Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A prática do assédio moral e seus desdobramentos sobre a saúde: um relato de experiência clínica na cidade de Manaus/AM
Giselle Maria Menezes da Silva

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Este relato de experiência tem como objetivo identificar as práticas de assédio moral e apresentar as consequências diretas e indiretas destas práticas sobre a saúde da vítima. Os dados foram obtidos a partir da análise de um caso clínico do setor de Psicologia do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST –. Os CERESTs são órgãos públicos que promovem ações voltadas para a melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida dos trabalhadores através da prevenção e vigilância. No Amazonas, o CEREST conta com a atuação de psicólogos voluntários que prestam atendimentos psicoterápicos breves aos trabalhadores em sofrimento psíquico, a fim de retirar o paciente de uma crise emocional aguda. A vítima, cujo nome fictício é Maria, é servidora pública na cidade de Manaus/AM, profissional da área de Comunicação, 47 anos, casada, mãe de 3 filhos, graduada em Comunicação Social, Mestre em Economia e Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal. Compareceu ao CEREST em busca de orientações jurídicas e auxílio psicológico devido a situações vivenciadas no trabalho. O processo terapêutico teve duração de 3 meses, perfazendo 13 sessões. Na primeira sessão, Maria apresentou os laudos psiquiátricos com os diagnósticos F 32.11 – Episódio depressivo moderado – e F 41.0 – Ansiedade paroxística episódica – estando afastada de suas atividades havia 10 dias. Durante as sessões seguintes, relatou sofrer os assédios desde meados de 2011, momento em que se negou a apresentar indicadores com base em dados falsos para a Sede da empresa, alocada em Brasília – DF. A partir deste momento, passou a ser evitada por alguns colegas e impedida de participar de eventos e atividades internas da empresa sem qualquer justificativa. Explica que começou a sentir sentimentos de solidão e tristeza, face ao descaso e abandono aos quais estava sendo submetida. Percebeu que suas iniciativas eram podadas e pouco a pouco foi sendo impedida de realizar atividades diretamente relacionadas ao escopo de sua função. No ano de 2012, o Sindicato apurou uma série de denúncias anônimas feitas à Empresa, dentre elas a de maus tratos aos trabalhadores, denúncia esta que obteve grande repercussão local. Como egressa do Ministério Público Federal, Maria foi imediatamente relacionada à autoria das denúncias. Deste momento em diante, passou a ser fortemente discriminada e perseguida. Relata que em uma ocasião, um dos motoristas da empresa atirou a condução que dirigia sobre o carro que dirigia afim de intimidá-la. Explica que passou a ter sentimentos de terror em dirigir para o trabalho. Tremores, palpitações, suor frio e medo foram alguns dos sintomas característicos de ansiedade que a paciente relatou ter sentido. Ainda em 2012, iniciou tratamento Psiquiátrico para Transtorno de Ansiedade e Depressão. A partir deste ano, os assédios se intensificaram. Sofreu boicotes aos seus projetos, retaliações e ataques das formas mais diversas. Teve seu computador de trabalho invadido e relatou que frequentemente deparava-se com objetos sujos sob sua mesa pela manhã, ao chegar no trabalho. Em conversa informal, alguns colegas revelaram à paciente sentirem receio de sofrerem retaliação por parte da Gestão por serem vistos conversando com ela. Maria então passou a não mais frequentar as áreas comuns da Empresa e frequentemente encontrava-se sozinha nos horários de café da manhã, almoço e lanche. No mês de abril de 2017, após cinco anos de práticas assediadoras decorrentes, a paciente, sob forte estresse, sofreu um surto no local de trabalho e foi imobilizada por um de seus Chefes com força desproporcional, o que ocasionou o surgimento de grandes hematomas em seus braços. Após este acontecimento, relata que teve recidivas de episódios de Pânico e humor depressivo. Maria recebeu em sua casa, durante o período de afastamento, uma notificação pedindo que se defendesse no período de oito dias da alegação de calúnia e difamação de colegas durante o surto. A paciente redigiu a defesa e ao fazer isso, reviveu os momentos passados durante o ocorrido, o que culminou em uma piora dramática de seu estado emocional agravando os sintomas depressivos e ansiosos. Como consequência, Maria relatou estar passando por período de instabilidade na relação familiar, com prejuízos no relacionamento conjugal e no desempenho escolar dos filhos menores. Apresentou sentimento de culpa e vergonha por não estar conseguindo desempenhar os papéis de esposa e mãe de maneira satisfatória devido sua atual condição. Os compromissos e interações sociais começaram a ser frequentemente evitadas, de modo que a paciente já não mais sentia-se disposta a comparecer em programações com familiares e pessoas próximas. A exploração sistemática dos sintomas psíquicos revelou lentidão no curso do pensamento, fuga de ideias, memória verbal de curto prazo prejudicada, insônia, pesadelos, pânico, ansiedade, frigidez, tristeza, angústia, anedonia e agitação psicomotora. Foi registrado ainda o aparecimento de distúrbios gastrointestinais durante o período. Durante os primeiros encontros, as intervenções clínicas estiveram focadas em medidas educativas acerca do Assédio Moral, suas consequências e danos à saúde, considerando que a paciente apresentou sentimentos controversos de culpa. Como parte do caráter educativo da psicoterapia, a paciente recebeu orientações acerca dos procedimentos burocráticos e órgãos responsáveis para formalizar denúncia tão logo seu quadro clínico obtivesse melhora. Após o primeiro momento de elaboração das experiências vividas, o processo interventivo da clínica voltou-se para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e elaboração de um plano de emergência visando a evitação dos agentes estressores. Após perfazer 13 sessões, a paciente apresentava-se em processo de melhora, momento em que houve o encerramento do processo psicoterápico. Maria então, integrou-se a um grupo de apoio a mulheres vítimas de Assédio Moral para manutenção contínua da melhora. Á guisa de conclusão, pode-se observar o aparecimento de descompensação de natureza psicológica e psicossomática decorrentes do processo de assédio moral que afetaram de maneira substancial a qualidade de vida da paciente. Além de consequências sobre a saúde da vítima, a prática do assédio moral leva a degradação do ambiente de trabalho, podendo conduzir em alguns casos à ruptura do contrato de trabalho, o que por muitas vezes traz consequências diversas, tais como perturbações de ordem financeira, social e pessoal. Considerando tais consequências degradantes às vítimas, cabe a cada ator social agir de maneira efetiva para coibir ou reduzir as ocorrências da prática do assédio moral, sobretudo os trabalhadores e empresas ao optarem por modelos de Gestão que privilegiem a figura do trabalhador e preservem sua dignidade.

Palavras-chave


Gestão; saúde do trabalhador; assédio moral; organização do trabalho.