Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O protocolo de morte encefálica no sistema de saúde do Brasil
Mylla Christie de Oliveira Paschoalino

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


A morte cerebral é definida como a perda irreversível de todos funções cerebrais, incluindo o cerebelo e o tronco cerebral. A confirmação da morte cerebral tornou-se um conceito mundialmente aceito e há diretrizes práticas em quase todos países, as quais divergem quanto aos procedimentos utilizados para definir a morte cerebral. O exame clínico neurológico deve demonstrar ausência de respostas ou atividade cerebral e é realizado, no Brasil, conforme recomendações da Sociedade Brasileira de Neurologia. A utilização de exames complementares na confirmação de morte encefálica é controversa quanto a sua eficácia, entretanto, seu uso é obrigatório no Brasil durante o protocolo. Em contrapartida, em outros países como Estados Unidos, o protocolo de morte encefálica não prevê a necessidade de exame complementar para o diagnóstico, uma vez que a eficiência dos mesmos não são consenso no meio científico, além da possibilidade de postergar a morte do paciente, postergar a doação de órgãos, quando for o caso, e o sofrimento dos familiares. Foi demonstrado, através de um estudo brasileiro multicêntrico com pacientes pediátricos, que o tempo de retirada do suporte de vida após o diagnóstico de morte encefálica foi exageradamente longo, chegando a ultrapassar 24h em 40% dos pacientes das regiões Sudeste e Nordeste. Sabendo das limitações de muitas unidades de saúde pública para realização de exames complementares, o uso destes como parte obrigatória do protocolo de morte encefálica permite uma forma de distanásia ou protege os pacientes na realidade da saúde brasileira?

Métodos

Foi realizada uma revisão de literatura cujas fontes primárias de consulta foram as bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Embase e MEDLINE®, por meio do acesso ao serviço PubMed de Pesquisa Bibliográfica em Publicações Médicas a fim de analisar as evidências acerca do tempo de manutenção do suporte em paciente de morte encefálica, além de fatores favoráveis e contrários à utilização de exames complementares no protocolo de morte encefálica na realidade do sistema de saúde pública brasileira.

Resultados

O prolongamento do corpo em situação de morte encefálica não é apoiado, salvo casos de doação de órgãos. Ainda nesse contexto, o prolongamento do suporte de vida é limitado. Bates D. et al. acompanharam prospectivamente 310 pacientes com diagnóstico de morte encefálica que foram mantidos sob suporte intensivo mesmo após o diagnóstico. Observou-se que 88% evoluíram para parada cardíaca em até 24 horas e 100% em até cinco dias. Além disso, após o diagnóstico de ME, quanto mais longo for o tempo em que se mantém o suporte, mais possibilidades há de surgirem reflexos medulares, dificultando a aceitação da família do paciente.

No Brasil, pode-se destacar o uso de Angiotomografia, angiografia invasiva e eletroencefalograma (EEG) como exames complementares no protocolo de morte encefálica, os quais, além das limitações inerentes ao exame como a interferência elétrica no ambiente da UTI no caso do EEG, possuem custo elevado e, muitas vezes, não estão disponíveis de forma imediata na Unidade de saúde. Sua realização, porém, quando em concordância com o exame clínico a favor da morte encefálica, auxilia os familiares no processo de aceitação, conforme demonstrado em recente estudo randomizado no qual as famílias dos pacientes demonstraram maior compreensão e satisfação quando o diagnóstico de morte cerebral foi explicado como ausência de fluxo sanguíneo cerebral (apoiado por um teste auxiliar) em vez de se basear inteiramente no exame clínico. Outros fatores favoráveis ao uso de exames complementares é a possibilidade de salvaguarda contra erro diagnóstico, uma vez que há considerável variação nos protocolos e a combinação do exame clínico e exame complementar é um padrão mais rigoroso para o diagnóstico de morte cerebral.

Em contrapartida, é defendido também que a morte cerebral foi originalmente definida como um estado clínico, não sendo, portanto, necessários exames auxiliares, pois cada exame complementar individual tem importantes limitações. A American Academy of Neurology defende em seu recente guideline que exames auxiliares podem ser usados quando há incerteza sobre a confiabilidade de partes do exame neurológico ou quando o teste de apneia não pode ser realizado.  Dentre controvérsias, é certo que os clínicos devem ter um julgamento acurado ao aplicar o protocolo aprovado em seu país nas diferentes circunstancias do paciente, atentando para cada critério em questão.

Considerações finais

Do ponto de vista científico e ético, não há dúvidas de que a morte encefálica equivale à morte do indivíduo. Nos EUA, os critérios que definem a morte encefálica foram publicados em 1981, ao passo que, no Brasil, esses critérios foram legalmente adotados a partir de 1997. A necessidade de estabelecer critérios que definam morte encefálica e legalizá-los surgiu com o objetivo de incentivar e normatizar a doação de órgãos, assim como permitir a retirada do suporte de vida de pacientes não doadores com quadro de coma irreversível.

A ventilação mecânica, instituída desde os anos 50, associada ao suporte básico e avançado de vida, permitiu abordagem capaz de expandir os cuidados aos pacientes graves. Nesse novo contexto de suporte da vida surgiu uma condição clínica até o momento desconhecida de pacientes com encéfalo irremediavelmente comprometido que, porém, ainda mantinham preservadas suas principais funções hemodinâmicas e ventilatórias, exclusivamente devido à intervenção da tecnologia médica. Como diferenciar esses pacientes das vítimas de grave dano cerebral, entretanto, com possibilidade de alguma recuperação neurológica? Na realidade da saúde brasileira, com desvalorização médica e condições de trabalho e atendimento não favoráveis, é compreensível a escolha por obrigatoriedade de exames complementares para a realização do protocolo, porém há outras possibilidades a serem exploradas a fim de otimizar esse processo.

Qualificar examinadores médicos para que estejam atualizados e treinados, com base em critérios uniformes, através de educação continuada, é o mais importante passo. Além disso, o investimento científico também possibilita o experimento de métodos mais baratos e eficientes de exame complementar para a morte encefálica, como é o caso do uso de ultrassonografia, ainda em estudo. Assim, o prolongamento do suporte de vida em paciente de morte encefálica no Brasil parece ser de causa multifatorial, onde o uso de exames complementares, com todas suas limitações, certamente contribui. Ainda assim, por enquanto, é importante a manutenção de tal procedimento nos protocolos, uma vez que muitas vezes permite maior segurança para os familiares, ao receber o diagnóstico, e mesmo para alguns profissionais de saúde.


Palavras-chave


morte encefálica; saúde pública;