Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Impactos da desinstitucionalização para familiares de egressos de longa internação
MORGANNA FERREIRA DE SIQUEIRA, Mae Soares da Silva

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Os últimos cinquenta anos vivenciados pelo Brasil viram o surgimento do conceito de desinstitucionalização, que acabou por estabelecer-se como referência para a área de saúde mental. Polissêmico e multifacetado, o mesmo não pode ser entendido sem que se faça referência a seus efeitos práticos, visto que, além de um conceito importante, principiou um dos maiores desafios a serem enfrentados no que concerne a todo o sistema que integra a área. A magnitude desse desafio é atenuada quando se leva em conta que o processo de desinstitucionalização vai muito além de ações de desospitalização, mas acima de tudo, sugere uma mudança de práticas, uma desconstrução da própria saúde mental. A reinserção social desses pacientes nos ambientes comunitários para onde voltam, torna-se a maior barreira nesse processo, por exigir esforços e mudanças de paradigmas e práticas em toda a sociedade. Como  estratégia primordial da reforma psiquiátrica no Brasil desde seu início, várias foram as experiências vivenciadas nessa perspectiva. Fechamento de hospitais e criação de serviços substitutivos foram só os propulsores do movimento, mudanças as quais recaem diretamente sobre a transição de territórios. O hospital é retirado de cena como um espaço de vivência para as pessoas em sofrimento psíquico, diante primordialmente da não eficácia demonstrada pelas diversas experiências. Em consequência, a comunidade ganha força como o local apropriado e necessário dentro deste tratamento, onde insere-se, com não menos força, a família. Levando-se em conta este cenário, a presente pesquisa teve como objetivo compreender o processo de desinstitucionalização no município de São Luís – MA, por meio da perspectiva de familiares de egressos de longa internação psiquiátrica. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de campo de caráter qualitativo e natureza descritiva e exploratória, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital São Domingos, conforme o parecer n° 1.937.481, segundo a resolução 466/12. Ademais, foi concedida aprovação mediante a análise do projeto de pesquisa da Secretaria Estadual de Saúde do Maranhão (SES) e Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS) do município de São Luís (MA), que propiciaram o acesso aos endereços e telefones dos participantes por meio do Hospital Nina Rodrigues, Centro de Atenção Psicossocial Bacelar Viana (CAPS III) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II). Essa busca inicial resultou em 25 contatos que se encaixavam no perfil buscado, sendo assim, realizou-se a pesquisa com 07 participantes, seguindo-se os critérios de saturação temática. O perfil buscado para o estudo seguiu os seguintes critérios: ser familiar e/ou principal cuidador e residir na mesma casa da pessoa em sofrimento psíquico, que por sua vez, deveria possuir histórico de longa internação psiquiátrica (assumida como um mínimo de um ano ininterrupto de acordo com a portaria 2.840 de 29 de dezembro de 2014). Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, aliadas ao método de observação participante. As entrevistas foram realizadas nas residências dos entrevistados nos mais diversos bairros de São Luís, salvo uma, que por conta da sua recente mudança para o município de Paço do Lumiar – MA foi realizada via telefone. Os resultados obtidos foram discutidos sob o referencial da Política Nacional de Saúde Mental, utilizando-se da ótica da desinstitucionalização, além de artigos científicos e livros das áreas de saúde coletiva, saúde mental e psicologia. No que diz respeito às percepções acerca da internação psiquiátrica, a maioria dos entrevistados a visualiza como necessária em um determinado momento, no entanto trazem o cuidado em casa como mais eficaz e melhor para a qualidade de vida dos egressos, trazendo por diversas vezes esse modo de cuidar aliado ao tratamento no CAPS como essencial para a recuperação e melhora do quadro situacional dos egressos. Vários são os sentimentos relatados pelos entrevistados sobre a volta ou ida para casa dos egressos, sejam implícita ou explicitamente relatadas, dentre as representações relatadas estão a felicidade, a bênção, a criação de responsabilidades e o preenchimento de uma lacuna vivida por anos.  Entre os discursos acerca da assistência em saúde mental no Brasil, destacou-se o relato de um dos familiares, que por sua longa trajetória em serviços de saúde mental, possui uma visão crítica do processo de mudanças decorrido no setor, assim como reconhece as diferenças vivenciadas e atesta a melhora no quadro brasileiro. Outro ponto importante a ser destacado são os aspectos psicológicos envolvidos no processo de volta pra casa por parte dos cuidadores, visto que níveis de stress alterados, acúmulo de funções e responsabilidade, preocupação excessiva com o egresso, entre outros sentimentos, receberam destaque nas falas da maioria dos entrevistados. Quanto à assistência recebida por parte da rede, apenas uma entrevistada relatou já ter passado por algum tipo de intervenção que visasse a figura do cuidador. Quanto a isso, a maioria dos entrevistados relata não haver recebido assistência suficiente ou nenhuma no momento de volta ou ida do regresso para casa. Outro ponto importante encontrado na maioria das entrevistas foi o pouco ou nenhum conhecimento acerca dos direitos das pessoas com transtorno mental. Diante do papel dispensado à família no corrente processo de desinstitucionalização, a presente pesquisa atingiu os objetivos propostos no tocante ao que, alcançou a compreensão acerca do processo de desinstitucionalização dos egressos a partir da perspectiva dos familiares. Com relação à assistência em saúde mental, os entrevistados reconhecem a eficácia da vivência do usuário em casa aliada ao tratamento em serviço substitutivo, inúmeras vezes relatando as melhoras experienciadas pelos usuários após a volta pra casa, no entanto, usuários e familiares ainda utilizam limitadamente os recursos da comunidade e da rede de assistência em saúde, com discursos muito centrados em único ponto, na maioria das vezes ambulatório de saúde mental e CAPS. Diante da grande preocupação demonstrada pelos familiares quanto ás necessidades dos usuários, destacou-se o discurso da proteção como fator limitante para a vivência do usuário com outros âmbitos da vida em sociedade. Assim, destaca-se a grande importância de iniciativas em São Luís que propiciem esse convício de forma satisfatória para os usuários e segura para a família. Destaca-se entre essas possibilidades, a criação de Centros de Convivência e Ateliês Comunitários, já presentes em outros estados do país, que ao estarem inseridos no território vivenciado pelo sujeito, e contar com diversas estratégias de reinserção social, possuem inúmeras possibilidades de contribuição para a reabilitação social dos mesmos, assim como para a melhoria da qualidade de vida de seus familiares e/ou cuidadores.

 


Palavras-chave


Reforma Psiquiátrica; Saúde Mental; Saúde Coletiva