Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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SUS E RELIGIOSIDADE: VIVÊNCIA DO FUTURO PROFISSIONAL DE SAÚDE NA CULTURA DO TERREIRO
LUIZ FERNANDES, BIANKA OLIVEIRA

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


INTRODUÇÃO

A integralidade do SUS rejeita o modelo médico tecnicista de enxergar o indivíduo, devendo desta forma, interpretá-lo enquanto um ser inserido em uma cultura que molda o seu bem estar biopsicossocial. Nesse sentido, a religiosidade torna-se um importante ponto de apoio a ser explorado nas ações governamentais, ao ponto que surgiram organizações como a “Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde”, que tem o propósito de promover a saúde dos iniciados e simpatizantes das religiões de matrizes africanas, juntos ao Movimento Negro, aos gestores públicos e ao Sistema Único de Saúde. Entretanto, o racismo e a intolerância religiosa tornam vulneráveis a população negra e os adeptos destas religiões. É sabido que os terreiros são constantemente violados, tem suas imagens depreciadas, e localizam-se normalmente nas periferias das cidades, tornando suas práticas estigmatizadas. Esta problemática repercute na saúde dos iniciados, pois sua religiosidade é desassociada do sistema público de saúde. Este relato visa, então, descrever um método de ensino prático nas universidades que possa aproximar os futuros profissionais do SUS dentro da cultura religiosa afro-brasileira, com o intuito de desconstruir preconceitos e estigmas sociais criados na hegemonia eurocêntrica do Brasil.

 

DESENVOLVIMENTO

O “Vivências e Estágios na realidade do Sistema Único de Saúde” é um projeto que acontece em parceria com o Ministério da Saúde e a Rede Unida desde 2002. Esta iniciativa tem como propósito qualificar os futuros profissionais do mercado, inserindo os universitários nos diversos aparelhos do SUS e ampliando o conceito de saúde. Durante o estágio, são realizadas atividades de vivências, de discussões e de arte, com temáticas voltadas para a capacitação e a humanização dos participantes. A experiência relatada neste trabalho aconteceu no contexto do “Ver-SUS Potiguaras RN”, no período de 14 a 23 de dezembro de 2016, com sede no Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES/UFRN), no município de Caicó-RN. O grupo desta atividade foi composto por 41 pessoas, dentre estas, 8 facilitadores e 3 membros da comissão organizadora. A temática sobre religiosidade afrobrasileira aconteceu no dia 16 de dezembro, tendo como programação uma visita ao terreiro Ylê Axé Nagô Ôxáguiã, coordenado por Aderbal, o pai de santo da casa, mais conhecido na cidade como Pai Bal. As atividades no Ylê (casa) iniciaram em 2010 e aborda segmentos de Candomblé da Nação Nagô e da Jurema da linhagem de rei Jucá, tendo como Orixá regente Ôxáguiã e como mestre protetor da casa o senhor Mestre Zé Mulambo. O grupo compareceu ao local às 15 horas, e iniciou-se a reunião com os visitantes bebendo um preparo chamado Jurema, feito a partir da árvore que leva seu nome. Esta bebida tem origem em religiões indígenas de tribos do nordeste brasileiro, e a partir do sincretismo religioso, passou a fazer parte de algumas culturas de terreiro. No segundo momento da visita, após as explicações de boas vindas, os viventes conheceram o espaço físico da casa. Pai Bal reforçara a importância de apresentar as imagens, os símbolos e as oferendas ao público visitante, para que se possa desconstruir o senso comum de que esta cultura é algo errado, ou relacionado ao mal na visão de outras religiões. O terceiro momento se deu com uma roda de conversa com o Pai de Santo, onde dúvidas foram esclarecidas acerca da macumba, dos Orixás, dos Exus, das linhagens de espíritos protetores, dos símbolos presentes no espaço físico, do Axé, e das demais atividades da casa. Como orientado pelos facilitadores da vivência, um tocante destacado na roda de conversa fora sobre a saúde e o bem estar dos iniciados e simpatizantes. Fez-se saber que o terreiro atende e trata queixas como enxaqueca, lesões de pele, diabetes, depressão, transtornos emocionais, entre outros problemas relacionados à vida pessoal dos frequentadores. Inclusive, as pessoas normalmente conhecem e tornam-se frequentadores do Ylê em momentos de fragilidade dos indivíduos, seja ela orgânica ou emocional, e estes iniciam como adeptos pelo sucesso em sanar seus problemas de saúde. No que diz respeito a relação entre a comunidade e o terreiro, existe um histórico de preconceitos dos moradores, principalmente quando este chegou ao bairro em 2010, com relato de abaixo-assinado direcionado aos órgãos públicos municipais exigindo que as práticas fossem abolidas. Por outro lado, no decorrer de sua história, o Ylê realizara campanhas de arrecadação de roupas e calçados para doação às famílias de menor renda na comunidade e, além disso, oferece aulas de capoeira gratuitas para as crianças em maior vulnerabilidade social. Essas ações comunitárias colaboraram para diminuir a intolerância religiosa. Pai Bal explicara que o Ylê tem como segmentos a fé, a esperança e a caridade, e este depoimento reforça como as religiões de matrizes africanas apresentam potencialidades no processo de saúde-doença dos adeptos, como também de promoção à saúde da população local através de assistencialismo, de práticas de esporte, de medicina fitoterápica, de aconselhamentos espirituais e de acolhimento. O último momento da vivência aconteceu no CERES/UFRN, onde os participantes se dividiram em cinco núcleos de base formados por oito pessoas. Nesta ocasião, foram discutidos alguns pontos como os aprendizados obtidos com a visita ao Ylê Axé Nagô Ôxáguiã, a relação da religiosidade com a saúde e os princípios do Sistema Único de Saúde, e as barreiras existentes entre as instâncias governamentais e as religiões afro-brasileiras em suas diversas expressões.

 

RESULTADOS

A atividade prática com visita ao Ylê Axé Nagô Ôxáguiã, sob a coordenação do Pai Bal, somado às discussões em grupo nos Núcleos de Base entre os universitários, obtiveram resultados satisfatórios na desconstrução de preconceitos relacionados às religiões de matrizes africanas, como também favoreceu a ampliação do conceito de saúde para os futuros profissionais do SUS. Esta experiência evidencia a necessidade de aproximar o SUS das questões de racismo e de intolerância religiosa, envolvendo também o debate com outras temáticas abordadas no VerSUS Potiguaras como questões de raça, de gênero, de sexualidade e de direitos humanos. É notório que esta atividade de campo elucidou para os participantes o quão a cultura do terreiro é vinculada à promoção de saúde e prevenção de doenças e agravos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Então, o ensino da humanização em saúde, para além das teorias que já são apresentadas em salas de aula com metodologias não ativas, mostra ter resultados qualitativamente melhores quando há o aprendizado prático e empírico dos estudantes dentro de uma determinada temática. A questão da saúde e a religiosidade, em especial dos obstáculos enfrentados pelo povo de terreiro, deve ser destacada nos currículos dos cursos que formarão os futuros profissionais de saúde, transformando o estudante no agente principal responsável pela sua aprendizagem, como acontecera na visita ao Ylê Axé Nagô Ôxáguiã. Os resultados foram conclusivos para destacar o desconhecimento da maioria dos viventes sobre as religiões de matrizes africanas, reforçando assim, a necessidade de valorizar os conhecimentos de terreiro em relação a saúde, de legitimar essa cultura e de estabelecer um canal de comunicação entre a gestão pública e as universidades com os líderes das religiões afro-brasileiras.


Palavras-chave


religião; terreiro; sus; relato;