Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A potência da criação de espaços público de trocas e interação na complexa situação de trabalho docente no Ensino Superior Público Federal: os Encontros sobre o Trabalho como dispositivo de pesquisa e intervenção.
Ana Cláudia Vasconcelos

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Encontrar o melhor caminho para se aproximar, compreender e intervir em uma situação de trabalho é tarefa árdua. Escolher uma abordagem possibilita uma aproximação maior de determinados aspectos, mas, como toda escolha, implica em abrir mão de outras possibilidades, outras análises. Diante dessa difícil tarefa, a Ergologia, a Psicodinâmica do Trabalho e a Ergonomia da Atividade, foram convocadas como aportes para a escolha de dispositivos que permitissem desenvolver uma pesquisa-intervenção acerca do complexo trabalho docente em uma unidade acadêmica Ensino Superior Público Federal.

A Ergonomia da Atividade propõe a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) que parte de uma análise da situação global em que a demanda é reformulada e define-se situações a analisar. Os focos selecionados passam por análise dos processos técnicos das tarefas, análise da atividade, formulação e difusão de diagnóstico e formulação de recomendações. Assim, no sentido de “compreender para transformar”, a AET parte da análise da demanda e constrói, junto aos trabalhadores da situação em questão, conhecimentos para uma ação transformadora. (DANIELLOU, 2004b).

A Psicodinâmica do Trabalho pressupõe um planejamento sistemático caracterizado em três fases: a pré-enquete, a enquete propriamente dita e a análise/validação dos resultados. A pré-enquete consiste em, a partir do acolhimento de uma demanda: (a) definir um grupo de pesquisadores e um coletivo de trabalhadores para participar da pesquisa; (b) reunir informações - a partir de documentos técnicos, econômicos e científicos – sobre o processo de trabalho e suas transformações; (c) realizar visitas para observações livres ou guiadas no sentido de obter bases concretas para compreensão do que falam os trabalhadores, bem como obter uma imagem das condições ambientais; (d) desenvolver um trabalho sobre a demanda que permita acordos e de compromisso entre pesquisadores e trabalhadores para a realização da enquete propriamente dita (DEJOURS,2011c; DEJOURS; BÈGUE, 2010). A enquete propriamente dita acontece a partir da constituição de um espaço de discussão por meio de sessões coletivas com o grupo de trabalhadores, mediadas por um coletivo de pesquisadores. É nesse espaço que se espera acontecer a elaboração coletiva. As sessões clínicas desenvolvidas com um grupo trabalhadores alterna-se com reuniões entre os pesquisadores que vão a campo e o coletivo de controle que discutem relatórios elaborados a partir das sessões e observações clínicas dos pesquisadores (DEJOURS, 2011c).

Já a Ergologia propõe-se um esforço de compreender  transformar a vida e o trabalho, a partir de um “dispositivo dinâmico de três polos” (DD3P), um regime de produção de saberes que se dá pela dupla confrontação. A confrontação de saberes acadêmicos-científicos e tecnológicos entre si (polo 1) e os saberes mobilizados e renormatizados pelos trabalhadores em atividade (polo 2). Confrontação sempre mediada por um terceiro polo ético-epistêmico. A perspectiva ergológica permite mobilizar e reprocessar patrimônios de técnicas; criar novas formas de pesquisar e intervir em situações de trabalho.

A partir desse patrimônio, foi proposta, aos professores de uma Unidade Acadêmica de Ensino Superior Federal, a criação de uma Comunidade Ampliada de Pesquisa e Intervenção (CAPI) (NEVES, et al., 2015). Participaram diretamente da pesquisa 27 (vinte e sete) professores, além da Coordenadora Administrativa e de uma secretária da Unidade. Essa proposta dividiu-se em dois momentos: o primeiro momento, destinado a uma análise global, de construção de vínculos, e de produção de temas propulsores da discussão; e o segundo momento de criação de um espaço de discussão coletiva, os Encontros sobre o Trabalho (DURRIVE, 2010).

A análise geral contou com a realização de visitas à unidade, nas quais foi possível ter acesso a alguns documentos, permitiram uma certa aproximação da situação de trabalho, bem como iniciar a construção de vínculos com os professores. Além das visitas, foram realizadas dezoito entrevistas e oito observações de atividade de trabalho. Esse primeiro momento da pesquisa permitiu a aproximação da situação de trabalho, mas, principalmente, possibilitou a elaboração de um material propulsor do diálogo com os professores, nos Encontros sobre o Trabalho.

Em seguida foram realizados (06) seis Encontros sobre o Trabalho, nos quais participaram, ao todo, 24 (vinte e quatro) professores e a Coordenadora Administrativa. Os Encontros sobre o Trabalho tiveram duração média de 1h40min, contaram com a participação que variou entre 6 e 14 participantes por encontro; versaram sobre temas como: Princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; Autonomia universitárias; Subjetividade, saúde e trabalho docente; Divisão Sexual do Trabalho.

No que se refere ao coletivo de campo desta pesquisa, além da autora deste texto, contou-se com a participação de mais três pesquisadoras auxiliares. Assim, foi possível que ao menos duas pesquisadoras estivessem presentes em cada um dos seis Encontros. Para a realização da análise e sistematização dos materiais dos Encontros, além do coletivo de campo, foi possível contar com a participação de outros interlocutores que potencializaram os Encontros sobre o Trabalho, com relevantes contribuições ao polo dos conceitos e cuidados éticos. Os espaços de discussão coletivos, na academia, permitiram o fortalecimento de competências, de saberes técnicos, bem como da antecipação e planejamento dos Encontros subsequentes. Assim, diante do coletivo de professores e de seus saberes da experiência (investidos, engendrados na prática cotidiana), se apresentava um coletivo de pesquisa-intervenção que dispunha de um patrimônio, que se construía e se reformulava no encontro com outros pesquisadores acadêmicos.

Construiu-se, assim, uma sistemática de Encontros de saberes que articulou os professores da Unidade e o coletivo de pesquisadores no sentido de uma coanálise acerca da atividade docente no Ensino Superior Público Federal. Esses Encontros eram intercalados com momentos de análise e sistematização dos materiais. Cada Encontro era seguido da construção de um memorial para discussão no Encontro subsequente, buscando-se uma alternância entre saberes disciplinares e os saberes da experiência, na construção do conhecimento sobre a situação de trabalho investigada. Compôs-se, portanto, uma “Comunidade Dialógica de Pesquisa”, a partir de um esforço de colaboração, de colocar em dialogo diferentes formas de raciocínio e linguagem (FRANÇA, 2007).

Nos aproximamos, para tal, da ideia de análise proposta por Faïta (2002) como uma metodologia diretamente articulada com os ambientes e com as situações de trabalho. Ele sinaliza para a necessidade de evidenciar a complexidade das relações estabelecidas entre os componentes da atividade a partir de informações sobre a sequência, o contexto, a intensão para fundamentar interpretações. Assim, partiu-se do engajamento conjunto no âmbito das situações de trabalho, na avaliação dos avanços recíprocos a partir das trocas e interações possibilitadas pelos Encontros. Essa análise, requer, portanto, a capacidade do pesquisador e sua própria implicação no processo (FAÏTA, 2002).

A realização dos Encontros sobre o Trabalho possibilitou convocar reflexões sobre construções teóricas e uma experiência marcada por sofrimento, mobilizações e, principalmente, gestão na atividade docente. Permitiu colocar em debate diferentes formas de lidar com a avaliação e o financiamento do Ensino Superior, produzindo novas reflexões. Além disso, ao colocar em discussão, a forma como os professores vivenciam, defendem-se e enfrentam as relações entre saúde, gênero e trabalho, permitiu abrir espaço para conhecer, reconhecer o trabalho do outro. E contribuíu para algumas primeiras reflexões no sentido da criação de estratégias mais coletivas, em relação ao sofrimento decorrente da sobrecarga de trabalho, e das desvantagens conferida pela Divisão Sexual do Trabalho.


Palavras-chave


Ergologia, Psicodinâmica do Trabalho, Ergonomia da Atividade, Trabalho Docente, Ensino Superior Público Federal, Pesquisa e Intervenção, Encontros sobre o Trabalho.