Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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INTERFACES ENTRE A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E JUVENTUDE
Luana Pereira Pereira do Nascimento Lima

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


O trabalho que ora é desenvolvido versa suscitar questionamentos quanto à política de saúde mental no Brasil atentando para as relações do uso de substâncias psicoativas (SPA) e juventude. Perfazendo a gama dos direitos sociais no âmbito da política de saúde o Movimento de Reforma Psiquiátrica, iniciada no final de 1970, período de redemocratização no Brasil aponta inquietações no horizonte da necessidade do cuidado em liberdade. Nesse interim novas formas de intervenções do Estado brasileiro emanam, influenciada pelas novas configurações sociais e históricas. Foi apenas no início dos anos 1990 que algumas iniciativas forjaram um olhar ampliado para a situação de saúde dos usuários de SPA, como exemplo, podemos citar algumas estratégias de Redução de Danos que objetivava reduzir os impactos da transmissão de doenças, sobretudo as DSTs/AIDS entre usuários de substâncias injetáveis. Outro avanço na política de atendimento foi a portaria 3.088/2011 que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que estabeleceu a organização dos serviços de saúde mental nos níveis de atenção à saúde primária, secundária, terciária e definiu o Centro de Atenção Psicossocial(CAPS) como centro da RAPS.  O uso de SPA conhecidas popularmente como drogas é um fenômeno milenar, no entanto, o debate acerca do uso problemático destas passa a ser difundido internacionalmente a partir do final do século XIX. Ao falar em problema desperta no imaginário social diversas categorias, das quais estão socialmente relacionadas, ora diretamente, ora indiretamente, tais como as juventudes, violência, pertencimento e cultura. Nos interstícios entre a saúde mental e juventude nos deparamos com uma realidade instigante, e é desta forma que surgiu este estudo, a qual objetiva analisar a trajetória de 10 usuários de SPA internados na Unidade de Desintoxicação (UD) do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto e as relações de cuidado, estabelecidas nesse caminhar. Para isso foi traçado o perfil socioeconômico dos usuários, apreendendo a visão destes acerca das práticas de cuidados recebidas em suas trajetórias de vida. Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada por meio de observação direta, registro em diários de campo e entrevistas semiestruturadas. Foram seguidas as normas da resolução Nº 466/ 2012, que aprova as diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi submetido ao Centro de Estudos Pesquisa (CEAP) do referido Hospital e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) via Plataforma Brasil, parecer Nº 1906.604. O percurso das políticas públicas para usuários de substâncias psicoativas no Brasil é repleto de caminhos íngremes, curvas acentuadas, pontes, e até abismos que separam o cuidado dos sujeitos.  Diante das diversas problemáticas que atravessam o debate sobre a questão do uso problemático de SPA é imprescindível conhecer quem são esses sujeitos, suas percepções, interesses, seu território, as refrações da questão social que perpassam as relações socioeconômicas, corroborando com a efetivação de uma política integral, percebendo os indivíduos em sua totalidade. Assim, elaboramos uma análise do perfil socioeconômico dos usuários entrevistados através de indicadores que permitem conhecer quem são esses indivíduos, de onde falam, quais suas vivências e as condições de existência na sociedade capitalista. Os usuários entrevistados relataram que o primeiro contato com as SPA se deram na adolescência, período em que frequentavam a escola, ou nas rodas de amizades/comunidade ou até mesmo no meio familiar, no contexto de festas, comemorações, sempre apontando a necessidade de serem reconhecidos pelos seus pares. Com relação à escolaridade 60% dos usuários não concluíram o ensino médio e 90% fizeram uso de álcool, entre 12 e 17 anos.  É pertinente ressaltar que embora o álcool seja uma substância proibida para menores de 18 anos, o que se apresenta é o contato cada vez mais precoce com a referida substância. Isso também se deve a uma construção social em torno da virilidade masculina, contextos de uso na família, curiosidades, dentre outros. Afinal, as propagandas em torno do uso de álcool vendem uma imagem de alegria, boemia, dominação, etc. O uso do álcool conforme as falas revelam surgiu de uma forma sutil, sem pretensões de migrar para outras SPA. No entanto, as condições reais, vivenciada pelos jovens de não acesso a Políticas Públicas, principalmente com ausência de ações educativas direcionadas para esse segmento, tornou-se um caminho de fácil acesso para o uso de substâncias ilícitas, além disso é relevante destacar os conflitos familiares citadas como motivadoras/geradoras de uma fuga da realidade. Embora haja o descrédito da sociedade frente ao usuário de SPA, sobretudo as ilícitas, a pesquisa aponta diversos tipos de uso que transitam entre a busca por novas experiências, fugas da realidade e a busca por prazeres que superem condições de sofrimento, inclusive conflitos existenciais. Na pesquisa foi perceptível que o diálogo entre as políticas públicas e juventude ainda são frágeis, pois hegemonicamente as responsabilidades de proteção social se detém no âmbito da educação, em contrapartida as demais dimensões da vida social (cultura, arte, esporte, econômicos, comunitários) são pontuais e celetistas. Foi possível identificar a partir de uma leitura crítica da realidade de que forma os determinantes sociais estão presentes no cotidiano e como influenciaram no contato com as SPA. Frente a proposta  hegemônica de cuidado através da abstinência trazida nas políticas sobre drogas no Brasil surge a proposta da Redução de Danos a qual  tem possibilitado o desenvolvimento de abordagens terapêuticas para pessoas que não querem suspender o uso de drogas, entendendo que o contrário da dependência não é a abstinência, o contrário da dependência é a liberdade. A dependência aprisiona, o tratamento deve buscar o protagonismo e a autonomia. As falas revelam a relação de uso problemático interferindo diretamente nas relações familiares, educacionais, laborais, dentre outras. Como questionamento surge o seguinte: como o Estado tem se aproximado desta juventude, quais as estratégias utilizadas. Destarte, na defesa de uma rede intersetorial, situamos a necessidade de analisar quais os caminhos percorridos pelos usuários que em sua maioria não contam com suporte psicossocial, as oportunidades suprimidas e as múltiplas dimensões que envolvem o sujeito e que muitas vezes fica relegado a medidas de internações, quando o uso acaba atingido de forma drástica como é o caso de intoxicação por SPA.  É preciso um projeto terapêutico que considere o contexto sociocultural do sujeito e que contribua para o atendimento e reabilitação. Outra relação apontada pelo usuário refere-se à dicotomia do certo versus errado, tendo a abstinência como o padrão correto a ser seguido. A partir dessas interlocuções muitas inquietações foram geradas, à medida que temos existentes três vertentes predominantes: moralista, criminalista e proibicionista. Diante dos diversos documentos e legislações percebemos que o desafio da Reforma Psiquiátrica permanece, ao passo que hospitais gerais e uma grande parte dos serviços de saúde resistem o cuidado a esse público, os quais sempre atribuem a responsabilidade de cuidado aos CAPS e Hospitais Psiquiátricos. Antagonicamente, percebemos a ampliação e a legitimação de modelos que vão na contramão da  política de redução de danos, pois a maioria  dos serviços seguem o modelo de abstinência, como é o caso das Comunidades Terapêuticas, Hospitais psiquiátricos e infelizmente na realidade de  CAPS- AD, visto que a prática de cuidado através da redução de danos depende de um olhar ampliado do profissional frente a realidade do usuário que precisa ser melhor ampliado e difundido.

Palavras-chave


Saúde Mental; Cuidado; Juventude