Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A política pública para atendimento infantojuvenil dos usuários da saúde mental no município de Porto Alegre
Cristina Machado Gomes, Emylin Karoline de Souza Pedroso, Tisiane Molder Marques

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação

O debate sobre a proteção integral da criança e adolescente foi proposto e conduzido pela sociedade civil organizada, que se fez forte e persistente nesse processo, conseguindo se manter como a protagonista. Ao longo da década de 90 foram conquistadas uma série de direitos sociais, como o Estatuto da Criança e Adolescente.

No entanto, pode-se observar pontos frágeis na rede de atendimento do município de Porto Alegre, onde, ao longo do tempo observa-se a ausência de oferta de atendimento na política de saúde, principalmente no âmbito da saúde mental. Prova disso foi a inauguração, somente em 2000, do Plantão de Emergência em Saúde Mental Cruzeiro do Sul (PESM), voltado para o atendimento da população adulta. Ao longo dos anos, os trabalhadores do PESM observaram a demanda crescente da infância para atendimento no serviço, com expressivo aumento com a epidemia do crack e questão da violência urbana.

Foi com o aumento da demanda e o advento da Política Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil (2004) que se iniciou um reordenamento em Porto Alegre, possibilitando que a política de saúde mental infantojuvenil acompanhasse o processo da Política Nacional de Saúde Mental, atuando na perspectiva da Reforma Psiquiátrica.

Diante do exposto, o presente trabalho, tem por objetivo apresentar uma análise da política de saúde mental na perspectiva dos direitos infantojuvenis e atendimento prestado em saúde, através de um relato das observações a partir entrevistas realizadas com trabalhadores de três serviços no município.

Desenvolvimento do trabalho

O período de observação dessa pesquisa foi de junho a novembro de 2016, durante o qual foram contatados três serviços do município de Porto Alegre, sendo eles: Equipe Especializada em Saúde da Criança e Adolescente Noroeste, Humaitá, Navegantes e Ilhas (EESCA NHNI), Plantão de Emergência em Saúde Mental Cruzeiro do Sul (PESM)  e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA). Ao iniciar as entrevistas se realizou a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) elaborado para a pesquisa e após o consentido dos trabalhadores.

As entrevistas realizadas foram gravadas, seguindo o roteiro de elaborado no projeto de pesquisa, tendo uma duração de mais ou menos uma hora. Após a conclusão de todas as entrevistas foi realizada a transcrição das mesmas e a partir desse material foi elaborado um quadro de análise e por fim o relatório com o resultado final da pesquisa.

Resultados

A partir da análise dos dados das entrevistas realizadas com participantes das três instituições, EESCA NHNI, PESM Cruzeiro do Sul e CMDCA, foi construída a análise que originou esse trabalho.

Há alguns anos, Porto Alegre contava com assistentes sociais e psicólogas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), assim, proporcionando um suporte de profissionais voltados para ações de saúde mental na atenção básica, possibilitando o atendimento e acompanhamento de alguns casos nas próprias UBS, mas infelizmente, houve um entendimento por parte da gestão de que o melhor seria ter equipes centralizadas para atendimento, assim, os psicólogos e assistentes sociais deixaram de realizar acompanhamentos nas UBS para atenderem em equipes centralizadas e em um único posto dos territórios (P1).

Logo, começou a se montar o projeto Equipe Especializada em Saúde da Criança e Adolescente (EESCA), estabelecendo uma equipe por gerência distrital, porém, até hoje não há uma equipe com o quadro completo e nem todas possuem um ambiente adequado para realização dos atendimentos.

Em termos de saúde mental infantojuvenil existe um déficit, pois a portaria estabelece um CAPS para cada 200 mil habitantes, enquanto Porto Alegre possui apenas três CAPSI para uma população estimada de 1,6 milhões. Nota-se que isso demonstra que existem falhas na gestão da saúde mental no município, pois não há um cuidado, nem um olhar cuidadoso com os usuários, apenas mantendo uma política paliativa.

Realmente, não há um olhar para as causas desse quadro, não se está aprofundando o cuidado com as crianças e adolescentes, com as famílias, com os cuidadores, principalmente com os principais usuários da política de saúde mental hoje, que são as crianças e adolescentes que estão na FASE e nos abrigos. Fato constatado por meio do levantamento realizado pelo PESM no trimestre de 2014, que levantou os dados de atendimento da população infantojuvenil e ficou comprovado que mais de 50% da demanda para atendimento era de crianças e adolescentes vindos da FASE e abrigos. Assim, levanta-se a questão sobre qual tipo de suporte e atendimento se está ofertando para esses usuários.

Dentro do contexto do PESM, está a questão de se realizar discussões a respeito das emergências em saúde mental há muito tempo, pois as crianças e adolescentes são atendidos em um serviço de adulto, passando por diversas situações de violações de direitos, sendo isso tão sério a ponto de o Ministério Público abrir um processo contra a prefeitura por violação de direitos, tencionando o município a adequar e ajustar a forma de atendimento prestada às crianças e adolescentes.

Infelizmente, a rede de atendimento em Porto Alegre encontra diversas falhas, uma delas referente ao atendimento que deveria ser prestado às vítimas de violência e abuso sexual, que antes eram atendidas e acompanhas pelo SPC e Projovem, mas hoje, não existe nenhum serviço que seja de porta aberta para o atendimento desses casos. Apenas o Centro de Referência no Atendimento Infantojuvenil (CRAI) que realiza avaliação e presta o primeiro atendimento às vítimas, e encontra uma certa dificuldade nos encaminhamentos, tendo casos de abuso chegando nos EESCA’s após um ano do primeiro atendimento no CRAI, pois, muitas vezes, elas são encaminhadas para as UBS ou para os Centros de Referências Especializados de Assistência Social.

O grande nó encontrado na rede é a ausência da oferta de serviços e atendimentos, gerando um tensionamento dentro da rede entre os trabalhadores, além de dificultar uma atuação em rede, pois, muitas vezes, as crianças e adolescentes ficam sem atendimento ou são obrigadas a serem atendidas em espaços inapropriados, como é o caso do PESM Cruzeiro do Sul.

Considerações finais

Ao longo desta pesquisa, buscou-se evidenciar as diversas formas de violações de direitos que ocorrem ao longo do processo de atendimento em saúde mental infantojuvenil no município de Porto Alegre. Dentre essas formas de violação, destaca-se como mais explícitas a ausência de atendimento ou falta de profissionais nos serviços. Situação que vem se intensificando ao longo da última década no município, é decorrente da falta de investimento na área da saúde mental, acentuando o quadro de violações, gerando a precarização dos espaços de trabalhos e assim, cada vez mais, crianças e adolescentes acabam ficando sem atendimentos.

A fim de superar esse quadro, necessita-se de pessoas pensando e construindo juntas, nesses espaços fundamentais para a realização de discussões qualificadas sobre a necessidade de novos serviços e novas formas de realizar o fazer profissional.

Por conseguinte, é fundamental que a discussão se realize em diversos níveis e que seja composta por diversos atores, como a Universidade, por exemplo, pois muitas vezes, o trabalhador acaba reduzido ao fazer profissional e não consegue ter um distanciamento para a crítica da sua atuação.

Além de tudo, é primordial que se construam espaços nos quais crianças e adolescentes sejam atores, pois eles têm muito a ensinar, devem conduzir e contar suas histórias. Essencial fomentar a participação, mas para isso ocorrer, é necessário esse sentimento de reconhecimento enquanto sujeito no processo.

 


Palavras-chave


Monitoria; Saúde Mental Coletiva; Vivência