Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O matriciamento como estratégia de co-gestão e reorganização do processo de trabalho na saúde indígena: uma experiência do Distrito Sanitário Especial Indígena da Bahia – DSEI/BA
LARISSA SOARES DA SILVA, Sara Emanuela de Carvalho Mota, Iane Carine Freitas da Silva, Larissa de Faro Valverde

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


A necessidade de construção de um modelo diferenciado de atenção à saúde dos povos indígenas esteve presente desde as pautas das primeiras Conferências Nacionais de Proteção à Saúde do Índio. Concretizado através do Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, este focava no reconhecimento da legitimidade do pleito dos povos indígenas, orientados por cosmovisões e formas de organização social distintas daquela ocidental que rege a organização do SUS. O DSEI-BA, estruturado em sede (gestão) e em 09 Polos Base (assistência), conta hoje com 33 Equipes que atendem regularmente cerca de 28.215 indígenas (conforme planilha de demográficos 2017) distribuídos em 126 aldeias. São 449 trabalhadores da saúde que atuam nestas equipes, nas quais aproximadamente 262 são indígenas. A formação e a capacitação de indígenas como profissionais de saúde é uma estratégia que visa favorecer a apropriação de conhecimentos e recursos técnicos da medicina ocidental, somando ao acervo de terapias e outras práticas culturais próprias, tradicionais ou não. Deste modo, o lócus escolhido para realização dos encontros presenciais previstos nesta estratégia foram os Polos Base, a fim de viabilizar a participação de todos os membros das Equipes Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI), inclusive, os Agentes Indígenas de Saúde/AIS e os Agentes Indígenas de Saneamento/AISAN. O objetivo do trabalho consiste em construir subsídios para a reorganização dos serviços e processos de trabalho das equipes multidisciplinares, encarnando novos saberes nas práticas concretas dos serviços de saúde e qualificando as práticas de cuidado, gestão e participação popular através de uma relação dialógica e solidária, em que o compartilhamento de conhecimentos se dê de maneira horizontal e contínua entre os trabalhadores da saúde indígena do DSEI-BA. O trabalho pode ser resumido em 03 fases. A primeira foi referente ao planejamento. Nessa fase ocorreu o levantamento de dados para diagnóstico da situação de saúde das comunidades indígenas dos Polos Base, além de aprofundamento do estudo sobre apoio matricial para facilitar o desenvolvimento da estratégia. Foram realizadas reuniões com todos os Responsáveis Técnicos (RTs) da Divisão de Atenção à Saúde Indígena/DIASI do DSEI-BA para alinhamento do matriciamento como ação de reorganização do trabalho com as EMSI e planejamento da 1ª visita de apoio matricial. A 1ª visita no âmbito da estratégia de matriciamento visou intensificar o processo de vinculação entre as EMSIs e as Referências da DIASI, de forma a estabelecer uma escala de diálogo e apoio permanente entre as equipes de assistência e de gestão, em busca da co-gestão. Assim, foi reforçada a importância da participação de todos os membros das equipes durante a 1ª visita. Essa fase durou 12 meses. A segunda fase se referiu à execução do planejamento. Consistiu na ida de duplas de RTs aos 09 Polos Base a fim de coordenar as atividades e conduzir as discussões propostas. As visitas ocorreram entre os meses de março e agosto de 2016 e cada uma teve duração de 05 dias. A terceira fase foi de avaliação da fase anterior e de monitoramento das ações após a visita aos Polos. Cabe destacar que o matriciamento não acaba na fase 03. Ele é constante no processo de trabalho dos RTs da DIASI, é pautado no estabelecimento de uma rede de apoio que não exige necessariamente a presença física das RTs nos Polos Base para subsidiar a equipe, embora a continuidade da proposta exija uma regularidade de ações in loco planejadas previamente. Então, a cada nova visita são repetidas as fases 01 e 02. Portanto, a fase 03 não tem período definido. Nesse estudo, vamos descrever e analisar a experiência durante a fase 02. As atividades foram desenvolvidas coletivamente durante cinco dias consecutivos. A primeira atividade foi destinada ao acolhimento dos participantes. Foi possível perceber que a maioria dos profissionais contratados compartilhava forte sentimento de identificação com as pautas indígenas e de cumplicidade enquanto grupo, que por vezes era diretamente proporcional às dificuldades e aos conflitos encontrados nos diferentes contextos locais. O segundo momento consistiu na discussão da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas/PNASPI e da Política Nacional de Atenção Básica/PNAB. Teve o propósito de destacar os princípios e diretrizes dessas políticas com vistas à operacionalização, mediante construção dos mapas de saúde contendo o território adstrito, as características de ocupação territorial dos povos indígenas locais, aspectos socioculturais, perfil de morbidade, distribuição das equipes e das Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI), entre outros. Tais atividades foram desenvolvidas durante os dois primeiros dias. Dessa forma, foi feita uma análise crítica comparativa entre o que é preconizado nas políticas e o que é efetivado. A partir dessa análise, foram levantadas propostas que viabilizem a concretização das diretrizes da PNASPI e da PNAB. No terceiro dia, foi abordado um estudo de caso a fim de elucidar o processo de preenchimento de cada instrumento de registros dos atendimentos em saúde entre os profissionais das equipes. O quarto dia foi dirigido para a construção efetiva dos instrumentos de planejamento do processo de trabalho das EMSI de acordo com os dados levantados na sala de situação de cada Polo Base. No quinto dia, as equipes foram convidadas a assumir o exercício cotidiano da gestão, a saber, eleger prioridades a partir dos problemas enfrentados pela comunidade em seu cotidiano, que sejam sensíveis às ações de atenção básica. O final do primeiro encontro presencial da estratégia de matriciamento aqui apresentada foi marcado, indistintamente, por depoimentos de incentivo e fortalecimento dessas práticas de qualificação dos serviços prestados, reaproximando as dinâmicas da gestão e da assistência, com ganhos significativos para a organização do modelo de atenção aplicado no âmbito da saúde indígena, assim como para a qualidade de vida e saúde da população indígena assistida. Essa experiência se propõe a construir subsídios para a reorganização dos serviços e processos de trabalho das EMSIs. Alguns desafios ocorreram durante a sua implantação, majoritariamente de caráter operacional: atraso ou ausência de custeio do deslocamento dos participantes e dificuldade de reservar espaços adequados à realização do encontro. Cita-se, ainda, a dificuldade de concentração e participação de alguns membros das equipes nas atividades, uma vez que foram realizadas em seu ambiente de trabalho. No entanto, considera-se que a estratégia de matriciamento tem sido exitosa e geradora de efeitos positivos e permanentes, sobretudo devido à aproximação dos profissionais de saúde da gestão com aqueles da assistência. Tal vínculo permitiu atualmente um maior conhecimento da situação de saúde do território pelas EMSI, o aprimoramento do planejamento das visitas e ações em território, uma melhor compreensão e uso dos instrumentos de coleta de dados, maior qualificação dos dados de saúde coletados e a análise crítica desses dados.

Assim, conclui-se que a 1ª visita realizada para o apoio matricial contribuiu para a melhoria do processo de conhecimento e produção da informação com vistas à reorganização do trabalho. Nesse sentido, a estratégia deve avançar com outro foco, mais específico e voltado para a melhoria dos indicadores de saúde prioritários.


Palavras-chave


apoio matricial; saúde indígena; atenção básica.