Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Política de Atenção Domiciliar: uma aproximação genealógica
Laura Camargo Macruz Feuerwerker, Valéria Monteiro Mendes, Paula Bertolucci Alves Pereira, Clarissa Terenzi Seixas, Kênia Lara Silva, Janainny Magalhães Fernandes, Vinicius Santos Sanches

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Este exercício genealógico sobre a constituição da Atenção Domiciliar (AD) se inscreve no âmbito da pesquisa da Rede de Observatórios Microvetoriais de Políticas Públicas em Saúde e em Educação na Saúde. Apostamos na radicalização da análise sobre a produção das políticas, partindo do princípio que não há linearidade na construção dos problemas e nos conceitos produzidos para enfrentá-los. A genealogia nos convida a identificar as forças que se apropriam dos problemas e conceitos em diferentes contextos e momentos, instituindo diferentes sentidos e valores. Assim, é necessário mapear as forças, os vetores, os projetos, as apostas a eles relacionados, pois isso ajuda a perceber que as forças que se apropriam dos problemas e que produzem valores não correspondem necessariamente a atores sociais, que produzem distintas forças, algumas simultaneamente. Nosso objetivo é produzir visibilidades que ajudem no entendimento das alianças, das confluências e dos atritos relacionados à construção da política de AD, abrindo novas possibilidades de ação. Tal análise demanda evidenciarmos alguns de seus antecedentes, como as distintas experiências em AD no SUS desde os anos 90, que assumiam diferentes configurações/perfis de atendimento. Outro antecedente refere-se às duas forças fortemente operantes na construção da AD, a saber, as necessidades de saúde (relacionadas ao perfil de adoecimento e o envelhecimento da população, que exigem mudanças no cuidado) e a racionalização dos gastos (relacionado à restrição de recursos que impunha uma agenda de racionalização na saúde). Nos anos 2000 havia dois obstáculos para a produção de políticas em AD, respectivamente a essas forças: a falta de voz ativa dos grupos vulneráveis e o medo dos gestores frente à judicialização pelo alto custo do cuidado domiciliar. Outro antecedente refere-se ao debate, marcado por aquelas duas forças, no Ministério da Saúde (MS) no período de 2003-2005, cuja tradução era: localizar a AD no Departamento de Atenção Especializada (e produzir movimentos voltados à desospitalização) ou localizar a AD no Departamento de Atenção Básica (e fabricar movimentos voltados às necessidades de saúde não contempladas pelos arranjos vigentes). Configurou-se um empasse que foi desdobrado em uma pesquisa nacional voltada à análise de experiências em AD nas cinco regiões do país. O estudo identificou que a força necessidades de saúde se expressava fortemente em composição com outra força inesperada para os pesquisadores: a inovação do modelo tecnoassistencial. Percebeu-se que a potência de substitutividade da AD relacionada ao modelo médico-hegemônico aumentava quando as ações voltavam-se para as necessidades de saúde e sua potência decaia quando as equipes centravam-se nos procedimentos. Apesar destes resultados não terem sido debatidos pela troca da equipe do MS houve ampla discussão com as equipes de AD. Pesquisas subsequentes mostraram que a força de racionalização produzia dois vetores: a desospitalização precoce (redução do tempo de internação e o cuidado fora do hospital) e a transferência dos gastos (localizado no interior dessa força, atingindo diretamente as famílias e operando mais intensamente na Saúde Suplementar). Analisando esses cruzamentos percebemos diferentes modos de racionalizar custos (arranjos voltados ao cuidado compartilhado segundo as necessidades dos usuários e arranjos que transferem responsabilidades e gastos). Apenas em 2011, num contexto de mudança de gestão, o MS decidiu construir uma Política Nacional de Atenção Domiciliar (Melhor em Casa), ainda pautando as duas forças originalmente operantes na AD. Já a força da substitutividade era pautada apenas por certos atores da academia e por trabalhadores da AD. A Política retomou os elementos propostos pela Atenção Especializada (2004/2005) em sintonia com o vetor desospitalização (AD incluída na Rede de Urgência/Emergência e dirigida aos grandes municípios e às regiões metropolitanas). Porém, a coordenação da Política foi localizada no Departamento de Atenção Básica (DAB), provavelmente pela intensidade da força necessidades de saúde. A maioria dos municípios operou segundo a força necessidades de saúde e utilizou a Política para cuidar de uma população desassistida e frequentemente restrita aos domicílios, o que faz pensar porque os municípios rebelaram-se e/ou subordinaram-se às definições ministeriais. Aventamos duas hipóteses: a força necessidades de saúde se expressa mais intensamente porque as necessidades não respondidas nos municípios são mais gritantes e as questões relacionadas aos hospitais não produzem sentido para os municípios. Com o lançamento do Melhor em casa estudos que analisaram os efeitos da política nos arranjos municipais mostraram que a classificação da AD (AD1, AD2, AD3) foi problemática, porque a Política privilegiou a incorporação de tecnologias duras e desconsiderou elementos que podem demandar o cuidado intensivo (vulnerabilidades e intensividade do cuidado). Isso provocou disputas entre as equipes e uma responsabilização territorializada em detrimento da produção compartilhada do cuidado nos diferentes pontos da rede. Evidenciam-se os efeitos da força racionalização de gastos, que atravessa as forças necessidades de saúde e inovação do modelo tecnoassistencial e que se expressa na relação população/equipe (municípios acessam a equipe de apoio apenas quando possuem mais de uma equipe de AD). Tais efeitos pressionam as equipes para a rotatividade dos casos e tensionam seu compromisso com a força necessidades de saúde e sua relação com a Atenção Básica (AB). No período, a Coordenação Geral da Atenção Domiciliar (CGAD/MS) incorporou mudanças apontadas localmente (pelas equipes de AD e pelos pesquisadores) e efetivou modificações principalmente nos critérios populacionais para elegibilidade dos municípios, nos procedimentos e inclui a vulnerabilidade nos critérios de classificação. Os resultados apontam que é fundamental analisar os agenciamentos da Política em relação aos Serviços de AD. Percebe-se que o MS e os municípios não operam a força inovação do modelo tecnoassistencial e que para efetivá-la seria necessário ampliar o número de equipes e suas possibilidades de conexão. A potência da AD pode ensinar sobre a fabricação de mudanças na AB que ajudem no encontro das equipes com as necessidades e as singularidades dos usuários. Pensar a AD como modelagem substitutiva também implica em considerar o papel do cuidador, sendo fundamental discutir medidas de suporte para o atendimento de suas necessidades diante dos vetores de transferências de gastos/de responsabilidades para a família. A radicalização da força necessidades de saúde em interação com a força inovação do modelo tecnoassistencial tem produzido apostas interessantes sobre o morrer em casa e o cuidado paliativo, considerando a criação de espaços intercessores entre a equipe de AD e o usuário/cuidador, bem como a fabricação de rede entre os serviços. Como considerações apontamos que a AD, como um vetor importante para substitutividade do modelo médico-hegemônico, pode ser pensada como uma estratégia de compartilhamento e de criação de corresponsabilidade entre serviços e como um dispositivo para modificar a lógica do cuidado hospitalar. Para tanto seria necessário fazer a força necessidades de saúde atravessar a desospitalização, visando a construção de altas compartilhadas entre os serviços e a continuidade do cuidado baseada na singularidade das situações vividas, seus limites e possibilidades. É nítido que as potencialidades da AD modificam-se a depender da força que dela se apropria. Assim, a força inovação do modelo de atenção apenas ganhará potência num movimento de inversão dos agentes que produzem o SUS, ou seja, quando trabalhadores e usuários apropriarem-se do SUS para pautar a integralidade e a singularidade na produção do cuidado em conexão com movimentos sociais e outros atores, sobretudo neste período de supressão de direitos em que os vetores biopolíticos potencializam a precarização e o sucateamento do SUS

Palavras-chave


Atenção-domiciliar;análise-de-políticas;genealogia