Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-06-29
Resumo
O VER SUS Saúde no Campo para residentes propõe uma imersão/vivência no cotidiano do campo e da floresta, vivenciando seus determinantes sociais, território (assentamentos, zonas rurais, comunidades quilombolas) opressões, redes de atenção e acesso a saúde e intersetoriais, bem como as singularidades dessa população. Sua concretização contou com parcerias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Universidade de Pernambuco e o Coletivo Pernambucano de Residentes em Saúde (CPRS). O objetivo do projeto é estimular a formação de trabalhadores para o SUS e comprometidos com seus princípios e diretrizes. O projeto foi pensando pelo CPRS e que realizou sua primeira edição no ano de 2015. Neste sentido, este resumo pretende relatar a experiência da segunda edição do VER SUS Saúde no Campo para residentes em saúde. A vivência aconteceu no período de 10 a 19 de outubro de 2016 no Centro de Formação Paulo Freire localizado no Assentamento Normandia, o mesmo é gerenciado e organizado pelo MST Pernambuco, além de representar uma conquista para o movimento, localizado na zona rural do município de Caruaru, zona agreste de Pernambuco. Contando com 40 viventes e 8 facilitadores, todos residentes em saúde, a seleção dos mesmos aconteceu por meio presencial e por carta de intenção para os que não residiam em Recife-PE. As discussões e vivências experienciadas ao longo dos 10 dias do VER SUS foram norteadas por eixos prioritários, como: territorialização, Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), controle social, reforma agrária, Reforma Sanitária brasileira, educação popular em saúde, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e Política de Saúde Mental com ênfase na Reforma Psiquiátrica, contando também com espaços para discussão sobre as diversas formas de opressões (machismo e sistema patriarcal, LGBTfobia, racismo, xenofobia) e como essas influenciam no processo de saúde-doença da população . As vivências e visitações aconteceram no âmbito das Unidades de Saúde da Família e seus territórios de abrangência, Centros de Atenção Psicossocial, Terreiro e dentro do próprio assentamento em espaço de trabalho e produção coletiva (agroindústria). As metodologias utilizadas foram diversas, como: místicas de abertura de cada dia de vivência, dinâmicas de grupo, cine debate, diálogo com convidado externo, momento de autocuidado e espaços autogestionados. É importante destacar a participação de todos os viventes e facilitadores nas atividades diárias de manutenção e limpeza do espaço utilizado, ressaltando a necessidade de refletirmos sobre o processo de coletividade, divisão social do trabalho e inserção na dinâmica de vida das pessoas que ali vivem. Foi evidenciado, através dos relatos dos viventes e facilitadores, a percepção das contradições entre as potencialidades e as vulnerabilidades de um território tão singular como o campo, até então desconhecido pela maioria em seus modos de produção e de vida, desconstruindo leituras prévias da zona rural como um espaço que sobrevive exclusivamente da agricultura. A vivência trouxe um olhar importante sobre as relações de gênero e as diversas formas de exploração de trabalho nesse ambiente, de modo que o acesso e a procura aos serviços de saúde encontram-se diretamente relacionadas a esse contexto. Outros pontos percebidos pelos participantes da vivência e logo diretamente relacionados à questão da qualidade de vida e de saúde da população foram a escassez e dificuldade de acesso a água – resultando em uma mercantilização desenfreada da água -, a dificuldade de transporte na zona rural e a descaracterização do território com o crescente investimento na indústria têxtil que circunda a cidade, fazendo com que famílias inteiras trabalhem na produção de roupas dentro dos próprios domicílios com jornadas de trabalho chegando até 18h diárias – além do trabalho infantil naturalizado, visto que é utilizado para manutenção financeira da família. O VER SUS Saúde no Campo contribui para a aproximação dos residentes em saúde com a população rural, facilitando o diálogo na construção e troca de saberes com as pessoas que produzem conhecimento popular, bem como para uma constante reflexão sobre o espaço que se ocupa enquanto residente, visto que a grande maioria atua em zona urbana onde se apresentam problemáticas bem diferentes das encontradas no campo, fazendo pensar também sobre um importante princípio do SUS que é a equidade. Esse/a projeto/proposta propicia a compreensão da realidade, considerando a diversidade e complexidade do contexto histórico-social, visto que tem como parte da proposta o objetivo de perceber as diferenciadas formas de exploração do sistema capitalista submetendo as populações a situações de vulnerabilidades sociais e negação de direitos. Ou seja, estimulando a capacidade de analisar criticamente esse contexto e fomentando uma consciência sanitária que contribuirá para o fortalecimento da participação popular em saúde; logo, para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) na perspectiva da atenção integral à saúde da população do campo. O VER SUS Saúde do Campo, inquieta o profissional de saúde em formação e lembra o papel de cada um(a) na consolidação do SUS, na busca incessante pelos ideais da Reforma Sanitária brasileira, visando sempre a dimensão do conceito ampliado de saúde. É imprescindível destacar que a realização dessa edição do VER SUS ocorreu após um golpe político – jurídico – midiático, que resultou no impedimento da continuidade do governo de uma presidenta democraticamente eleita, o que provocou uma discussão que perpassou todos os eixos norteadores da vivência, visto que o momento se apresentava com instabilidade política e perspectivas onerosas para a saúde pública no Brasil, pois diversos ataques ao SUS já haviam sido anunciados, estes ultrapassavam o escopo de desmonte e vislumbrava a destruição de um Sistema de Saúde modelo no mundo. Assim, através de avaliações internas e dos viventes, o VER SUS Saúde do Campo alcançou seu objetivo, garantindo que se proporcionasse não apenas uma vivência na saúde, mas que uma visão global sobre como os contextos sociais e políticos influenciam nos modos vidas da população, e que se faz necessário pensar a saúde do indivíduo como uma complexa combinação de fatores das relações sociais, no mundo do trabalho na comunidade, na família e na vida política.