Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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UMA ANÁLISE DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO DE OPERADORAS DE CAIXA DE SUPERMERCADO
Ana Carolina Secco de Andrade Mélou, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, Laura Soares Martins Nogueira, Éric Campos Alvarenga, José Mário Barbosa de Brito

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


O objetivo desta pesquisa foi realizar uma análise da Psicodinâmica do Trabalho de operadoras de caixa de supermercado, analisando a organização do trabalho e investigando a dinâmica prazer-sofrimento psíquico. A demanda desta pesquisa partiu da pesquisadora em função de sua trajetória profissional e implicação com o tema. Contudo, as operadoras foram convidadas a participar, sendo condição a voluntária aceitação destas mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O acesso às participantes ocorreu por intermédio do Sindicato dos Trabalhadores de Supermercado de Belém (SINTCVAPA). Fizeram parte desta pesquisa o total de quinze operadoras de caixa de quatro diferentes supermercados da cidade de Belém-PA. Foi feito uso da metodologia qualitativa, tendo a Psicodinâmica do Trabalho como aporte teórico central. Esta teoria foi cunhada pelo médico e psicanalista francês Christophe Dejours, e estuda a saúde psíquica no trabalho, com foco na a inter-relação entre sofrimento psíquico e as estratégias de defesa mobilizadas pelos sujeitos para suportar o sofrimento, transformando o trabalho em fonte de prazer. A pesquisa clássica em Psicodinâmica do Trabalho é dividida em três etapas: 1) Pré-pesquisa e Análise da demanda; 2) Pesquisa Propriamente Dita; 3) Validação.  É importante destacar que a Psicodinâmica do Trabalho privilegia um método científico peculiar, mas não é escrava dele. O contexto brasileiro, no que tange a realização de pesquisas relacionadas ao estudo da saúde psíquica dos/as trabalhadores/trabalhadoras, certamente apresenta diferenças das condições vivenciadas na França, especialmente sobre a solicitação e demanda inicial de intervenção e pesquisa. Assim, são propostas algumas variações e adaptações, que embora tecnicamente diferentes da clínica do trabalho proposta pelo pensamento dejouriano, mantêm os princípios centrais da Psicodinâmica, ou seja, são capazes de revelar o trabalho e a sua complexidade, desvelando mediações, contradições e intersubjetividade. Nesta pesquisa o trabalho de campo consistiu na realização de quinze entrevistas individuais. A quantidade de entrevistas foi definida segundo o critério de saturação, sendo que todas foram gravadas. Também foi usado um diário de campo para registrar informações que não foram obtidas com as entrevistas, mas pela observação clínica da pesquisadora. As entrevistas foram feitas com base na técnica específica de pesquisa e intervenção da Psicodinâmica do Trabalho, por meio de um roteiro semiestruturado. Utilizou-se a técnica de Análise de Núcleo de Sentido (ANS) para examinar o material registrado. Assim, foram identificados os Núcleos de Sentido e seus respectivos temas através no conteúdo expresso nas falas das operadoras. Ao final das análises foi feita uma devolutiva para as operadoras participantes, a fim de validar as análises e possibilitar um espaço para que elas refletissem sobre suas relações com o trabalho e manifestassem suas opiniões. A análise do material possibilita afirmar que há fatores nas condições de trabalho das operadoras de caixa de supermercado que impactam negativamente na saúde destas. Os problemas gastrointestinais, as enxaquecas, as dores na coluna, nos braços e mãos constituíram um ponto comum nas entrevistas, sendo que as próprias operadoras atribuíram a ocorrência destes sintomas às inadequações das condições de trabalho, como: a cadeira desconfortável, o não funcionamento da esteira do caixa, o barulho do ambiente de frente de loja e a água de má qualidade ofertada pelo supermercado que é destinada ao consumo das trabalhadoras. Quanto à organização do trabalho das operadoras de caixa, é possível afirmar que se caracteriza como rígida e oferece pouco espaço para que elas expressem as dificuldades vivenciadas no desempenho de suas atividades laborais. Verifica-se também uma clara divisão sexual do trabalho, uma vez que a maioria das entrevistadas afirmou que no supermercado existem somente mulheres operando o caixa. Apenas algumas disseram haver homens como operadores, contudo são pouquíssimos, mostrando uma preferência em preencher este cargo com mão-de-obra feminina. Ainda sobre as dificuldades presentes na organização do trabalho expressas nas falas das operadoras, evidenciam-se também a insatisfação referente ao relacionamento com as chefias, que habitualmente são autoritárias e apresentam comportamentos ríspidos ao repreender as trabalhadoras. O acúmulo de atividades, como a embalagem das compras, também foi apontado de forma unânime. Percebe-se que a imposição à operadora de caixa de ter que embalar ocorre por várias razões: o quadro deficiente de embaladores mantido pela empresa, a demanda direta das chefias para que elas embalem e a pressa dos clientes. Este cenário espelha uma precarização do trabalho, fazendo com que as operadoras sejam pressionadas e cobradas em demasia, causando-lhes sobrecarga física e sofrimento psíquico. A falta de reconhecimento no trabalho, a escassez de possibilidade de ascensão funcional, a ocorrência de assédio sexual praticados pelos chefes, assim como os constrangimentos e agressões sofridas na relação com os clientes, também compuseram as dificuldades apontadas pelas entrevistadas. Neste sentido, evidencia-se a existência de sofrimento psíquico relacionado ao trabalho, com poucas possibilidades de transformação deste sofrimento em vivências de prazer, sendo o prazer essencialmente vivenciado na relação com os pares. Embora a relação com a clientela tenha sido majoritariamente referenciada como uma fonte de sofrimento, o relacionamento com os “bons clientes” foi citado como como fonte de prazer no trabalho, dentre eles, os clientes idosos são apontados como os que mais gostam de conversar com as operadoras. Assim, conhecer estas pessoas pode tornar o trabalho gratificante. No enfrentamento das situações geradoras de sofrimento psíquico, as operadoras mobilizam tanto mecanismos individuais, como também estratégias coletivas de defesa. Quanto aos mecanismos individuais de defesa surge a autoaceleração no ritmo de trabalho. Quanto às estratégias coletivas de defesa, o comportamento submisso, o apego à crença religiosa e o riso aparecem como formas para suportar as adversidades presentes no cotidiano de trabalho. Mediante ao exposto, a necessidade de escuta destas trabalhadoras se mostra bastante pertinente. Ao final das entrevistas, era perguntado como havia sido participar da pesquisa e falar sobre o trabalho e, de forma geral, as respostas eram de que havia sido bom, que tinha sido um desabafo e que pelo menos alguém as havia escutado e por isso voltariam para casa “mais leve”. Portanto, aponta-se como necessárias as intervenções na organização do trabalho de operadoras de caixa de supermercado, a fim de promover a manutenção da saúde mental destas trabalhadoras. Desta forma, as constatações desta pesquisa podem, por exemplo, servir de indicativos para que o setor de Recursos Humanos estruture ações de reconhecimento e promoção funcional, melhoria da comunicação entre chefias e subordinados, oferta de suporte psicológico às funcionárias quanto às dificuldades vivenciadas no atendimento dos clientes, promoção de uma relação mais humanizada entre os funcionários, combate ao assédio sexual no trabalho, dentre tantas outras que podem ser pensadas.

Palavras-chave


Operadoras de caixa de supermercado; Psicodinâmica do Trabalho; Prazer; Sofrimento Psíquico