Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Quando crescer é um desafio: a atuação da Coordenação Estadual da Rede de Atenção Psicossocial do Amazonas na preservação dos direitos do adolescente.
Luciana Diederich Nunes Pessôa, Helione Lima Pontes, Nayandra Stéphanie Souza Barbosa, Wylnara dos Santos Braga, Rosimary de Souza Lourenço, Ismael Italo Oliveira Reis

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação

O presente relato de experiência tem como objetivo refletir sobre a articulação da Coordenação Estadual da Rede de Atenção Psicossocial do Amazonas (CRAPS-AM) com os demais pontos de cuidado, contando com a participação do movimento social, Fórum Amazonense de Saúde Mental (FASM) e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), em prol da garantia dos direitos de uma adolescente vítima de abuso sexual na cidade de Manaus.A necessidade da articulação da rede, deu-se devido uma adolescente apresentar, no momento do atendimento no Serviço às Vítimas de Violência Sexual (SAVVIS), quadro de transtorno mental, o que poderia impactar na sua acolhida e no seu cuidado.  Para tanto, partimos do pressuposto de que o cuidado em saúde é o resultado de um trabalho coletivo, constituindo-se em uma ação multiprofissional em que cada profissional intervém com seu saber técnico. Assim, o cuidado em saúde mental, fundamentalmente requer essa ação multiprofissional e intersetorial. No entanto, este caso vem demonstrar uma gama de preconceitos e estigmas que envolve a Saúde Mental.

Desenvolvimento do Trabalho

Trazemos a baila o caso da jovem M.B.A.C, 16 anos de idade, a fim de compreendermos o cenário e a vulnerabilidade vivenciada por esta adolescente que teve seus direitos negados por diversos fatores, inclusive por apresentar suspeita de transtorno mental. No mês de julho do ano de 2017, a CRAPS- AM tomou conhecimento que havia uma adolescente internada no Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (CPER) desde maio do mesmo ano e que já se encontrava de alta médica, porém não efetivada. Diante do exposto, a equipe teve acesso ao seu prontuário, no qual consta registrado que a adolescente vivia com a mãe, supostamente acometida por transtorno mental, e o avô materno. No que tange à família, esta apresentava situação de vulnerabilidade social, resultando na permanência da M.B.A.C por longos períodos nas ruas, sendo mencionada também a ocorrência de possível prostituição e uso de drogas pela mesma. No mês de maio, a adolescente foi atendida pelo SAVVIS com suspeita de abuso sexual por parte de seu avô, apresentando quadro de infecções sexualmente transmissíveis e sintomas psicóticos. As alterações comportamentais motivaram o encaminhamento ao CPER, único serviço de pronto atendimento e de internação breve em psiquiatria no Amazonas. Ao longo desta internação foi constatado que a adolescente apresenta déficit cognitivo e comportamento infantilizado e que as alterações comportamentais que a levaram ao serviço psiquiátrico se tratavam de reações vivenciais do trauma experenciado, tendo períodos de internação que a adolescente não era submetida a tratamento medicamentoso, entretanto apresentava recaídas decorrentes de sua longa permanência em ambiente inóspito, característico de um regime manicomial. Diante disso, iniciou-se uma articulação intersetorial visando à proteção da adolescente face ao risco psicossocial por ela vivenciado. A Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC) sediou o primeiro encontro das instituições para a discussão do caso. Quando se contatou a juíza responsável pelo processo, tomamos conhecimento de que sua determinação era de acolhimento em unidade de saúde mental e não em um lar de acolhimento às crianças e adolescentes em risco social, existente na cidade de Manaus. Segundo a magistrada, a jovem M.B.A.C apresentava risco às demais adolescentes acolhidas no lar. Tal entendimento ocasionou descontentamento e discordância da RAPS por se tratar mais uma vez da reafirmação dos estigmas em saúde mental. Com o mesmo posicionamento da RAPS, a Defensoria Pública do Estado e o Fórum Amazonense de Saúde Mental agregaram forças para superar os estigmas e garantir os direitos da adolescente em questão.

Resultados e/ou impactos

Tendo em vista o panorama apresentado, ocorreram quatro reuniões intersetoriais para alinhar as ações emergenciais em prol da minimização dos riscos eminentes que ainda persistiam na vida da adolescente M.B.A.C. A partir destes encontros, decidiu-se pela institucionalização da adolescente em casa abrigo especializada, garantindo assim, a preservação de seus direitos e sua proteção social.

Diante deste relato de experiência, compreendemos que para esta adolescente, estar acolhida e ter um lar significa ser olhada como pessoa, ter dignidade e ser cidadã. Não podemos negar que a adolescente M.B.A.C teve seus direitos negados em todos os âmbitos, por isso institucionalizá-la em um lugar que acolhe adolescentes em risco seria minimizar as consequências desse processo de exclusão e  lhe garantir o mínimo de cuidado e proteção.  Contudo, para que tais direitos fossem garantidos, foi necessário um agir coletivo destas instituições, possibilitando que houvesse de fato um olhar subjetivo, que considerasse a pessoa e não a doença simplesmente.

Considerações Finais

A luta anti-manicomial no Brasil teve início na década de 70 e seu marco legislativo ocorreu no ano de 2001, com a homologação da Lei Federal nº 10.216 de 2001. Esta lei apresenta um novo modelo de cuidado em saúde mental, a qual visa substituir a lógica do isolamento por um novo olhar baseado em um cuidado comunitário e territorial. Entretanto, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Amazonas caminha a passos lentos na Reforma Psiquiátrica Brasileira. Apesar dos avanços significativos, o Amazonas ainda apresenta uma quantidade insuficiente de pontos de atenção à saúde mental, de maneira que há que se avançar ainda mais pela oferta e qualidade do cuidado em saúde mental.

Além disso, casos como este refletem os estigmas da loucura presentes no seio societário, que perpetuam à máxima do isolamento social aos que por algum motivo “destoaram” dos padrões de “normalidade”. Uma vez em acompanhamento de saúde mental, a pessoa é exposta a rótulos de periculosidade que a dificultam ter uma convivência social saudável.

O direito à cidadania, em todos os seus aspectos requer uma luta coletiva permanente. Este caso nos revela que o caminho é longo. Nessa situação foi possível fazer a articulação da rede de atenção com vistas ao entendimento e resolutividade requerida, entretanto há situações que precisam de intervenção e resolutividade em curto período de tempo e que, portanto, independem de aceitação. Nesse sentido, precisamos ter como aliados os defensores dos direitos humanos, para fazer valer o que atualmente se preconiza na Política Nacional de Saúde Mental, a garantia da cidadania aos que por muitas décadas tiveram suas histórias de vida ignoradas, furtadas e/ou negadas.

 


Palavras-chave


direitos; articulação; intersetorialidade.