Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-02-23
Resumo
Apresentação:
A magnitude do município de São Paulo (MSP), capital do Estado, pode ser representada pelo número de habitantes da Rede Regional de Atenção à Saúde (RRAS-6) na qual encontra-se localizado (11.253.503 habitantes), que representa 57,0% da população da Região Metropolitana de São Paulo. Em 2015, o MSP apresentava aproximadamente 40% da população coberta por Estratégia Saúde da Família (ESF) e uma porcentagem de 55,6% da população sem plano de saúde e/ou convênio médico.
A atenção à saúde materno-infantil no MSP é uma das áreas mais antigas e bem estruturadas nos serviços de Atenção Primária (APS). No entanto, apesar do aumento do acompanhamento adequado do pré-natal (com 7 ou mais consultas) entre os anos de 2012 e 2016 (74,8% e 78,3%, respectivamente), persiste a necessidade de melhorar sua prática nos serviços, expressa pela incompatibilidade entre os constantes investimentos na área e a permanência de indicadores indesejáveis de saúde, como as taxas de mortalidade (neonatal precoce – 5,3 e fetal – 8,3, nos anos de 2015 e 2013, respectivamente) e o progressivo aumento na incidência de casos de sífilis congênita (3,7 para 7,0 por 1.000 nascidos vivos) e da mortalidade materna (36,4 para 55,0 por 100.000 nascidos vivos), entre os anos de 2011 e 2016.
As diretrizes nacionais estabelecem a atenção integral, e integrada, como estratégia capaz de melhorar tais indicadores, tendo os serviços de APS como principais responsáveis pela integração deste cuidado.
São muitas as evidências de que os serviços de APS organizados segundo o modelo Saúde da Família (USF) possuem maior capacidade de responder às necessidades de saúde da população. No entanto, especialmente no MSP, que apresenta uma ampla rede de serviços com grande heterogeneidade de modelos operados, torna-se imperativo compreender como estes distintos modelos interferem na atenção à gestação e quais investimentos podem favorecer a melhoria da qualidade.
Diante deste contexto e da importância em se avaliar os serviços de APS buscando compreender as formas de funcionamento da linha de cuidado na atenção às gestantes, o presente trabalho tem como objetivo avaliar a integralidade da atenção à gestação no MSP.
Desenvolvimento do trabalho:
Trata-se de uma pesquisa avaliativa, de corte transversal, realizada com amostra representativa de gestantes atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) encaminhadas da Atenção Primária à Saúde (APS) para Atenção Especializada (AE), no ano de 2016.
O inquérito foi realizado por meio de questionário padronizado, contendo 49 questões fechadas orientadas pelos documentos oficiais da área.
Selecionou-se dezessete variáveis para analisar sua influência sobre o desfecho “Integralidade do cuidado” e adotou-se como proxy o indicador “Atendimento compartilhado entre APS e AE”, uma vez que o retorno da gestante aos serviços de APS representa a completude da atenção integral ao cuidado, sintetizando atributos como vínculo e responsabilização pelo cuidado.
Reconhecendo os diferentes modelos operados nos serviços de APS, considerou-se o tipo de serviço de APS de origem como variável independente principal. Os diferentes modelos foram classificados em: Unidade Básica de Saúde “tradicional” (UBS), caracterizada por equipes compostas por clínico geral e especialistas (incluindo ginecologista-obstetra e pediatra), além de enfermeiro; Unidade Básica de Saúde “mista”, ou seja, mantém o modelo “tradicional” associado à Estratégia Saúde da Família (UBS mista), caracterizada por integrar equipes de saúde da família ou Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS) junto à UBS “tradicional”; e Unidade Saúde da Família “exclusiva” (USF), caracterizada por equipes compostas por médico generalista, enfermeiro e ACS.
A associação entre as variáveis independentes e o desfecho foi analisada pelos testes qui-quadrado e modelo de regressão logística múltipla (forward selection) com a introdução da variável de interesse principal (tipo de serviços de APS) e covariáveis em ordem de significância estatística (selecionadas a partir dos valores de p<0,20 na análise bivariada), sendo apresentadas no modelo final as variáveis que apresentaram p<0,05.
Resultados e/ou impactos:
Destaca-se entre as 689 gestantes que compuseram a casuística a existência de gestantes que iniciaram seu acompanhamento na APS no terceiro trimestre (2,5%), apesar da maioria ter relatado início no primeiro trimestre (81,3%).
Na análise bivariada, mostrou-se como características favoráveis à manutenção do atendimento compartilhado entre os serviços de APS e AE, ou seja, que favorece a integralidade do cuidado: ter idade entre 19 e 34 anos (57,5%), ter cor da pele branca (76,4%), pegar medicamentos na APS (88,4%), além de não ter utilizado plano de saúde e/ou convênio médico para o pagamento dos exames (91,3%), pagando-os particular (63,8%).
Em relação aos serviços de APS, as variáveis que apresentaram associação com a integralidade foram: ser acompanhado por USF (48,3%), ter sido encaminhado por médico não especialista (44,4%), conhecer o ACS (63,5%) e receber visita domiciliar durante o período gestacional (50,5%).
Estas variáveis quando analisadas no modelo final, evidenciaram que pertencer a serviços organizados segundo o modelo USF influenciou de forma positiva a integralidade do cuidado, sendo que as UBS Mista apresentaram duas vezes a chance deste compartilhamento não ocorrer (p=0.003).
Independentemente do modelo operado no serviço, a ausência de visitas domiciliares apresentou significância estatística, aumentando em 2,4 vezes a chance das gestantes não receberem cuidado compartilhado entre os serviços de APS e AE (p<0,001).
Considerações finais:
Este trabalho permitiu aprofundar os conhecimentos sobre a organização dos serviços de APS e compreender o funcionamento da linha de cuidado às gestantes, favorecendo a identificação de fatores que dificultam a concretização da integralidade do cuidado na atenção à gestação.
Seus resultados reforçam os achados de outros estudos, salientando os serviços organizados segundo o modelo USF como aqueles que apresentam maiores chances de ofertar uma atenção compartilhada entre a APS e AE.
Porém, diante da crise financeira e política que envolve o SUS decorrente das alterações da PNAB, que reduz o número de ACS por serviço, flexibiliza a equipe e restringe sua atuação às áreas de maior vulnerabilidade, preocupa o número de gestantes que referem não ter recebido visita domiciliar durante o período gestacional, evidenciando um risco ainda maior, tanto de não ocorrer a integração entre os serviços de saúde, quanto de limitar as ações de vigilância, refletindo assim na manutenção dos agravos à saúde materna e infantil.
Desta forma, as evidências apresentadas no presente trabalho contribuem para investimentos bem aplicados e direcionados a ações de maior impacto nos indicadores de saúde.