Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Comunicação de más notícias, formação médica e integralidade em saúde
Juliana Aguiar Santana Benevides, Aluísio Gomes Silva Junior

Última alteração: 2018-02-05

Resumo


Apresentação: O presente trabalho configura-se como resultado parcial da Dissertação de Mestrado “Integralidade nos Cuidados ao Fim da Vida: uma análise junto a idosos com câncer avançado”,  que teve como objetivo analisar a produção dos cuidados ao fim da vida direcionados aos idosos com câncer avançado em um município do Rio de Janeiro a partir da perspectiva da integralidade. Desenvolvimento: Realizou-se entrevistas semiestruturadas com 14 idosos em fase avançada da doença oncológica, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, Anuência da instituição e aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFF sob o Parecer 2.064.465. O roteiro das entrevistas foi construído e adaptado com base nas dimensões dos conceitos de acolhimento e vínculo/responsabilização proposto por SILVA JUNIOR & MASCARENHAS (2013) e que traduzem a integralidade nos termos aqui adotados. Resultados: Durante as entrevistas, um aspecto que adquiriu relevância foi a destituição da autonomia dos usuários em seu processo saúde-doença-morte. Constatou-se que uma parte considerável dos idosos não têm consciência de que estão em estágio avançado da doença.  Estes acreditam que os sintomas emergentes estão relacionados a outros problemas de saúde.  Além disso, oss idosos afirmam que há espaços para falas e dúvidas durante os atendimentos, mas é possível perceber nas entrelinhas que muitos têm questionamentos acerca de sua situação de saúde. Quando interrogados acerca da relação com seus médicos, se há confiança nas informações recebidas e no tratamento adotado, a maioria assegura que confia nos profissionais. Porém, essa confiança está mais relacionada ao fato de acreditarem que o médico ocupa uma posição hierárquica superior a eles - e que, por isso, sabe o melhor -  do que resultado de um vínculo de confiança construído através do diálogo aberto e democrático. Cabe destacar que a importância do processo comunicativo que se estabelece no espaço relacional  profissional-usuário e a defesa do desenvolvimento dessas habilidades comunicativas durante o processo formativo do ensino em saúde é um aspecto das práticas cuidadoras muito enfatizado por aqueles que tem  a integralidade como uma bandeira de lutas para uma atenção à saúde usuário-centrada, em alteridade e mediada pelas tecnologias leves (PONTES et al, 2011, SILVA JUNIOR et al, 2011, SILVA JUNIOR et al, 2013, CECCIM; CARVALHO, 2011, ARAÚJO;CARDOSO,2013; MERHY, 1998, entre outros). Para esses autores, a interação entre os sujeitos deve se dar por meio de novas concepções e práticas comunicativas que: valorizem a participação do usuário (promovendo a desconcentração do poder e a democratização desse espaço-relacional), aproximem e valorizem seus saberes (em uma atitude de respeito às suas opiniões) e abram espaços de negociação e construção de projetos terapêuticos compartilhados. Logo, apreende-se que a comunicação exige técnica e sensibilidade. A observação dos aspectos legais é outro ponto a ser discutido nesse sentido. Destaca-se nesse cenário o Código de Ética Médica (Resolução CFM n° 1.931/09), a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (BRASIL, 2011, p. 8) e o Estatuto do Idoso (Lei 10741/2003). Embora receber informações acerca de seu estado de saúde seja um direito do usuário assegurado por diversas legislações, existem várias questões do ponto de vista bioético que se colocam em discussão no cotidiano dos serviços de saúde no que diz respeito a comunicação de más notícias.  “Entende-se por má notícia qualquer informação que possa alterar de forma adversa a expectativa para o futuro, também podendo ser definida como sendo má na medida em que possa levar a uma piora emocional, cognitiva ou comportamental daquele que a recebe, persistindo esse efeito por certo tempo”. (COSTA; COSTA, 2012, p. 41). O estudo realizado por Diniz e colaboradores (2006) concluiu-se que estar ciente do diagnóstico e ter recebido tratamento oncológico são condições que se correlacionam inversamente à presença de depressão em pacientes sob cuidados paliativos. Estudos anteriores, como àqueles realizados por Kluber-Ross (2008) já destacavam que o sujeito em fase terminal tem necessidades muito especiais que precisam ser atendidas e entre elas estaria o conhecimento do diagnóstico e uma relação transparente, respeitosa e mais próxima com o seu médico e os outros profissionais de saúde responsáveis pelo seu cuidado. Há consenso em diversos estudos acerca da necessidade de desenvolvimento e aprimoramento das habilidades para comunicação de más notícias e de alguns aspectos que podem garantir a qualidade desta comunicação (SILVA, 2014; COSTA&COSTA, 2012; KAMASAKI et al, 2016; RIBA & JUVER, 2014). Entre eles estão: conhecer o paciente (o que ele quer saber/se quer saber), construir uma relação de confiança entre profissionais e pacientes, escuta empática com preparação do cenário e tempo disponível, utilização de linguagem adaptada, utilização de técnicas vocais e não vocais, minimização de dúvidas através do estabelecimento de um diálogo aberto, entre outros.  Além disso, já existem algumas orientações/estratégias bem estabelecidas como os “Sete Passos para a Comunicação” (Von Gunten et al, JAMA, 2000), as recomendações de Barclay e colaboradores (2007) e um protocolo considerado padrão para treinamento em más notícias, o Protocolo SPIKES (BAILE et al, 2000; INCA, 2010). Cabe destacar que nesse estudo pôde-se constatar que alguns idosos demonstravam um desinteresse em conhecer informações acerca do seu quadro clínico. Essa desinformação é um direito do paciente (KOVÁCS, 2014; ROSELLÓ, 2009) e o desenvolvimento das habilidades supramencionadas também possibilita ao profissional assimilar alguns sinais indicativos de que o sujeito não quer obter informações adicionais sobre a evolução de sua doença. Emerge nesse cenário a importância das reflexões acerca da formação médica e o ensino dos Cuidados ao Fim da Vida (CFV). Um importante estudo publicado em 2012 (TOLEDO; PRIOLLI, 2012) e que teve como objetivo “descrever atitudes e práticas do ensino dos cuidados no fim da vida conforme relatado pelos coordenadores de curso nas escolas de Medicina no Brasil”, constatou inúmeras limitações. Apontou-se que a maioria dos coordenadores entrevistados considerava importante o ensino dos CFV. Entretanto, apontavam que o tempo para investimento nesse ensino durante a graduação era insuficiente, havendo pouco espaço para inclusão dessa discussão nos currículos ou inexistência da discussão durante a graduação. Logo, evidenciou-se que esse tipo de ensino não é priorizado na formação em medicina no Brasil. Outro estudo publicado recentemente (POLLETO, BETTINELLI, SANTIN, 2016) e que teve como objetivo conhecer as vivências da morte de pacientes idosos na prática médica e a dignidade humana em ambiente hospitalar, concluiu que é imperativo incluir a discussão e o estudo sobre o enfrentamento da morte na formação médica uma vez que isso poderia reduzir os dilemas éticos enfrentados no cotidiano de trabalho dos futuros profissionais de medicina.

Considerações finais: A falta de informações e a comunicação inadequada resultam no desconhecimento acerca do quadro clínico. Diante disso, não é possível ao idoso optar, decidir acerca das questões relacionadas à sua própria vida e, por que não dizer, da sua própria morte que se aproxima. A tomada de decisões deixa de ser compartilhada, o projeto terapêutico não se fundamenta no diálogo das partes envolvidas. O principal sujeito, o idoso que caminha para a morte, está excluído do processo. Assim, há um decréscimo no grau de autonomia desses idosos na medida em que não há informações suficientemente claras e relações de confiança e apoio irrestrito. Se há decréscimo no grau de autonomia, há também lacunas no que tange à integralidade do cuidado.


Palavras-chave


Comunicação de má notícias; Formação médica; Integralidade; Idosos; Câncer