buscou-se artigos completos na base de dados Scielo utilizando os descritores: etnicidade, raça, cor, grupos étnicos, etnia, racial, saúde, epidemiologia, doença. RESULTADOS: A partir da busca emergiram 123 artigos com repetições ao combinar os descritores. Os anos de publicação foram de 2012 a 2016. O número mínimo de autores por artigo foi 2 e o máximo foi 7.  Quanto a origem dos autores, as instituições descritas em sua maioria concentram-se nas regiões sudeste e sul, e em menor quantidade nas regiões nordeste. A análise dos artigos selecionados revelou que, embora presente em vários estudos sobre saúde e doença na população brasileira, as variáveis raça, cor e/ou etnia e etnicidade são pouco exploradas, ou seja, em boa parte os estudos não apresentam um rigor conceitual, metodológico e analítico no uso de tais categorias. No entanto, Segundo Kabad et al. (2012) estudos que sistematizem com rigor metodológico as associações causais das categorias étnico-raciais com o desfecho estudado evitariam a racialização de condições de saúde e a estigmatização de populações humanas. No levantamento realizado observa-se uma gama de pesquisas que buscam realizar uma relação causal entre raça, cor e/ou etnia e o processo de adoecimento, além de traçarem inferências relacionadas aos determinantes de saúde e as questões raciais. Temas como a mortalidade materna e infantil, a prevalência das doenças infectoparasitárias, o avanço das doenças crônicas como diabetes e hipertensão, a desnutrição, e os agravos como a violência hetero-infligida são os mais recorrentes. Sobre a mortalidade materna, os autores apontam que são escassos no Brasil os dados com recorte racial/étnico, porém mesmo subestimados observa-se que as mulheres negras e pardas são mais vulneráveis as complicações no parto e consequentemente apresentam mortalidade mais elevada. Também apontam para discriminação sofrida por mulheres negras e pardas nas instituições de saúde, que leva a baixa adesão ao pré-natal, interfere na autoestima e influencia na saúde mental das gestantes e parturientes. Quanto à mortalidade infantil, as pesquisas entre as populações indígenas revelam taxas acima da população geral, fortemente associadas a causas evitáveis como diarreia e desnutrição. A prevalência das parasitoses intestinais, a incidência de tuberculose, e o incremento das doenças crônicas como hipertensão, diabetes, dislipidemias e obesidade, ainda carecem de maiores investigações, porém mesmo subestimados os dados revelam que o perfil de saúde das populações indígenas no Brasil é complexo e carece de análises que não podem dissociar as questões culturais, sociais e as experiências de contato com a população não indígena.  No que diz respeito a violência, as pesquisas foram, em grande maioria, realizadas a partir da análise de documentos como declaração e atestado de óbitos, que mesmo com as falhas quanto ao preenchimento da variável raça/cor do indivíduo falecido, os óbitos de indivíduos negros e pardos por armas de fogo e armas brancas são superiores aos de indivíduos brancos. O  estudo revelou que a heteroclassificação dos mortos realizadas pelos profissionais do IML apresentava-se fortes implicações éticas e culturais, sendo o quesito raça/cor pouco valorizado e em alguns casos estigmatizado pelos profissionais. O levantamento demostrou que mesmo com as falhas na heteroclassificação os óbitos violentos no Brasil tiveram cor: negros. Nos estudos onde foram realizadas entrevistas com profissionais dos IMLs (Instituto Médico Legal) chama atenção que, apesar da discrepância nos registros, os entrevistados não associaram as mortes violentas à questão racial e demostraram que o fato da maioria dos óbitos ocorrer entre negros e pardos está naturalizado e aceito sem reflexões mais amplas. As pesquisas baseadas em entrevistas revelam que os discursos dos profissionais conectam-se ao senso comum presente na sociedade brasileira acerca das relações raciais, que nega o debate sobre a existência do racismo, recusando-se, assim, a aceitar a existência de desigualdades dele resultantes. O levantamento realizado por Willians & Priest, (2016) aponta para os efeitos do racismo e do estigma em populações humanas no que diz respeito aos indicadores de saúde. Os autores discutem que o papel do racismo como determinante dos padrões de desigualdades étnico-raciais em saúde vem sendo reconhecido de forma crescente na literatura empírica sobre saúde. Os autores revelam que nas análises realizadas a discriminação racial é um fator preponderante no acesso ao emprego, onde o lugar de privilégio é ocupado por indivíduos brancos em detrimento de negros, asiáticos, indígenas e outras etnias. Sendo o trabalho um determinante socioeconômico que facilita o acesso a bens e serviços além de ser um propulsor de mobilidade social, indivíduos que não tem acesso a um trabalho digno com remuneração adequada está mais propenso a ter sua saúde física e mental comprometida.  CONSIDERAÇÕES FINAIS: A análise dos artigos pesquisados evidenciou que o uso das variáveis raça, cor, etnia e etnicidade carece de maior rigor conceitual e metodológico com vistas a melhor compreensão dos determinantes de saúde nos grupos étnicos economicamente minoritários, aqueles que ao longo dos anos foi oferecida uma cidadania abstrata. A análise dessas variáveis dissociadas do contexto sociocultural inviabiliza a elaboração e implantação de medidas que promovam a equidade e a integralidade, ao passo que mantem a invisibilidade epidemiológica, além de favorecer a manutenção do racismo institucional e de outras formas de discriminação e exclusão. A maioria dos estudos analisados apresenta as variáveis raça, cor e/ou etnia e etnicidade, porém não aprofundam a reflexão das mesmas enquanto categorias fluidas, socialmente construídas. Evidenciou-se que ainda há lacunas importantes nos desenhos dos estudos que recorrem as categorias raça, cor, etnia. O reconhecimento das vulnerabilidades relacionadas às questões étnico-raciais é fundamental para redução das iniquidades, garantindo acessibilidade e promovendo uma sociedade mais equânime e solidaria.


Palavras-chave


etnicidade; raça; cor; saúde; produção acadêmica