Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-27
Resumo
Este relato de experiência se propõe a estimular a construção de um exercício reflexivo sobre a prática da visita interdisciplinar e sua potência na construção da clínica do sujeito, do trabalho em equipe e da contra hegemonia no cuidado em saúde, através do estudo descritivo da vivência de uma equipe multiprofissional, no Hospital das Clínicas da UFBA. No campo da saúde reconhece-se, cada vez mais, a equipe enquanto um recurso capaz de dar suporte a ações clínicas inovadoras. Todavia, a formação da equipe não se dá de modo automático, faz-se mister construir esse trabalho, o que demanda um exercício permanente de discussão, avaliação das condutas e partilhamento das responsabilidades frente aos usuários e famílias, significando o agir em saúde e o fazer clínico como um trabalho vivo em ato. O conceito de transferência de trabalho, discutido por Lacan, que diz respeito ao trabalho com responsabilidade partilhada, fazendo circular o saber que advém do sujeito e não do profissional, é o pressuposto teórico-epistemológico que norteia a discussão proposta. Criada em dezembro de 2015, a visita interdisciplinar foi construída a partir do reconhecimento pela equipe de referência da enfermaria de cardiologia da necessidade de engendrar mudanças nos modos de cuidar e gerir cuidado, orientando o saber-fazer para lógica sujeito-centrada. Participam da visita: psicóloga, médicos cardiologistas, assistente social, farmacêutica, enfermeiras, nutricionista, fisioterapeuta, residentes multiprofissionais, residentes médicos, estagiários de psicologia e farmácia e internos de medicina. A visita ocorre semanalmente e nesse espaço são discutidos os casos e os projetos terapêuticos singulares dos usuários internados na enfermaria. Entretanto, no cotidiano das visitas algumas questões são permanentes: O que se deve partilhar? O que partilhar mantendo o olhar centrado no usuário? As experiências nas visitas trazem como resultados um horizonte de respostas para estas indagações. Partilha-se os elementos fornecidos pelo sujeito que funcionam como pistas para o tratamento, para o seu projeto terapêutico singular. O objetivo é fazer o sujeito aparecer, um convite sutil para que a equipe possa pensar o caso a partir dos elementos trazidos pela sua narrativa e não pela convergência de saberes múltiplos dos profissionais que terminam por produzir um saber sobre o sujeito. Mas, este convite não se dá sem tensões, uma vez que sua matriz é contra hegemônica no espaço do hospital que tem seus fazeres e práticas orientados pelo paradigma biomédico, cujo objeto é um corpo-organismo. Com a participação nas visitas interdisciplinares foi possível identificar como resultados o impacto das trocas e discussões promovidas nesse espaço no cuidado ofertado aos usuários e na sua implicação no autocuidado, uma vez que todo o plano terapêutico era compartilhado, estruturado a partir das situações singulares e não-previstas que cada caso convocava. Estes achados da experiência permitem considerar que a participação na visita interdisciplinar faz com que nos defrontemos com um campo comum que é a clínica, uma clínica que se tece a partir dos endereçamentos do sujeito para nós e dos efeitos das nossas intervenções. Assim cada um da equipe pode se tornar um parceiro da clínica, a clínica do sujeito.