Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Novas práticas no cuidado ao usuário com dores osteomusculares crônicas: reinventando apostas e enfrentando o instituído no município de São Bernardo do Campo (SBC)
Paula Bertoluci Alves Pereira, Valéria Monteiro Mendes, Larissa Ferreira Mendes dos Santos, Laura Camargo Macruz Feuerwerker

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação: Este trabalho integra a pesquisa Avalia quem pede, quem faz e quem usa (2013-2017) e se inscreve nas análises da Rede de Observatórios Microvetoriais de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde, pela qual temos explorado análises de políticas públicas em cinco frentes. Destas, a Política Nacional de Atenção à Pessoa com Deficiência e os arranjos fabricados a partir da implantação de um CER IV em SBC (2009-2016), bem como a reorganização da reabilitação no município. Adotamos a cartografia como metodologia, na qual o método é o encontro. Das tessituras produzidas na linha de cuidado à pessoa com deficiência, a do cuidado às pessoas com dores osteomusculares crônicas (DOC) ousou fabricar arranjos que envolveram gestores e trabalhadores de diferentes pontos da atenção, dados os desafios instalados. Um fazer a muitas mãos que apostou na costura de uma rede que desse visibilidade às disputas e aos nós relativos ao cuidado e que estivesse conectada com a produção de vida. A necessidade de discussão sobre o cuidado era pungente, considerando a recorrência do tema das DOC nos encontros de Educação Permanente (EP) do apoio em rede e nos territórios, devido às vivencias cotidianas das equipes (atenção básica, especialidades, território). Isso motivou a ampliação do debate com representantes da gestão da atenção básica, regulação, urgência/emergência e atenção especializada), no qual encomendou-se aos apoiadores que trouxessem o panorama dos territórios em que atuavam (incluindo tensões e atravessamentos). Das questões problematizadas, que subsidiaram a produção de estratégias para a reorganização do cuidado, citamos: a dificuldade no manejo daqueles usuários pela atenção básica (AB) e atenção especializada; o aumento significativo da demanda para reabilitação traumato-ortopédica devido as cirurgias no Hospital de Clínicas Municipal, que detinha a prioridade de atendimento nos serviços de reabilitação do município em detrimento dos usuários com DOC; indefinição do fluxo e o acesso burocrático dos usuários à fisioterapia; sobreposição de encaminhamentos de usuários mais complexos que permaneciam concomitantemente nas filas de especialidades médicas e de fisioterapia; número elevado de usuários com lombalgia que buscavam as Unidades de Pronto Atendimento e o Hospital Pronto Socorro Central, culminando apenas em tratamento medicamentoso (analgesia). Os usuários encaminhados à ortopedia, fisioterapia e reumatologia apresentavam de 41 a 60 anos e as hipóteses mais frequentes eram dorsopatias, artropatias (osteoartroses e inflamatórias). Desenvolvimento: Diante destes desafios movimentos foram produzidos, como o projeto da fisioterapia territorial em quatro territórios (dos nove de SBC), que apresentavam o maior número de encaminhamentos às especialidades em discussão. Apostava-se na atuação do fisioterapeuta em outra perspectiva: inserir este profissional na AB pela contratação de novos profissionais em vez de ampliar a contratação de ortopedistas. Buscava-se viabilizar várias interlocuções: a) realizar reabilitação e educação em saúde dos usuários nas UBS; b) pautar a DOC nas equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), por meio do matriciamento nos espaços de EP – reuniões gerais, técnicas e de equipes, nos grupos nas UBS e nas consultas compartilhadas. Destaca-se quanto ao primeiro ponto, a implantação de grupos de cinesioterapia (geridos e monitorados pelo fisioterapeuta de referência para o território), privilegiando-se recursos terapêuticos de baixo custo e a definição do número de encontros (ciclos). A fisioterapia territorial possibilitou o acesso ao tratamento de usuários, principalmente daqueles com dificuldade para chegar ao CER pela distância do serviço em relação aos territórios, havendo a redução do absenteísmo e a procura por pronto-atendimento. Usuários que necessitavam de outros recursos eram encaminhados para uma equipe multiprofissional do CER (implantada como parte dos arranjos para pessoas com DOC), composta por homeopata, acupunturista, ortopedista, psicóloga, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta (com possibilidade de construção do projeto terapêutico de forma interdisciplinar). Apesar da reorganização dos serviços de reabilitação osteomuscular e traumato-ortopedia e das experiências locais com inserção do fisioterapeuta na AB, o fluxo de regulação ainda era burocrático e o acesso ao CER limitado, devido a capacidade instalada ser insuficiente para a demanda do município. A possibilidade de encaminhamento para fisioterapia pelo generalista resultou numa espécie de transposição da fila de espera, havendo a diminuição de encaminhamentos aos médicos especialistas (também pelo matriciamento operado por ortopedistas e reumatologistas) e um aumento (significativo) à fisioterapia. Resultados: A experiência reforça a necessidade de produzir outras ofertas na AB e de se repensar a composição das equipes ESF para além do médico, enfermeiro e ACS. Incluir novos atores na AB pode favorecer a diversificação das ações em saúde e dirimir o vazio assistencial que impera em muitos territórios e não se limita à reabilitação física. Ademais, apostar na EP dos trabalhadores é essencial para não persistirmos na repetição do atual modus operandi. A experiência dos primeiros grupos de fisioterapia territorial evidenciou a importância de aproximar a reabilitação da AB, havendo a necessidade de problematizar seu lugar na rede de saúde. Ressalta-se que após o término de um dos ciclos do grupo, usuários produziram encontros em espaços públicos para a continuidade das práticas corporais apreendidas durante o tratamento. Disso impõem-se a questão: a fisioterapia pertence apenas à atenção ambulatorial especializada, sendo entendida como um lugar específico de atenção? Percebe-se que é fundamental explorar as ofertas existentes em cada território, considerando o desafio em dar sentido às reinvenções dos usuários com DOC quanto ao modo de seguir a vida. Evidencia-se que produzir vida e ressignificar a dor precisa transpassar os muros dos equipamentos de saúde. Tal tarefa deve necessariamente incluir o protagonismo dos usuários, com os diferentes suportes de que necessitem. É premente fortalecer programas e atividades existentes nos territórios, questionando se olhamos e recolhemos no cotidiano as necessidades dos usuários quando propomos novas ofertas. Considerações Finais: Em SBC, o tema das DOC invadiu vários espaços da gestão central, dando visibilidade aos conflitos e disputas entre os departamentos e à urgência de ressignificar o cuidado (fragmentado e médico centrado). Evidenciou-se a necessidade de rever a forma de operar o cuidado, frequentemente limitado ao consumo de consultas médicas e de encaminhamentos aos serviços de urgência para o alívio da dor. Nesse sentido, as experiências em alguns territórios (dos apoiadores e de equipes ESF) e o projeto da fisioterapia territorial subsidiaram a construção de ofertas para o cuidado contínuo dos usuários próximo a sua moradia (grupos de dor e de exercícios físicos.). Isso possibilitou a discussão do cuidado oferecido às pessoas – antes presas a um itinerário de cuidado pouco resolutivo que foi reconstruído para uma realidade em que foi possível fabricar mais vida. Tais experimentações nos convocam a compartilhar alguns questionamentos: Qual o lugar do cuidado ao usuário com dor crônica? Quais as desconstruções necessárias para produzirmos o cuidado em rede? Quais as tensões e resistências que se evidenciam a partir do modo hegemônico operado pelo médico e pela equipe de reabilitação, principalmente nos serviços de fisioterapia? O arranjo produzido em SBC na última gestão (2009-2016) foi inovador, porém alguns desafios e tensionamentos permaneceram. Destes, a baixa visibilidade em alguns territórios sobre o cuidado produzido no CER e a articulação restrita entre o CER e a AB, a limitada a sustentabilidade de articulações construídas, bem como alguns movimentos produzidos no cotidiano que se restringiam a casos acompanhados especificamente por apoiadores e equipes de ESF. Assim, vale o reconhecimento da potência da invenção local para superar limites das proposições nacionais, sobretudo pelo desmonte produzido pela atual gestão municipal.


Palavras-chave


Produção do cuidado, Micropolítica do cuidado, Dor crônica