Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
O Monitoramento dos Registros de Procedimentos CAPS como um Processo Ético-Político para a Consolidação da Reforma Psiquiátrica
Grécia Rejane Nonato de Lima, Gabriella Santos Wrublewski, Jackeline Alves de Lucena Tabosa, Priscila Macedo Catarino

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


No Brasil, o processo da Reforma Psiquiátrica, advindo da luta dos movimentos sociais dos trabalhadores de saúde e familiares dos usuários de Saúde Mental, instituiu uma política que garante os princípios primordiais do Sistema Único de Saúde (SUS), os direitos da pessoa em intenso sofrimento psíquico, a autonomia do sujeito e o cuidado de base territorial e comunitária. Assim, a Política Nacional de Saúde Mental, instituída pela Portaria Nº3.088/2011, dispõe sobre a implantação de serviços substitutivos ao modelo asilar, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), organizados em uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Considerando as singularidades presentes em cada território e o compromisso com a garantia da universalidade, equidade e integralidade, princípios do SUS, os CAPS’s constituem serviços de referência no cuidado e articulação com as Redes de Atenção à Saúde, produzindo indicadores estratégicos para sua avaliação.

O processo de avaliação de serviços, e monitoramento de indicadores, é uma das estratégias do SUS imprescindíveis para o planejamento e organização em saúde. Tal importância deve-se não só à questão “produção dos serviços versus financiamento e custeio”, mas também possibilitam aferir a qualidade do cuidado ofertado. Assim, a Tecnologia da Informação em Saúde torna-se importante aliada nos processos de gestão, fundamentando e fortalecendo o planejamento de estratégias e produção de dados que norteiam as políticas públicas e a tomada de decisões no campo da saúde.

Apesar dos avanços no âmbito dos sistemas de informação no país, ainda há inúmeras dificuldades no seu desenvolvimento e aplicabilidade, compreendendo que esses dados passam por diversos processos, iniciados com o preenchimento de fichas e formulários pelos profissionais dos serviços, até o processamento e produção da informação. Deste modo, faz-se necessário discutir os relatórios gerados através deste registro da informação e qualificar as equipes para que os dados sejam os mais fidedignos possíveis, retratando a realidade dos dispositivos de saúde.

A tecnologia da informação é base para importantes processos políticos nas redes de atenção à saúde. A saúde mental, todavia, ainda está aquém da implementação ideal no que se refere ao registro oportuno, monitoramento e avaliação de indicadores, principalmente quando comparado à outras áreas da saúde no âmbito nacional. Assim, este resumo visa apresentar a experiência vivenciada durante oficinas idealizadas para efetivar a informação em Saúde Mental, realizadas pela VIII Gerência Regional de Saúde do Estado de Pernambuco, em parceria com a Coordenação Municipal de Saúde Mental do município de Petrolina-PE e a Residência Multiprofissional em Saúde Mental da Universidade do Vale do São Francisco-UNIVASF, considerando como público alvo os profissionais da RAPS de Petrolina-PE.

O objetivo dos encontros foi discutir o preenchimento dos impressos utilizados para registro da informação nos CAPS’s de Petrolina/PE, instituídos através da Portaria nº 276/2002 (ficha de Registro de Ações Ambulatoriais em Saúde-RAAS, Boletim de produção Ambulatorial Individualizado-BPA-I e Boletim de Produção Ambulatorial Consolidado -BPA-C). Com o sentido de qualificar o registro referente ao processo de cuidado nos serviços, a partir da percepção de inconformidades entre os dados apresentados nos relatórios gerados pelo Sistema de Informação Ambulatorial (SIA-SUS) e a realidade das ações desenvolvidas pelos serviços.

Tendo em vista os processos vivenciados atualmente no campo da Saúde Mental, com a tentativa de alterações importantes no direcionamento da Política Nacional de Saúde Mental e de retrocessos das conquistas da Reforma Psiquiátrica, entende-se que esses dados produzidos pelos CAPS’s e por outros serviços da RAPS, constituem importante instrumento ético-políticos. Desse modo, as oficinas tensionaram a construção de uma compreensão mais ampla na perspectiva da micropolítica acerca da importância da qualidade da informação registrada.

As oficinas foram organizadas de modo a possibilitar a maior participação dos profissionais das equipes dos três CAPS’s de Petrolina (CAPS II, CAPS infantojuvenil- CAPSi e CAPS álcool e drogas III - CAPSadIII), sendo realizada uma oficina em cada um dos espaços. Assim, os profissionais dos serviços e os profissionais da gestão puderam discutir impasses e dúvidas, construindo estratégias para a qualificação dos dados e, posteriormente, da informação gerada a partir do preenchimento das fichas de registro no SIA-SUS.

Inicialmente foi realizado um breve momento de apresentação, ressalta-se que quase unanimemente os profissionais referiram a atuação no CAPS como sua primeira experiência com preenchimento de RAAS, BPA-I e BPA-C. Torna-se válido também observar que, após a mudanças dos instrumentos de registros do CAPS no ano de 2002 não houve qualificação quanto à sua utilização pelos profissionais. A partir deste primeiro contato, foi apresentado aos profissionais o objetivo das oficinas, uma breve introdução ao sistema de registros e produção de informações a partir do SIA-SUS, bem como sua importância para o planejamento estratégico de ações pela gestão.

Ao longo da discussão, foram considerados os relatórios consolidados das ações ambulatoriais por serviço conforme o processamento e disponibilização dos dados pelo SIA-SUS no período de janeiro a agosto de 2017.  Durante a discussão desses dados, as equipes referiram inconsistência nas informações geradas pelos relatórios, apontando para o subregistro das atividades quando comparado a outras fontes de anotações realizadas no cotidiano. Em outro âmbito, pode-se perceber que, além de dúvidas com relação ao preenchimento dos códigos dos procedimentos e quanto à identificação da ficha de competência para registro de cada ação, falhas nas etapas de alimentação do sistema e exportação dos dados para o sistema podem também justificar tais inconsistências. Deste modo, discutiu-se a importância das equipes monitorarem e avaliarem periodicamente esses dados, a fim de identificar e corrigir, em tempo hábil, erros neste processo.

Em seguida, foram apresentados os procedimentos que compõem cada ficha de registro utilizada nos CAPS, e sua descrição, para que os profissionais pudessem melhor compreender onde poderia ser registrada cada ação desenvolvida. Cada procedimento que compõe os instrumentos possuem um fundamento embasado pela perspectiva da Reforma Psiquiátrica e culminam na produção de elementos que refletem o trabalho do profissional permitindo a análise oportuna da realidade assistencial prestada. O profissional, por sua vez, deve conduzir o planejamento das ações através da apreciação dos elementos encontrados, estabelecendo uma rotina de avaliação dos relatórios de atividades dentre os papéis desenvolvidos pelo serviço.  Muitas dúvidas surgiram nesse momento, o que demonstra a importância de a gestão estar atenta aos processos de qualificação dos novos profissionais que passam a compor as equipes, bem como investir em educação permanente.

Por fim, após intensa discussão e construção de estratégias para os problemas levantados, foi realizado o momento de avaliação da oficina em cada um dos serviços, com a finalidade de melhores intervenções em outros momentos e de identificar, junto às equipes, sugestões de temas para as próximas discussões. No geral, os profissionais relataram satisfação em relação à metodologia apresentada e referiram o esclarecimento das dúvidas, não somente quanto ao preenchimento e alimentação dos dados, mas também acerca da função e importância da fidedignidade das informações no SIA-SUS.

Mais do que dados e números que representam a produtividade dos serviços da RAPS, a correta alimentação dos sistemas de informação, no campo da saúde mental, permite a avaliação dos processos de cuidado construídos nos serviços e a aproximação com o objetivo maior dos CAPS’s: o cuidado singularizado e de base territorial. Compreende-se que registrar, monitorar e avaliar são instrumentos de gestão, mas também são compromissos com um modo de cuidar que, para além da ética profissional, representa uma escolha política, consolidando a efetivação da saúde mental.



 


Palavras-chave


Monitoramento; CAPS; Reforma Psiquiátrica