Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
SENTIDOS DA DEFICIÊNCIA NA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE
Camila Dubow, Patricia Marcante Soares, Marta Regina Mueller, Morgana Pappen, Maria Carolina Magedanz, Edna Linhares Garcia, Suzane Beatriz Frantz Krug

Última alteração: 2017-11-13

Resumo


APRESENTAÇÃO:

O conceito de deficiência vem se modificando ao longo dos anos, acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade e as conquistas alcançadas pelas Pessoas com Deficiência (PcD). Entretanto, mesmo com inegáveis avanços na concepção de deficiência e aprimoramento das políticas públicas relacionadas a esta temática, as PcD ainda possuem muitas necessidades no campo da saúde não satisfeitas. Neste contexto, a concepção e os sentidos produzidos a respeito de deficiência são fundamentais para o funcionamento do sistema de saúde, constituindo-se em um horizonte de racionalidades sob o qual os serviços e os processos de trabalho são organizados. As representações sociais da deficiência tornam a atenção à saúde destas pessoas ainda mais complexa, revelando a necessidade do conhecimento acerca dos seus sentidos para os diversos atores implicados nos processos de cuidado, de modo a sustentar mudanças importantes na forma e na organização da atenção em saúde das PcD. Assim, compreender e produzir sentidos acerca da deficiência tem implicação direta nos processos de cuidado, repercutindo nos modos de organizar os processos de atenção à saúde a estes indivíduos. Frente a este cenário, este trabalho objetiva conhecer e analisar os sentidos produzidos acerca da deficiência, por atores implicados com a atenção à saúde de Pessoas com Deficiência.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa realizada na 28ª Região de Saúde do Rio Grande do Sul. Participaram 49 sujeitos pertencentes a sete segmentos envolvidos com a atenção à saúde de Pessoas com Deficiência na referida Região de Saúde, assim distribuídos: 01 Coordenador da Política Estadual da Saúde da Pessoa com Deficiência do Rio Grande do Sul (Segmento 1), 10 Secretários Municipais de Saúde (Segmento 2), 10 Representantes de Atenção Básica (Segmento 3), 02 Coordenadores de Serviços Especializados em Reabilitação (Segmento 4), 01 Coordenador Assistencial de Serviço Hospitalar (Segmento 5), 14 Trabalhadores de Saúde (Segmento 6) e 11 Pessoas com Deficiência ou seus representantes legais (Segmento 7). Os sujeitos dos segmentos 1 ao 5 foram os titulares dos referidos cargos quando da coleta de dados. Para o segmento 06 contemplou-se a representação de todos os componentes da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência. Os sujeitos do segmento 7 foram indicados pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMPEDE) ou coordenadores de Serviços de Reabilitação.

A coleta de dados foi realizada em dois momentos: inicialmente, os 49 sujeitos preencheram um formulário que questionava quais as três palavras que lembravam ao ouvir o termo “Pessoa com Deficiência”. A fim de complementar as informações, em um segundo momento, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 12 sujeitos, questionando-lhes a concepção que possuem sobre deficiência. As entrevistas foram gravadas em mídia digital mediante consentimento prévio e transcritas em sua íntegra. O estudo cumpriu os requisitos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul, sob o protocolo 1.300.666/15 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E/OU IMPACTOS

Ao questionar os sujeitos do estudo sobre as três palavras que lembravam ao ouvir o termo “Pessoa com Deficiência”, as mais frequentes foram, respectivamente: Cuidado (20,40% dos sujeitos), Dificuldade (18,36% dos sujeitos), Preconceito (12,24% dos sujeitos), Acessibilidade e Reabilitação (10,20% dos sujeitos). Ao aprofundar esta questão por meio de entrevista, sobressaíram sentidos semelhantes, com destaque para as impressões de incapacidade e limitação funcional, dificuldade e dependência, ilustradas pela seguinte fala de um Secretário Municipal de Saúde:

“Pra mim é aquele que sozinho não consegue o suporte que ele deveria ter, um normal, vamos dizer assim. Essa pessoa depende de outro, depende de cuidado, de medicação. Sempre precisa de alguém pra dar suporte para que a vida dele, social e familiar, seja amenizada perante aquela situação que ele se encontra ali.” (S1)

Observou-se, a partir dos sentidos produzidos, grande enfoque na incapacidade funcional destes indivíduos, remetendo à concepção de um modelo tradicional de deficiência, no qual o sujeito precisa de habilidades extras para superar dificuldades e realizar suas ações.

Também emergiram sentidos que traduzem a dificuldade em verbalizar o que seria uma Pessoa com Deficiência, deixando entrever constrangimentos e receios frente à diversidade, demonstrando as limitações e fragilidades que o trabalhador de saúde possui no cuidado às PcD, representados abaixo pela fala de um trabalhador de saúde:

“É uma pessoa que tenha...é difícil conceituar deficiência (silêncio). É alguém que tenha, não é uma necessidade especial, mas que de alguma forma...nossa como é difícil (risos)”.

Percebe-se que, por mais antigas que sejam as condições que envolvem as deficiências, ainda não é uma questão de fácil trato para a sociedade e, de maneira mais específica, para os trabalhadores de saúde, demonstrando a importância de se falar sobre as diferenças no cotidiano dos serviços de saúde. Constata-se, com isso, que a concepção de deficiência nas políticas públicas de saúde ainda não rompeu com a racionalidade sustentada pelo modelo biomédico. Ao mesmo tempo em que existe um forte movimento teórico e político de crítica a este modelo, denominado modelo social da deficiência.

Apesar de a maioria dos sujeitos da pesquisa apontarem as limitações das PcD, também emergiram sentidos que colocam a deficiência como mais uma característica do ser humano com necessidades singulares, porém que não tornam estas pessoas diferentes das demais. Em outros termos, os sentidos apontam para uma compreensão de que de algum modo em relação a um ideal de ser humano, todos temos deficiência. Assim as diferenças não devem ser vistas como limitantes da vida social, como ilustrada a seguir pela fala de um trabalhador de saúde:

“São pessoas que têm algum diferencial. Na realidade todos nós temos. Eu também tenho as minhas dificuldades, cada um tem as suas, porém as PcD talvez tenham isso um pouco mais acentuado que outras pessoas.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão da deficiência constitui um horizonte de racionalidade permeado por conhecimentos técnicos e científicos, e, ao mesmo tempo, engloba valores relacionais, como crenças e valores sociais. Observou-se, neste estudo, grande enfoque nos aspectos orgânicos e na incapacidade das PcD, levando à concepção de um modelo tradicional de deficiência, conhecido como modelo biomédico.

Nesta perspectiva, ressaltamos o aspecto da associação entre deficiência e incapacidade, presente em muitos discursos, o que sustenta uma Atenção organizada sob a forma de tutela do sujeito, de modo a fragilizá-lo ainda mais diante de suas demandas. Frente a este contexto, urge a produção de resistências por parte dos profissionais da rede de cuidados.

Nesse sentido, para que se consiga proporcionar uma atenção à saúde de qualidade a estas pessoas, torna-se fundamental que se produzam mudanças na formação dos profissionais, na organização dos serviços e na própria cultura, de modo a suprimir o modelo biomédico e tutelar, discursos ainda hegemônicos na nossa sociedade.

A forma de compreender a deficiência repercute diretamente nos processos de cuidado, impactando nos modos de organizar os processos de atenção à saúde a estes indivíduos. Assim, este estudo revelou a importância de conhecer os sentidos da deficiência para os diversos atores implicados nos processos de cuidado de Pessoas com Deficiência, de modo a atender suas reais necessidades de saúde e proporcionando, desta maneira, um cuidado resolutivo, equânime e integral.

 


Palavras-chave


Pessoa com Deficiência; Produção de Sentidos; Sistema Único de Saúde