Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ENVELHECER: TEMPO, ESPAÇO, GÊNERO E CAPITAL SOCIAL.
Maria Francinete Francinete Oliveira

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


A pesquisa autobiográfica é centrada no ser humano que, utilizando a memória, autobiografa-se, seja narrando fatos comuns de sua vida, seja refletindo sobre seu processo de construção de conhecimento profissional, permitindo-lhe novas leituras. Utilizando o método autobiográfico, temos como objetivo, neste trabalho, fazer uma análise das vivencias em Programas para pessoas idosas, enquanto professora das disciplinas Atenção Integral à Saúde da Pessoa Idosa (1998 a 2004) e Enfermagem Gerontológica (2014 a 2017), ambas ministradas no curso de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A pertinência desta narrativa se inscreve no fato de que o vivido, o presenciado e discutido não está escrito em livros e texto sobre o tema. A análise se organiza em torno de duas ideias centrais – tempo e espaço – tendo como catalizadores as categorias gênero e capital social.   Com relação ao tempo observamos que a velhice é cada vez mais negada. Basta vê sua ressignificação nos eufemismos dos Programas Assistenciais – 3ª Idade, Melhor Idade, Idade Ativa, entre outros. Busca-se permanecer no tempo da juventude, mesmo que se esteja utilizando um espaço, que só existe porque a pessoa é velha, como por exemplo, o atendimento preferencial. É possível que a incapacidade em abordar o tempo da velhice vem, em parte, do fato de que a experiência temporal se manteve estruturalmente inalterado no tempo da juventude: época de transição com o prazer de viver e a responsabilidade de se estruturar um capital social e econômico (Projetos de Vida). A preocupação com os novos espaços sociais, criados a partir de novos papeis e identidades, próprias da velhice, levam-nos a esquecer de que o tempo não para. Enquanto adultos participamos de uma vivencia geracional compartilhada: é a infância do filho/filha, sobrinho/sobrinha; depois vem a adolescência e o “tornar-se igual” a nós, como pais e mães, ou seja: quando pais/mães, filhos/filhas encontram-se na mesma fase da vida: a velhice. Em rodas de conversas formais e informais é comum ouvirmos uma frase na qual não podemos identificar se há uma afirmativa, uma interrogativa ou uma exclamativa: Nossa! Eu já sou avó?!. Mas não me sinto velha. Depois torna-se bisavó, tataravó, festeja o aniversário de 90 anos, mas não se sente velha, pois essa é uma condição social que não se deseja assumir. É nesse emaranhado de ser, estar e sentir que o envelhecer torna-se, também, uma questão de tempo e espaço e escamoteia o ciclo da vida. Como vivemos em uma sociedade estruturada e estruturante a velhice, assim como qualquer fase do ciclo de vida humana, tem marcador etário. Nas três últimas décadas a população idosa cresceu demograficamente e, consequentemente, como problema social. Hoje ela pode ser vista em diversas molduras, mostrando uma pluralidade na forma como a pessoa idosa se percebe e é percebida pelos outros (indivíduo, família, grupo social e sociedade). Em uma delas está o consumo cultural, como prática do culto ao corpo, apoiado num discurso de “qualidade de vida”. A idade cronológica para o início da velhice, no Brasil, varia entre sessenta e sessenta e cinco anos. Isso lembra o soneto de Vinicius de Morais sobre o seu sessentenário (ou o de Rubens Braga), cuja primeira estrofe diz: sessenta anos não são sessentas dias. Nem sessenta minutos, nem segundo...Não são frações de tempo, são fecundos zodíacos em penas e alegrias. Penas e alegrias é o que se observa em vários cenários que a vida profissional nos fez enxergar. Neles é possível identificar vários tipos de avós: que são responsáveis, totais ou parciais, pela criação e educação de netos e netas; avós para o lazer; avós não colaborativas (tempo da avó; espaço da avó), entre outros. Enquanto estudiosas e observadoras do envelhecimento humano é possível inferir algumas considerações. Nos grupos para a 3ª idade novas amizades são formadas. A maioria não admite que são velhas, mas advogam que o tempo e espaço são delas e para elas. No que concerne a síndrome do ninho vazio, ela é praticamente zero para as mulheres que participam desses grupos, dos grupos primários de existência e/ou são responsáveis pelos cuidados direto com os netos e netas. Neste último caso, o uso das novas tecnologias e o convívio diário com jovens, reforçam a ideia de juventude, “apesar da idade”. Muitas tornam-se avós antes da menopausa passando a ter responsabilidades com filhos (as) e netos(as) ainda na primeira infância. Um pequeno número de mulheres, admitem que estão velhas e o tempo é para elas. Colocam-se em primeiro lugar. Aproveitam a vida enquanto podem andar, conversar, reconhecer o outro e a si própria. Olha-se no espelho e se reconhece em sua geografia corporal esculpida pelo tempo. Percebem que o que as movimentam é a vitalidade e não a ideia do Ageless (sem idade) ou da juventude eterna. Observamos, também, que os grupos mais ativos têm um percentual elevado de mulheres que ainda não estão na 3ª idade. Inferimos que este dado mostra a falta de espaço social para as mulheres que estão no climatério, obrigando-as a uma velhice precoce. No contexto das diferenças de gênero observamos que os grupos são, predominantemente, formados por mulheres, daí justifica-se nossa atenção sobre essa categoria. Esta variável contribui para o desenvolvimento de atividades caracterizadas como femininas, tais como: bordado, pintura, crochê, entre outras, restando aos homens apenas as atividades recreativas pacatas, como o jogo de baralho e dominó. Também é sobre o corpo feminino que se tem um investimento médico e estético muito mais acentuado, comparando-se aos homens. Os novos espaços sociais, com seu capital social e relações de gênero baseadas na equidade, empenhados em construir novas imagens culturais associadas a homens e mulheres idosas, mostram que, apesar da idade é possível estabelecer e criar novos projetos afastando, sobremaneira, a associação entre velhice e doença. A redefinição dos valores e da identidade nessa fase da vida e, essencialmente, a partir da meia idade posterga as chamadas doenças da velhice tão onerosas para a pessoa, sua família e a nação. Mesmo reconhecendo que há uma nova imagem da velhice não podemos negar que ela foi construída a partir de um modelo de juventude idealizado pela mídia e pelo discurso médico incorporado ao senso comum. Envelhecer é uma fase da vida que se constrói num processo longo, gerando um corpo simbólico que resulta das construções sociais e culturais e um corpo biológico determinado pela genética e modo de vida. Utilizar gênero como categoria de análise auxilia no desenvolvimento de ações sociais que levam a integração e participação de homens e mulheres e auxilia, também, na busca de metodologias que ajudam na incorporação de novos hábitos que controlam ou evitam as desordens orgânicas crônicas. Além disso, permita que se perceba do mais explícito ao mais sutil preconceito advindo das diferenças de classe, geração e raça/etnia. Já a categoria capital social pode ser útil para que possamos relacionar o seu uso com as condições gerais de saúde da população idosa, e, a partir dos achados, elaborar programas mais centrados nas reais necessidades da população em questão. Pensar no espaço, tempo, capital social e gênero do envelhecer é permitir que as pessoas tomem consciência de si, como ser social, incorporada em uma realidade social, sujeito de sua história e não objeto de consumo.


Palavras-chave


velhice, capital social, gênero