Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2017-11-09
Resumo
INTRODUÇÃO
A presente descrição vivenciada no Sistema Único de Saúde (SUS), apresenta algumas reflexões sobre a importância da relação terapêutica da equipe de referência e suas ações no fortalecimento do vínculo. Nesta experiência, através de tecnologias de baixa exigência surgiu um modelo de cuidado diferenciado.
A rede de saúde apresenta frequentemente situações que envolvem abandono, estigmas, baixo acesso a serviço de saúde e assistência, além de baixa adesão ao projeto terapêutico. A fragmentação da rede com serviços desarticulados, contribui para a dificuldade em desenvolver ações de cuidado para casos complexos.
Precisa-se compreender que a experiência da doença não é apenas uma questão orgânica, mas uma vivência complexa de sofrimento, onde o serviço de saúde deve fazer parte do processo de coprodução do cuidado de modo que exista disponibilidade dos profissionais para a escuta e acolhimento valorizando a singularidade do sujeito. É difícil definir a solução “certa” para situações complexas, entretanto, elas expressam uma característica comum “apresentam tensão entre a necessidade da pessoa que sofre e a necessidade de se manter a harmonia da ordem social; ou seja, sempre há uma tensão entre o que é melhor para a pessoa que sofre e o que a sociedade espera do serviço. (ARAÚJO, 2014)
O estudo tem por finalidade a descrição de uma experiência de cuidado em saúde mental de alta complexidade em decorrência de várias situações de vulnerabilidades, propõem também o fortalecimento da rede e a reflexão sobre a qualificação do acolhimento, bem como a construção do PTS (Projeto Terapêutico Singular) envolvendo a intersetorialidade.
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA OU MÉTODO DO ESTUDO
Em sua prática diária o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS-ad) busca atender os usuários de forma singular valorizando a história da pessoa e suas necessidades. Neste estudo de caso a UBS (Unidade Básica de Saúde), solicita ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS-ad) apoio para o manejo de um caso complexo, a ação se desenvolveu no segundo semestre de 2016 quando a epidemia de dengue encontrava-se em fase latente, se instalou uma situação de alerta neste território, segundo relato da UBS um morador vinha causando transtorno à comunidade, acumulando em sua residência lixo orgânico e recicle em grande quantidade. Sendo este um usuário psicótico que há mais de 2 anos estava desassistido pela rede de saúde, por ser considerado violento, agressivo, usuário de drogas e de difícil relacionamento. Recebeu-se da UBS a informação que o usuário residia sozinho e tinha algumas características peculiares, andava sempre pintado com tinta verde, puxando um carrinho de mão feito de madeira, acompanhado de três cachorros bem cuidados. O primeiro contato foi realizado através de busca ativa, na rua, entendeu-se que uma das estratégias de aproximação seria acolher e cuidar também de seus cachorros, pois foi através desta estratégia que o vínculo foi se formando, a partir daí inicia-se um processo de cuidado diferenciado, respeitando o direito do usuário. Quando se tem a percepção que a baixa exigência no acolhimento e a alta qualidade de ofertas e serviços constituem uma ferramenta fantástica se consegue mapear estratégias de cuidado baseadas em uma das diretrizes do SUS, a equidade.
RESULTADOS E IMPACTOS
Percebe-se que muitas vezes na busca por resultados passa-se despercebido o sofrimento psíquico do indivíduo e a sua demanda de cuidado. Desta forma através da singularidade das ações observa-se que as necessidades do sujeito são legitimadas e não as necessidades das instituições. Neste estudo identificou-se que a comunidade e os demais serviços da rede tinham um único direcionamento de ações, o acumulo de lixo, sem pactuar ações com o usuário. Qualquer que seja a iniciativa, dentro ou fora do serviço, ela só adquire sentido na promoção do acesso, quando a prática reflete compromisso com a vida, expresso pelo respeito às diferenças e aos direitos humanos. (ARAÚJO, 2014)
Destaca-se também nesse relato a participação intersetorial com alguns serviços da rede do município através da articulação do CAPS-AD, como: Zoonose, UBS, Vigilância Sanitária e Ponta Grossa Ambiental (empresa que transporta lixo), enfatizando o sujeito e sensibilizando os demais envolvidos para o eixo do cuidado que é o vínculo.
Aos poucos foi se adquirindo confiança e fortalecimento de laços, distante de violência e agressividade encontrou-se um ser humano fragilizado necessitando de cuidado. Inicia-se então o processo de oferta de atendimento onde o paciente abre as portas da sua casa e da sua vida, vínculo fortalecido resolutividade na construção do Projeto Terapêutico. “Criar vínculos implica ter relações tão próximas e tão claras, que nos sensibilizamos com todo o sofrimento daquele outro, sentindo-se responsável pela vida e morte do paciente, possibilitando uma intervenção nem burocrática e nem impessoal” (MERHY, 1994, p.138).
Como principal resultado observa-se um aprendizado coletivo na lógica da co responsabilização entre usuário, equipe de referência e rede de assistência do município, quando se atua baseado na clínica ampliada se propõem um grande desafio a promoção a Saúde e pactuação do cuidado que foi selado através do acolhimento de baixa exigência quando se aceita os animais de estimação como bem maior desse indivíduo. A partir dessa ferramenta inicia-se a construção de dispositivos terapêuticos, usuário começa a frequentar o CAPS acompanhado de seus animais, com seu consentimento foi realizado um mutirão para limpeza de sua residência, atualmente encontra-se um novo cenário: usuário estabilizado e medicado; casa e terreno limpos e organizados; trazendo um novo olhar da comunidade e resultando no fortalecimento do vínculo com a rede.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Saúde Mental nossa ferramenta de trabalho é o Projeto Terapêutico Singular, porém jamais encontraremos resultados estáticos da mesma forma não existe PTS sem vínculo. Com laços estabelecidos e sem pré-conceitos conseguiu-se antecipar a crise e negociar novas estratégias de cuidado que sempre estarão em construção no nosso processo de trabalho tendo como objetivo maior oferecer saúde e melhorar a qualidade de vida do usuário, dentro da sua singularidade.
Salienta-se a importância da construção de uma rede de atenção psicossocial, de modo que haja uma efetivação do projeto terapêutico singular dos pacientes da saúde mental, a partir da construção de um processo em saúde. Diante do expoxto percebe-se a intersetorialidade como uma ferramenta imprescíndivel e indisocíavel para a atenção integral aos sujeitos em sofrimento psíquico.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, L.; SILVA, M. M. C.; BARREIROS, G. B. Organização dos serviços para garantir acesso e promover vinculação do usuário de drogas. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Centro de Ciências da Saúde. Departamento de Saúde Pública. Curso de Atualização em Álcool e Outras Drogas, da Coerção à Coesão. Florianópolis, 2014.
MERHY, E. E. Em busca da qualidade dos serviços de saúde: Os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em defesa da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços de saúde e colegiadamente reorganizar o processo de trabalho na busca da qualidade das ações de saúde). In: Inventando a mudança na saúde (L. C. O. Cecílio, org.), São Paulo: Editora HUCITEC,1994.