Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O cotidiano do Programa Mais Médicos em Campo Grande/MS: manifestações e agenciamentos em curso
Jacinta de Fátima Franco Pereira Machado, Mara Lisiane de Moraes Santos, Leila Simone Foerster Merey, Vera Lúcia Kodjaoglanian

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação

Em geral, as políticas indutoras de mudanças no modelo tecnoassistencial em atenção primária no SUS carecem de dispositivos de desterritorialização, cujos agenciamentos pouco contribuem com as transformações propostas. No município de Campo Grande/MS, o Programa Mais Médicos figura como objeto de pesquisa do Observatório Microvetorial de Políticas Públicas de Saúde e Educação em Saúde-Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma pesquisa cartográfica junto aos médicos, gestores, trabalhadores de saúde e usuários do Programa Mais Médicos, durante os agenciamentos realizados nesse contexto. Esta pesquisa aborda as afecções manifestadas pelos sujeitos do trabalho em seus enfrentamentos cotidianos no ato de cuidar, seus problemas relevantes, potencialidades e fragilidades no decurso desse programa.

Objetivo

Analisar as manifestações e problematizações dos participantes da segunda Oficina do Programa Mais Médicos no município de Campo Grande/MS.

Método

O estado de Mato Grosso do Sul realizou em 27/10/2017 a segunda oficina Mais Médicos, reunindo médicos, membros das equipes e gestores de unidades de saúde da família do município de Campo Grande, visando a problematização do cotidiano do trabalho desses asujeitos. As questões que nortearam a discussão focaram os desafios do trabalho, suas potencialidades, fragilidades, bem como enfrentamento dos problemas elencados, mediante elaboração de um plano de ação.

Os participantes foram divididos em grupos de discussão, onde deveriam refletir sobre o cotidiano do processo de trabalho em saúde da família, elencar potencialidades e fragilidades e elaborar um plano de ação. As conversas trouxeram diferentes olhares, embates e afecções sobre os modos de acolher e cuidar. Os principais assuntos que emergiram nos grupos de trabalho foram sistematizados e apresentados a seguir.

Resultados

No grupo representado pelas UBSF São Conrado, Jardim Batistão, Zé Pereira, Serradinho, o conceito de acessibilidade variava quanto às formas de acolher o usuário. As UBSF São Conrado e Serradinho utilizavam o acolhimento como dispositivo de triagem e controle de demanda, com agendamento programado semanal e/ou mensal. Em outras (Jdim Batistão e Zé Pereira), as práticas do acolhimento traziam a perspectiva de inclusão da pessoa, segundo critérios de vulnerabilidade e risco. Em todas essas unidades, as visitas domiciliares têm sido diárias para determinados membros das equipes, que acionam outros profissionais segundo critérios de vulnerabilidade e risco biopsicossocial.

Nesse grupo, apenas uma unidade mantinha agenda fixa para ações programáticas (hiperdia, idosos, tabagismo, gestantes, planejamento familiar), sendo um sinal positivo de ruptura com o paradigma da atenção fragmentada. Houve consenso no grupo acerca da reunião de equipe se desenvolver semanalmente por equipe, e mensalmente interequipes, pautando cronograma semanal/mensal, discussão de casos/PTS, planejamento de ações, capacitações, etc.

A explicitação das potencialidades traduziu um bom fluxo de afetos entre os profissionais das equipes e comprometimento na produção do cuidado organizado. A precarização do trabalho em questões estruturantes, tais como equipes incompletas, falta de medicamentos, materiais de consumo, comprometia a resolubilidade. Outro ponto relevante apontado foi a baixa cobertura da ESF em campo Grande (44%), e, a conversão lenta ao E-SUS, acarretando retrabalho aos profissionais por digitação dupla dos procedimentos. O plano de ação proposto pelo grupo foi ampliar a resolutividade da AB, com ações de capacitação, telessaúde, matriciamento.

O segundo grupo foi representado pelas UBSF Ana Maria do Couto, Mário Covas, Vila Fernanda, Paulo Coelho, São Conrado, Tarumã. O cotidiano de trabalho dessas equipes perpassava pelo acolhimento com escuta qualificada, que consensualmente era realizado em todas as unidades. No entanto, o sentido de acolhimento variava, ora como auxiliar de triagem para controle de demanda, ora como dispositivo de inclusão, conforme a necessidade de saúde. Por exemplo, a UBSF Ana Maria do Couto e São Conrado realizavam acolhimento uma vez na semana, com agendamento previsto para semana seguinte. Mário Covas e Tarumã realizavam acolhimento quinzenalmente. Paulo Coelho e Vila Fernanda, diariamente. Apenas Paulo Coelho conjugou o dispositivo de escuta qualificada de modo a diferenciar demanda e necessidade de saúde. Ora, se o acolhimento traz implícito o princípio de inclusão, sem hora nem dia marcado para acontecer, parece um contrassenso transformá-lo em ação programática. Quando ausente de escuta da demanda, restringe-se a acessibilidade.

As reuniões de equipe acontecem semanal e quinzenalmente e todos os membros das equipes participam, exceto na UBSF Tarumã, que convida os ACS somente quando pauta assuntos pertinentes às suas atribuições. Não relataram os objetivos de tais reuniões. Ora, se a reunião de equipe representa um espaço aberto à revisão das práticas, deveria ter objetivos definidos e incluir todos os profissionais das equipes.

Foram referidas boas condições em ambiência nas unidades e comprometimento dos profissionais com a produção do cuidado, ainda contabilizado por produção de procedimentos. A precarização da situação do trabalho foi manifestada por equipes incompletas, falta de insumos básicos e fragilidade na coordenação e continuidade do cuidado. O plano de ação focou no problema da atenção ao público masculino e propôs acolhimento e cuidado em horários estendidos uma vez na semana para atividades de atenção urológica, saúde sexual e reprodutiva, IST, tabagismo, alcoolismo, condições crônicas. Em relação aos problemas de gestão, o foco foi na melhoria do acesso à média e alta complexidade, implementação das equipes e provimento de insumos indispensáveis aos serviços.

O terceiro Grupo referiu realização de agendamento semanal e relevou o compromisso das equipes e parcerias intersetoriais com NASF, academia e equipamentos sociais de apoio. A precarização do trabalho foi manifestada por equipes incompletas, áreas descobertas, alguns locais com estrutura física inadequada, falta de insumos básicos e produtos inerentes ao serviço. Nesse grupo, o plano de ação considerou a necessidade de enfrentamento ao problema de falta de informação do usuário e da participação do conselho local de saúde. A atividades propunham adoção de acolhimento e melhoria das informações ao usuário, bem como a implementação da reunião de equipe em discussão de casos e trocas de experiências.

O grupo quatro explicitou organização da atenção por demanda espontânea e programada, porém ainda com dificuldade na classificação de risco e escuta qualificada, resultando em disparidade no agendamento programático e espontâneo, em visita domiciliar e reunião de equipe. As potencialidades enalteceram a união entre as equipes, o comprometimento e o trabalho em grupos. As fragilidades elencadas traduziram a precarização do trabalho por equipes incompletas, falta de materiais e insumos, a classificação de risco e questões culturais, tais como a desinformação e má educação do usuário diante do desequilíbrio entre oferta e demanda. A desordem crescente da demanda com epidemias de DST e condições crônicas. Problemas de desordem na gestão: falta de RH, insumos e duplicidade de sistemas de informação. O plano de ação contextualizou o problema da dificuldade de corresponsabilização do usuário e profissional de saúde com a promoção do cuidado. As atividades elencadas foram no sentido de aumentar a resolutividade da atenção básica, criar ambulatório diário de apoio ao acolhimento.

Os processos grupais de agenciamentos do saber, poder e subjetivação valorizam os picos de desterritorialização, enquanto buscam fomentar novas associações no sentido de atualizar a potência desejante dos sujeitos e coletivos. Tais processos merecem ser considerados à luz da teoria do dispositivo, para que se possa analisar melhor seus efeitos.

 


Palavras-chave


saúde da família; micropolítica; políticas de saúde