Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
A Contrarreforma do SUS e a Residência Multiprofissional em Saúde
Andreia Oliveira, Tania Regina Kruger

Última alteração: 2017-11-27

Resumo


Apresentação

O estudo tem como objetivo tratar da contrarreforma do SUS e a Residência Multiprofissional em Saúde. A desconstitucionalização do SUS aqui também chamado de contrarreforma está avançando desde 2016, num contexto de desmonte e privatização de empresas e dos serviços públicos estatais tão caros a sociedade brasileira. A partir de 1990, na esteira da implementação do SUS, foi sendo redefinido o papel do Estado, em um processo influenciado pelas políticas neoliberais, como pensamento político e econômico adotado no enfrentamento das transformações da sociedade capitalista. No projeto neoliberal, a política social e de saúde são concebidas como territórios de manutenção de legitimidade, de clientelismo, além de constituir políticas voltadas para o fortalecimento do mercado. Nessa direção, sem desconsiderar os avanços obtidos no sistema de saúde, é imperioso reconhecer a existência de obrigações legais não cumpridas.

No contexto da crise do capitalismo contemporâneo, o Estado vem adotando políticas de austeridade fiscal, com redução dos direitos sociais, privatização das empresas estatais e da gestão políticas sociais. Desde 2016, de modo mais intensificado, no governo Temer, de contornos ultraliberais, vêm sendo criadas medidas de redução do financiamento da seguridade social, da saúde, de forma a fortalecer o setor privado em detrimento dos fundamentos do SUS, além de oportunizar o aparecimento do populismo de direita, com suas agendas conservadoras.

Este quadro macro tem implicações na formação de trabalhadores para o SUS, particularmente nos Programas de Residência Multiprofissionais. E assim, o texto procura caracterizar a conjuntura regressiva do SUS, pois o consideramos um projeto de saúde nacional do ponto de vista democrático-popular, e suas implicações nos Programas de Residência.

Método do Estudo

Trata-se de estudo de natureza descritiva e exploratória, desenvolvido por meio de revisão bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica buscou textos de autores estudiosos do SUS. A pesquisa documental realizou-se com consulta em instrumentos do marco legal, a acervos institucionais eletrônicos de órgãos governamentais, especialmente aqueles vinculados ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Educação e Cultura.

A interpretação dos resultados foi realizada com suporte de recursos metodológicos da análise temática e da análise de conteúdo do método qualitativo de pesquisa social.

Discussão e Resultados

No Brasil, as Residências Multiprofissionais em Saúde (RMS) surgiram na década de 1970, no mesmo período do reconhecimento legal e da instituição da Residência Médica como modalidade de ensino de pós-graduação (Decreto Nº 80.281/1977). O debate em torno da criação de Residências Multiprofissionais em Saúde, com envolvimento de diferentes áreas profissionais, encontrou respaldo nas lutas da Reforma Sanitária, resultando, dentre outras conquistas legais, a prerrogativa constitucional do SUS, em relação à ordenação da formação de recursos humanos em saúde.

Desta forma, o Ministério da Saúde e da Educação, desde a metade da década de 1990, vem organizando políticas indutoras para a formação dos profissionais de saúde para o SUS. A ênfase nas políticas de educação em saúde vem se ampliando desde 2003, quando o Ministério da Saúde criou a Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde – SGTES, com o objetivo de formular políticas norteadoras da formação e qualificação dos profissionais, em questões relacionadas ao trabalho e educação na saúde.

A regulamentação da Residência Multiprofissional em Saúde ocorreu, impulsionada por alguns fatores: a realização, em 2002, de 19 Residências Multiprofissionais em Saúde da Família, com financiamento do Ministério da Saúde; a criação da SGTES; e o advento da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, expressa na Portaria nº 198/2004, substituída pela Portaria GM/MS nº 1.996/2007.

Com a Lei Nº 11.129/2005, foram regulamentadas as Residências Multiprofissionais e/ou Integradas em Saúde. Por meio dessa foi criada a Residência em Área Profissional da Saúde e instituída, a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS).

Entretanto, o processo de regulamentação da Residência Multiprofissional e da formação em saúde, ocorreu em meio a disputas em torno de uma dupla vertente: de um lado, o projeto de formação em consonância com os princípios do SUS; e, por outro lado, o projeto médico-curativo hegemônico, compatível com a lógica mercadológica e privatização do sistema de saúde.

A atual conjuntura acirra as disputas frente ao esfacelamento dos pilares da serguridade social do SUS e da educação pública e aos recorrentes ataques à classe trabalhadora, de modo que a defesa e qualificação das Residências em Saúde perpassa não apenas pela garantia de uma formação permanente e continuada para os trabalhadores em saúde, mas também pela defesa da formação em saúde comprometida com os princípios do SUS, da Reforma Sanitária e com a defesa da democracia.

Como modalidade de ensino-serviço, há um campo de tensão e dualidade entre  trabalho e formação, secundarizando o ensino, especialmente com as medidas expansionistas da Residência, por meio de abertura de programas não vinculados a instituições de ensino, mas apenas de serviço sob certificação de SUS-escola ou locais que abriguem Residência Médica. Tal tendência induz à descaracterização dos pressupostos político-pedagógicos estruturantes da formação em Residência, situação agravada pelas condições de trabalho do profissional da rede, o qual é levado a assumir diferentes papéis, ou seja, como preceptor e tutor do ensino teórico e prático ao mesmo tempo. Por outro lado, ora o residente é visto como trabalhador, ora o residente é estagiário, ora o residente 2 é o próprio preceptor do residente 1.

Somadas a esses desafios, observam-se enormes fragilidades técnica e política nos Projetos Pedagógicos das Residências, pois, vinculados à perspectiva, especializada e curativa, tais projetos pedagógicos impulsionam uma formação voltada para as necessidades do mercado, apesar de possuírem retórica de defesa do SUS. A carga horária destinada à parte teórica destes cursos é insuficiente, e o enfoque da formação não garante a integralidade da atenção, e tampouco a reafirmação dos fundamentos do SUS, além do distanciamento nas residencias com os debates conjunturais da saúde, com os espaços de participação, foruns e frentes em defesa da saúde pública.

A precarização da educação, do trabalho docente e do trabalho dos profissionais de saúde se expresa nos programas de residência em várias dimensões; com relação à carga horária, dificuldades de implementar uma formação das Residências em consonância com os principios do SUS. A precarização das condições de trabalho encontra tensões frente aos “novos” modelos de gestão do SUS, a exemplo das Organizações Sociais (OSs), da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e das Fundações Estatais de Direitos Privados, pois estes projetos aprofundam a privatização dos serviços públicos, a precarização da gestão e das condições de trabalho.

Considerações Finais

O contexto de contrarreforma do SUS, a partir das diferentes expressões apresentadas, supomos que tenderá a fortalecer o financiamento do modelo baseado na media e alta complexidade, que gera demanda por recursos adicionais e de forma oligopolista pelos hospitais privados e filantrópicos contratados. Esta tendência é corrosiva para os fundamentos democrático-populares do SUS, para a organização da universalidade do acesso a partir da atenção primária, para os serviços de vigilância em saúde, para os colegiados deliberativos da política e, sobretudo, acarretando implicações diretas nos processos de formação das Residências.

Considerando o conjunto de desafios presentes, entende-se que a defesa e qualificação das Residências em Saúde perpassa não apenas pela garantia de uma formação permanente e continuada para os trabalhadores em saúde, mas também pela defesa da formação em saúde comprometida com os princípios e diretrizes do SUS, da Reforma Sanitária e com a defesa e aprofundamento da democracia.

 


Palavras-chave


Residência Multiprofissional em Saúde; Contrarreforma; SUS.