Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Práticas Artísticas corporais comunitárias: experiências em dança num Centro de Convivência (Cecco)
Juliana Maria Padovan Aleixo, Elizabeth Maria Freire Araújo Lima

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Práticas Artísticas corporais comunitárias: experiências em dança num Centro de Convivência (Cecco)

Apresentação: do que se trata o trabalho e o objetivo

Esse Trabalho procura compartilhar a experiência de uma pesquisa de doutorado que vem sendo realizada sobre um espaço de vivências em dança, num serviço de saúde mental comunitário, nomeado como Centro de Convivência Rosa dos Ventos, no município de Campinas-SP. Os Centros de Convivência são equipamentos comunitários que compõem a Rede de Atenção Psicossocial, viabilizando ofertas de cuidado através de práticas intersetoriais, articulando ações que dialogam com saúde, educação e cultura. Trata-se de um espaço que desloca o olhar normativo da saúde, rompendo com a lógica médico-centrada. Queremos trazer à cena novos regimes de visibilidade às práticas de cuidado que se localizam na intersecção das práticas artísticas e expressivas com as das práticas clínicas, articulando dança, corpo e produção de subjetividade. Também temos interesse em propor uma vivência de escuta do corpo, partilhando experiências corporais que esse trabalho tem disparado, a partir da disponibilidade do grupo de discussão de comunicação desse eixo temático na Rede Unida.

Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo

O grupo de dança no Centro de Convivência (Cecco) Rosa dos Ventos, teve início em 2011 sob coordenação da pesquisadora deste projeto que fazia parte da equipe deste espaço como gestora. Espaço híbrido o qual habito, enquanto trabalhadora-Terapeuta Ocupacional-pesquisadora- bailarina.

Desde o princípio reuniram-se ali muitas mulheres, com faixa etária diversa, vindas de muitos territórios: território saúde, territórios afetivos, territórios artísticos. O grupo foi divulgado em unidades de saúde, escolas, núcleos assistenciais e jornal comunitário. Avós vinham com suas netas e filhas, chegando espontaneamente, adolescentes chegavam por indicação de outras meninas e mulheres que participavam de grupos nos Centros de Saúde chegavam encaminhadas pelas equipes de saúde. Mulheres em tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial, ambulatório de transtornos alimentares, do Centro de Referência à Mulher vítima de violência, de núcleos assistenciais e escolas, foram chegando e também indicando o espaço da dança para outras mulheres. Dinâmica essa que ainda se mantém no acesso das mulheres ao grupo de dança.

 

O trabalho desenvolvido no grupo compõe movimentos tradicionais da dança oriental árabe com alongamento, improviso na dança, práticas de consciência e expressão corporal alinhados a abordagens da Técnica Klauss Vianna, criando espaços para que o grupo possa construir uma linguagem corporal singular a partir da escuta do corpo e da pesquisa e investigação do movimento ao dançar.

Ao longo desses anos partilhamos trabalhos cênicos-artísticos, experiências estéticas e transitamos em espaços de dança em eventos no circuito da saúde e também adentrando o universo da arte e da cultura da cidade. Vivências que potencializam o contato com a dança, ampliando o repertório de experiências das mulheres, fortalecendo a grupalidade, construindo assim outros lugares possíveis de serem ocupados. Mulher-mãe-Maria que também dança, mulher-trabalhadora-Maria-dançarina, mulher-Maria portadora de algum diagnóstico marcado por perdas, sofrimento, marcas que rotulam e que ao dançar se deslocam, abrindo e inaugurando novos territórios existenciais.

O foco do trabalho não é exclusivamente terapêutico ou artístico nem exclusivamente pedagógico, nem de caráter exclusivo de promoção de sociabilidade e de promoção de saúde. Essas práticas são pensadas com caráter híbrido, compondo todas essas frentes e outras que possam se somar a essas. Transversalizando o universo da arte, do cuidado, da promoção de saúde, borrando as fronteiras tradicionais dos campos descritos, criando espaços de intercessão na produção de encontros.

Resultados e/ou impactos: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa

Hoje o grupo de dança conta com cerca de 30 mulheres, que se dividem em dois grupos. Pelo sexto ano consecutivo, organizamos junto a outro Cecco em Campinas, um festival de dança no Teatro do SESI onde se constrói ações para viabilizar figurinos para todas que queiram dançar: rifas, doações de figurino, oficinas de costura e bordado numa lógica de garantir a inclusão e participação pela via solidária, disparando momentos coletivos de construção dos processos do dançar.

Para dançar em apresentações e eventos é necessário a preparação dos corpos e a construção de personagens. As mulheres se arrumam, pensando na maquiagem, nos cabelos, no figurino, nos acessórios, deslocando dos lugares cristalizados do dia-dia. Transportando-se a outros universos, conectando-se a outras formas de expressão, de linguagem, acessando o feminino tão invadido e devastado na atualidade. Experimentando outras formas de existências, vivenciando a possibilidade de construir outros lugares, outras formas de poder levar à vida, potencializando-a, intensificando-a.

Não se trata de terapeutizar a cultura em tempos de grande patologização da vida. Trata-se de possibilitar a experimentação de formas intensivas de vida. Colocar o corpo em outros movimentos, em novas direções. Pensar os processos de subjetivação em vivências que marcam outras formas de levar a vida.

Colocar o corpo em experimentação nas linguagens expressivas pode nos conectar a essas transformações. Falar do grupo de dança, do Centro de Convivência Rosa dos Ventos, nos faz compartilhar testemunhos de vidas que se expandiram e se deslocaram do senso normativo pautado numa saúde ideal. Talvez pensar a saúde-frágil de Deleuze (2010) nos aproxime ainda mais dos processos expressivos como fonte de potencialização da vida. Uma saúde frágil, que exatamente por sua fragilidade se intensifica nas linhas de vida, agarrando-se às potências.

Considerações finais

São muitas Marias e muitas as histórias de vidas que trazem ao dançar. O corpo presente ao movimentar-se acessa o inacessível. Há algo de indizível na vida que cria língua nos gestos, olhares, sensações, expressões.

São a essas produções que queremos dar língua. Produções que conectam os sujeitos ao plano da subjetivação, ao plano da produção que é plano do coletivo.

Pensar as práticas artísticas enquanto abertura para produção de outras sensibilidades, permeada por experimentações estéticas. Encontros como esse ao dançar carregam essa tônica, momentos quase fugazes que se eternizam na descoberta de outras conexões possíveis. Estar sensível a formas outras de estar e se apresentar ao mundo, atentos ao próprio pulso vital, construindo singularidades resistentes aos ataques e modelos sociais, que restringem as potências e a produção de realidades criativas e pulsantes de vida (Liberman, 2008).

Produção sensível, gentil, experimental, que se apresenta à espreita, ampliando discretamente a conectividade dos encontros, expandindo, aumentando superfícies de contato ao vivido, facilitando exposições às afecções, aos acontecimentos. Vivências que dançam, movimentam, agenciando respostas outras diante dos efeitos dominantes das subjetividades capitalísticas.

 

 


Palavras-chave


Dança;Práticas artísticas cominitárias