Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A ação cartográfica-institucionalista como tática na gestao: experiências de grupalidade na saúde indígena da Bahia
LEONARDO MENDES, LARISSA SILVA

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Este trabalho trata de processo micropolíticos experimentados no contexto da saúde indígena no Distrito Sanitário Especial Indígena da Bahia, acentuados a partir das mudanças governamentais no âmbito federal nos últimos anos. Serão analisados alguns impactos e movimentações nas dinâmicas organizacionais no domínio local, lançando maior atenção nos processos de grupalidades a nível setorial e distrital.

Lançamos mão do que aqui chamamos de ação cartográfica-institucionalista, por aliar o método da cartografia com a perspectiva na análise institucional, como tática para análise e intervenção no cotidiano de trabalho na gestão. Também se inscreve enquanto dispositivo de produção de escrita e conhecimento a partir das experimentações vividas e em andamento. Seu exercício cartográfico, a atenção à espreita tem potencializado compreender alguns funcionamentos grupais e organizacionais, assim como encontrar as pistas para ação. Experimentações estas que também abrem frestas para compreensão de componentes dos processos de subjetivação na contemporaneidade.

O Distrito Sanitário Especial Indígena da Bahia é uma unidade descentralizada da Secretaria Especial de Saúde Indígena, responsável pela execução da política de saúde indígena a nível central, tendo em vista constar enquanto dever da União assumir a gestão da política pública correspondente. A Divisão de Atenção à Saúde Indígena é, a nível distrital, o setor que trata diretamente da gestão dos processos de atenção à saúde dos povos indígenas da Bahia, com a missão de ofertar a atenção básica às populações aldeadas. Nela situa-se uma equipe multiprofissional que atua nos processos de gestão e na responsabilidade técnica das ações programáticas, sendo institucionalmente nomeados Responsáveis Técnicos.

Diante do cenário apresentado, tem-se vivenciado a nível local, os feitos e efeitos da macro e micropolíticas no âmbito distrital e governamental.  Dentre estes, os fenômenos de grupalidade da equipe de trabalho tem passado por diversas situações e configurações de trabalho, das mudanças de gestão às suas distintas atuações nos últimos tempos. Dentre a lista de ocorridos, destacamos e analisamos alguns aspectos do que entendemos como componentes dos processos de mudança de gestão e de seus funcionamentos. A mudança abrupta da gestão distrital e demais cargos decorrentes e instauração da instabilidade nos processos de trabalho na organização; a realização de demissões em série, junto à proliferação de ruídos comunicacionais e de improbidades administrativas contribuindo na instalação gradual de regimes de signos paranoicos e amedrontadores; acrescentam-se as tentativas de descaracterização injuriosa das gestões anteriores; a manipulação do controle social por meio da produção discursiva desprovida de evidências e fatos comprobatórios; os investimentos em aniquilação da oposição interna; a consequente diminuição da força de trabalho. Tudo isso teve como efeito primeiro uma paralisia organizacional, sintoma institucional percebido em setores diversos, mostrando as concomitâncias com macro processos governamentais. Do âmbito setorial ao distrital, ainda se presencia, em mais de um ano de gestão, os processos de dominação, resignação, rejeições e fracassos, contrapostos aos de resistência, resiliência, conquistas parciais, invenções e re-existências.

Constata-se também a previsibilidade e reprodução das práticas gerenciais voltadas à publicidade/marketing, às vaidades e aos delírios do poder, contrárias ao diálogo e às construções coletivas, produzindo influências diretas na grupalidades. Quanto à proposição de projetos para a política pública em questão, percebe-se, desde os documentos aos modos de condução, a indefinição, inadequação e outrora até a inviabilidade de efetivação dentro da organização, em especial pelo desfavorecimento do clima organizacional. Este se caracterizaria principalmente pelo mal-estar institucional decorrente, cujo aumento da incidência de adoecimentos, das seriais remoções feitas por servidores (a pedidos dos mesmos ou imposta), de licenças, atestados médicos e solicitações de remoção por relatório médico. Todavia, a grupalidade setorial produzida nos anos anteriores e no decurso tratado, alicerçada na coletivização dos processos de trabalho e na atuação dialógica e de cuidado, inclusive com o controle social, tem mostrado suas potências ao apresentar os resultados positivos, contrastando com os fracassos gerencias das posturas hierarquizadas, que mais criam resistências do que adesões aos seus projetos. Muitas vezes, tem sido necessária a ancoragem em processos instituídos, o planejamento, por exemplo, para negociação com a gestão, o que tem permitido efetuar cortes em determinados processos disparados pela gestão, juntamente com os ganhos secundários de reposicionamento grupal nos jogos de poder da organização. A previsibilidade da gestão também tem se mostrado uma chave para manutenção de projetos e planejamentos, assim como para aceitação de proposições novas.

Tem se percebido que a resistência, entendida a nível consciente como negação à obediência, e a nível inconsciente na paralisia inicial dos corpos diante dos impactos das decisões institucionais, do nível local ao federal, pôde-se transformar, principalmente com os processos de grupalidade, em vias de re-existência. Assim, associações transitórias e/ou permanentes continuam se reconfigurando e se tecendo. Desde entre colegas de trabalho do setor em mesmo nível hierárquico a níveis distintos de hierarquia (com as chamadas chefias imediatas). Alianças estas que permitem criar frestas de espaço-tempo para análises coletivas dos processos organizacionais e elaboração de estratégias de enfrentamento e de resiliência. Outrora, para cuidar dos sofrimentos institucionais vividos ou até para buscar articulações com entidades externas, inclusive indígenas, de modo a buscar meios para conter as práticas gerenciais. Ao mesmo tempo, a experiência da grupalidade e os resultados obtidos, tem mostrado a possibilidade da proposição e sustentação de projetos vinculados à política de saúde indígena, considerando as inconsistências técnicas ou a ausência de projetos afins com a política pública. Mesmo assim, não há como esquecer a realidade da sobreimplicação e do mal estar institucional enquanto atravessador constante frente ao desafio de convívio com as adversidades dos tempos institucionais, cujos silenciamentos e adoecimentos concomitantes se apresentam como sintoma-analisador das violências institucionais. Todavia, tem-se experimentado cotidianamente a produção de aprendizados incontestáveis. Dentre eles, a constatação empírica da eficácia dos dispositivos analisadores construídos na ordem da micropolítica e das tecnologias leves entre os trabalhadores no espaço de gestão, gerando acontecimentos menores, intervenções sutis nos funcionamentos grupais e institucionais.

Considera-se o quanto as tramas institucionais dificultam a comprovações de certas hipóteses e análises, outrora confirmadas ou refeitas a partir dos acontecimentos. Diante das tormentas e conquistas de tais experiências, de durações desconhecidas, constata-se que elas não se desvinculam dos desafios cotidianos da vida, inscrevendo-se no processo de re-existência para além das instituições. O manejo das paixões e dos afetos encravados em todos os encontros grupais e entre profissionais, juntamente com o polimento da atenção para percepção das minúcias dos sinais, são elementos chave para a ação micropolítica no âmbito do trabalho na gestão. Saberes que são da ordem da invenção, da re-conexão com o real e dos processos de subjetivações singulares.

A ação cartográfica-institucionalista como tática ativista na gestão da saúde indígena tem favorecido processos de re-existência, da sustentabilidade das lutas pela democratização institucional e pela política de saúde indígena. Analisar as microdinâmicas organizacionais, compreendendo-as enquanto elementos constituintes do cotidiano do trabalho na gestão, aliada ao posicionamento ético, político e estético, amplia e potencializa ação ativista no âmbito institucional. Sua urgência se deve especialmente frente aos impactos governamentais nas políticas públicas, cujos processos de precarização põem em risco os direitos à saúde dos povos indígenas, tal como a dignidade cidadã dos trabalhadores da saúde.

 


Palavras-chave


Gestão na saúde indígena; cartografia; análise institucional