Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Educação em saúde na Atenção Primária à saúde no Brasil: um olhar sobre os conteúdos divulgados nas revistas científicas de saúde coletiva de 1990 a 2015
Milena Junqueira Reis, Rosely Magalhães de Oliveira, Marize Bastos da Cunha

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


Apresentação

O interesse pelo tema deste estudo surgiu durante a experiência da autora como farmacêutica residente em uma unidade de Saúde da Família, no período de 2011 a 2013, na cidade de Ribeirão Preto – SP.

Durante este período de inserção na unidade citada foi observada a dificuldade da equipe para desenvolver práticas educativas em saúde, que alegava falta de interesse das pessoas em participar de grupos estruturados no modelo de palestras. Com a inserção dos residentes, os grupos que eram oferecidos foram reorganizados e outros foram inseridos, usando metodologia participativa, a partir de materiais didáticos que propiciavam este tipo de intervenção.

A partir desta experiência, surgiu, em um primeiro momento, o interesse em desenvolver um trabalho empírico sobre a educação em saúde. Porém, como muitas questões teóricas desta área ainda são nebulosas, já que este é um campo que valoriza a prática, em um segundo momento veio a necessidade de maior aproximação com os estudos divulgados sobre o tema e seus referenciais teóricos, para compreender e analisar  o processo de educação em saúde na Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, através dos trabalhos científicos divulgados.

Assim, esse estudo se propôs a conhecer a produção científica divulgada sobre educação em saúde na Atenção Primária à Saúde no Brasil, no período de 1990 a setembro de 2015 e compreender o conteúdo dos artigos com relação à definição de educação em saúde e identificar conflitos e convergências entre as perspectivas tradicional e crítica do processo de construção do conhecimento.

Desenvolvimento do trabalho

Para alcançar o objetivo proposto, foi realizada uma revisão bibliográfica da produção sobre educação em saúde na Atenção Primária à Saúde no Brasil, de 1990 a setembro de 2015, difundidos em revistas da área de saúde coletiva, buscando levantar dados gerais sobre o tema.

A base de dados escolhida para a realização desta revisão bibliográfica foi a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e a busca realizada em 14 de setembro de 2015 através da combinação de descritores (mh:("atenção primária à saúde" )) OR (mh:(“estratégia saúde da família”)) AND (mh:(“educação em saúde”)) apresentou um total  de 1832 trabalhos.

Foram selecionados apenas os estudos com texto completo disponível no sítio de busca, que estavam publicados em português, inglês e espanhol, em formato de artigo e publicados no período de 1990 a setembro de 2015.

Como o foco desta pesquisa foram estudos sobre as práticas de educação em saúde na APS no Brasil direcionadas à comunidade e realizadas pelos profissionais de saúde e/ou residentes atuantes nas unidades analisadas, os artigos sobre educação continuada e educação permanente, que são direcionadas às equipes profissionais foram excluídos, assim como os trabalhos que abordam práticas realizadas por estudantes através de projetos de extensão. Através da leitura dos resumos de cada um, utilizando os critérios explicados e excluindo os que estavam em duplicata, foram selecionados 88 trabalhos publicados em revistas de diversas áreas.

Deste total, os 30 artigos publicados em revistas da área de saúde coletiva foram submetidos a uma análise temática de seu contéudo, a fim de compreender a produção intelectual sobre o tema na referida área de conhecimento.

Buscou-se compreender as concepções de educação em saúde explícitas e implícitas nos artigos e a presença de críticas ao modelo tradicional de educação.

Resultados e/ou impactos

Dos 30 trabalhos publicados em revistas de saúde coletiva, 5 (17%) não definem educação em saúde. Nestes trabalhos observa-se que o discurso implícito é focado na “mudança de comportamentos” e de “estilos de vida saudáveis”. A educação em saúde nestes trabalhos é pautada pelos princípios da abordagem comportamental ou conservadora da Promoção da Saúde e são colocados como uma forma de operacionalizá-la. Também é possível observar nestes trabalhos uma naturalização do processo educativo, como se a visão tradicional de transmissão de conhecimentos fosse a única existente, desconsiderando que conhecimento se constrói através de um processo de reflexão sobre a realidade de cada sujeito e consequente conscientização, por um processo crítico, pautado no diálogo e na problematização (FREIRE, 20111b).

Nos 25 artigos (83%) que definem educação em saúde, é possível perceber que há uma crítica à visão tradicional de educação e ao modelo assistencial biomédico. A maioria dos trabalhos utiliza em seu referencial teórico o educador Paulo Freire ou autores de base freireana. Este achado sugere que nos trabalhos existe uma tentativa de fortalecer práticas educativas pautadas no diálogo e problematização, embasadas pela visão crítica da construção do conhecimento. Há um consenso entre os artigos que definem educação em saúde, sobre as limitações das práticas verticalizadas, pautadas pela visão tradicional de construção do conhecimento, embora estas ainda sejam encontradas nos resultados obtidos nas pesquisas e até mesmo em elementos do referencial teórico de alguns trabalhos.

Observou-se que em 18 artigos (60%) existem apontamentos da visão crítica da construção de conhecimentos nas práticas dos serviços. Esta questão foi levantada e abordada nos trabalhos, embora nem sempre, nos resultados encontrados estes conceitos tenham sido contemplados. Onze (37%) artigos apresentaram em seus resultados a predominância da visão tradicional de educação nas práticas analisadas. Nestes não há menção ao diálogo, à problematização, à importância de se conhecer e considerar o contexto do educando para que uma reflexão crítica sobre sua realidade possa ser realizada no processo de construção do conhecimento.

Alguns trabalhos (17%) mostraram que nas práticas dos serviços de saúde há uma coexistência da visão tradicional e crítica da construção do conhecimento. Isto pode ser uma evidência de que, embora as práticas ainda sejam orientadas por concepções verticalizadas, experiências dialógicas estão ganhando força em serviços de saúde.

Considerações finais

Com a análise temática, foi possível observar que 17% dos artigos científicos publicados em revista de saúde coletiva não definem o termo “educação em saúde”, embora seja este o objeto de estudo dos artigos. Apesar de não definirem educação em saúde, estes trabalhos apontam para um conceito que carrega em si uma visão tradicional sobre a construção do conhecimento. E nestes, está implícito que o objetivo das práticas educativas nos serviços de saúde é a mudança de comportamentos, pautada em conceitos da Promoção da Saúde, de acordo com o que foi documentado na Carta de Bogotá. Este resultado aponta também uma naturalização da educação, como se a maneira como esta ocorre não precisasse ser problematizada.

Entre os artigos que definem o termo educação em saúde, a crítica ao modelo tradicional de educação está presente, assim como conceitos e teorias de base freireana e de outros autores conhecidos do campo da educação em saúde. Porém, os resultados obtidos nestes trabalhos mostraram que elementos da visão tradicional de construção do conhecimento e a influência do modelo biomédico ainda persistem.

É possível observar que há dificuldade para colocar em execução práticas mais dialógicas, ancoradas por princípios da visão crítica da construção do conhecimento. Embora alguns autores apontem em seu discurso a importância do diálogo nas práticas educativas, os profissionais ainda não conseguem implementá-las plenamente nos serviços. Percebe-se que mesmo quando há uma tentativa de abordar esta concepção de educação, elementos do modelo tradicional ainda estão presentes no discurso.

 


Palavras-chave


Educação em saúde; Atenção primária à saúde; Promoção da saúde