Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Retratos do Cotidiano da Saúde Mental Brasileira
Carine Capra-Ramos, Andréia Sates, Priscila Battú, Fernanda Klunck, Rogério Silva, Cristiano Dendena, Marcos Moss, Renato Rambow

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação

O presente trabalho refere-se à produção de um documentário, o qual retrata o cotidiano da saúde mental em serviços substitutivos ao manicômio localizados no município de São Leopoldo/Rio Grande do Sul. O planejamento e desenvolvimento desta produção ocorreu a partir do interesse dos usuários em abordar o cuidado em liberdade diante a Reforma Psiquiátrica. Sendo então, protagonizada por usuários de Saúde Mental do CAPS II, mediante apoio técnico de residentes multiprofissionais em Saúde Mental e estagiárias de psicologia.

 

Desenvolvimento

O presente documentário tem por objetivo retratar o cotidiano do tratamento em saúde mental em Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, do município de São Leopoldo/Rio Grande do Sul. Esta produção foi desenvolvida, organizada e protagonizada, principalmente, por usuários do serviço, residentes multiprofissionais em saúde mental e estagiárias de psicologia.

O interesse nesta produção audiovisual surgiu no decorrer de uma atividade terapêutica desenvolvida, no grupo Viver (uma das modalidades de atendimento oferecidas pelo CAPS II). A temática da Reforma Psiquiátrica foi abordada por de diversas formas de expressões relacionadas à arte: cinema, teatro, pintura, escultura, escrita poética, expressão corporal e artesanato.

Ao se trabalhar, especificamente, a temática cinema, o grupo assistiu ao filme “O Holocausto Brasileiro”, baseado no livro de mesmo nome de autoria da jornalista Daniela Arbex, o qual retrata a história do Hospital Psiquiátrico Colônia, em Barbacena (MG) e serviu como um dispositivo disparador e condutor de um amplo debate no grupo. Os participantes ficaram sensibilizados ao perceberem o tratamento desumanizado da época e refletiram sobre as mudanças ocorridas no país após a Reforma Psiquiátrica. Durante as discussões, construiu-se o desejo em visibilizar a realidade atual vivenciada pelo usuários nos CAPS, traçando uma relação entre o antigo modelo de atenção à saúde mental e o atual. A fim de demonstrar como está organizada a estrutura dos serviços após a Reforma Psiquiátrica, ou seja, dos serviços substitutivos ao modelo asilar manicomial em saúde mental.

De acordo com o integrante do grupo Rogério Silva “Queremos mostrar a importância de termos nossos CAPSs para nossos tratamentos em saúde mental. Muitos de nós, que já temos sofrimento psíquico, sofremos ainda mais preconceito e discriminação por sermos doentes. Se prestar atenção todos os paciente envolvido neste documentário agradecem a Deus por não existir mais manicômio em nosso país. Este documentário é específico para acabarmos com o preconceito e a falta de conhecimento, mostrando o sentimento dos usuários do CAPS, a dificuldade com a família, a experiência e dificuldade dos profissionais. Queremos compartilhar o documentário para diminuir a falta de conhecimento sobre quem faz tratamento em saúde mental para diminuir o preconceito que nos causa sofrimento!”.
A execução da presente produção audiovisual foi aprovada pelo Núcleo Municipal de Educação em Saúde Coletiva (NUMESC), Secretaria de Saúde do Município de São Leopoldo/RS e Coordenação de Saúde Mental. Todos os participantes autorizaram a divulgação de suas imagens, por meio do consentimentos assinado em Termo de Autorização para Uso de Imagem.

Resultados e/ou impactos

Durante a produção do documentário houve a possibilidade de  participar do VI Encontro Regional de Educação em Saúde Coletiva e Mostra de Trabalhos no município de Taquara/RS, momento que propiciou protagonismo, autonomia e empoderamento dos usuários, no qual emergiu o compartilhamento de saberes, valores de auto-estima, alegria, troca de conhecimentos úteis para aprimorar o cuidado em saúde. O trabalho da noção de visibilidade de uma situação vivenciada pelos usuários e amplia o entendimento de seus sofrimentos a um nível social, uma vez que historicamente os usuários não ocupam o lugar de fala, o que se propiciou por meio deste trabalho. A produção audiovisual, como já descrito, proporcionou o fortalecimento de vínculos, a autonomia e o protagonismo dos usuários participante deste documentário, os quais exerceram  sua cidadania por meio deste com afinco.

Ao discorrer sobre o impacto da elaboração desta produção em suas vidas, alguns usuários referem ter se sentido “útil” ao produzir o documentário; outro exprimiu que melhorou sua autoestima; outro referiu que pôde expressar o que sentia e que teve muitos aprendizados, principalmente ao compartilharem suas histórias de vida, que são únicas; outra afirma a importância de ter tido a oportunidade de falar o que pensa sobre questões relacionadas à saúde mental; Salienta-se ainda, outro aspecto observado durante este trabalho, refere-se foi a co-construção de uma atmosfera de confiança e coesão do grupo, “estávamos brincando e rindo mais” relata um integrante do grupo, assim como referia os altos e baixos do dia a dia; outro integrante do grupo afirma que a espontaneidade e sinceridade dos participantes do grupo contribuiu para a desinibição e elaboração do trabalho; outro integrante referiu que “pensava que ia ser apenas uma brincadeira e quando vi estávamos apresentando o documentário em vários lugares, não esperava que pudéssemos produzir algo tão bom”; “esse trabalho é uma prova que quando se tem a união, cooperação e uma liderança organizada pode se superar os limites e vencer os maiores desafios” refere outro integrante do grupo.

A coesão grupal junto ao contato com as artes possibilitaram que outras ideias e desejos florescessem nos usuários. Então, concomitante à produção do documentário, o grupo teve a ideia de se organizar em pequenas comissões baseada em suas vontades e habilidades para seguir realizando outras atividades, como organização do roteiro, edição das fotos, realização das entrevistas para o documentário, jornal, produção de texto, artesanato, oficina de expressão corporal.

O presente documentário é de extrema relevância para os usuários idealizadores desta produção, pois possibilita que estes consigam demonstrar para seus familiares e para a comunidade como é realizado o tratamento nos serviços de saúde mental do seu município. Contribuindo assim para um caminho de problematização dos estigmas e “pré-conceitos”, os quais os usuários de saúde mental vivenciam cotidianamente, além de ampliar o entendimento sobre como se dá o desenvolvimento de atividades terapêuticas em Centros de Atenção Psicossocial – CAPS.

A conclusão desta produção, possibilitou a realização de apresentações em diferentes contextos, como Mostra de produções de curtas audiovisuais no município de Novo Hamburgo, aula aberta para discussão dos trabalhos acadêmicos produzidos pelas residentes multiprofissionais em saúde mental, participação no encontro nacional alusivo aos 30 anos sem manicômios em Bauru, além da estreia realizada em reunião geral das equipes dos serviços em saúde mental do município.

 

Considerações finais

É de suma relevância salientar que apesar de um cenário político desfavorável à organização de espaços coletivos, este trabalho concretizou-se exatamente pelo fato de ser construído a nível coletivo, demonstrando assim a força das organizações coletivas em tempos de desmontes. Ainda que tenhamos resistido à lógica de desmanche da políticas públicas, uma limitação da produção foi não problematizar os nossos manicômios mentais reproduzidos cotidianamente em serviço substitutivos.



Palavras-chave


Documentário; Protagonismo; Reforma Psiquiátrica