Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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INTERPROFISSIONALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: semelhanças e diferenças conceituais
ANA ECILDA LIMA ELLERY, IVANA CRISTINA DE HOLANDA CUNHA BARRETO

Última alteração: 2017-11-18

Resumo


Apresentaçäo. Considerando que os cuidados em saúde exigem a intervenção sobre fatores causais múltiplos, requerendo, portanto, a participação de profissionais com diferentes formações e compreensão dos complexos fenômenos que se apresentam, necessário se faz revisitar conceitos e compreensões sobre as possibilidades de relação entre disciplinas e profissões, no cotidiano dos serviços em saúde. Neste sentido, o presente artigo objetiva compreender as categorias interdisciplinaridade e interprofissionalidade, enfatizando as semelhanças e diferenças conceituais. Método. Estudo qualitativo, resultante de tese de doutorado, no diálogo com formulações teóricas e empíricas, de pesquisa realizada com 23 profissionais da Estratégia Saúde da Família, numa métropole brasileira. Resultados. Muito embora existam similaridades entre a interprofissionalidade e a interdisciplinaridade, consideramos haver diferenças importantes entre estas duas categorias. A estrutura conceitual da interdisciplinaridade é marcada por processos cognitivos, com partilha de conhecimentos, mediados pelos afetos, ocorrendo no campo da organização dos saberes. A interprofissionalidade, contudo, além de envolver processos cognitivos e afetivos, se realiza no campo das práticas, ou seja, no domínio pragmático. Consideramos ser a dimensão afetiva a mola impulsionadora do cognitivo (integração de saberes) e do pragmático (colaboração interprofissional). O profissional, para socializar seus conhecimentos, propiciando a integração de saberes e a colaboração interprofissional, confronta-se com afetos diversos, como o medo de perder espaços de poder e prestigio. Neste sentido, consideramos ser a interdisciplinaridade e a interprofissionalidade processos mediados pelos afetos. As práticas profissionais são desenvolvidas por trabalhadores com formações dentro de um mesmo campo disciplinar, a exemplo dos enfermeiros e técnicos de enfermagem, regulados por um mesmo conselho profissional; ou de campos disciplinares diferentes, como Psicologia, Medicina, Fisioterapia. Há também trabalhadores da saúde não regidos por nenhum conselho de categoria, como os agentes comunitários de saúde. Assim, no campo da prática, parece-nos mais apropriado falarmos de interprofissionalidade, uma vez que se trata de interrelações e interfaces entre profissões. A Interprofissionalidade é um termo usado para definir a atuação conjunta de diversos profissionais dentro de suas áreas de competência, integrando saberes (dominio cognitivo) e compartilhando práticas ou colaborando em atividades complementares (dominio pragmático), processos estes mediados por afetos. Assumindo este conceito de interprofissionalidade, podemos perceber que ela entra em confronto com a lógica profissional, onde há limites bem estabelecidos para a atuação de cada categoria, regulamentada por leis e fiscalizada pelos conselhos de classe. Consideramos haver assimetrias na permeabilidade entre a interdisciplinaridade e a interprofissionalidade. A interdisciplinaridade ocorre no campo da organização dos saberes, sendo estes mais facilmente compartilhados, se compararmos com as possibilidades de partilha de práticas e do fazer profissional. Por exemplo, qualquer profissional pode estudar e se apropriar de conhecimentos da farmacologia, mas somente o médico pode prescrever amplamente (o odontólogo e o enfermeiro podem prescrever mediante protocolos). O mesmo raciocínio se aplica ao conhecimento teórico sobre a elaboração de dietas (privativa de nutrólogos e nutricionistas); ao estudo das técnicas psicoterapêuticas (privativas de psicólogos e psiquiatras), dentre outras. Se por um lado o domínio teórico destas técnicas é amplamente permitido, sobretudo com o advento da internet, a sua utilização no campo profissional, contudo, é regulamentada pelos conselhos profissionais, sendo restritiva. A interprofissionalidade ocorre no campo das práticas, onde as fronteiras da atuação profissional são mais rígidas, dificultando a socialização e compartilhamento das práticas. A interdisciplinaridade tem lugar na organização dos saberes, enquanto a interprofissionalidade vai para além desta dimensão cognitiva, efetivando-se no domino da organização do trabalho. Em sintese, um projeto interdisciplinar envolve as dimensões cognitiva e afetiva, possibilitando uma nova organização de saberes, a partir da utilização de referenciais teóricos de diferentes disciplinas. Este é um processo mediado pelos afetos, uma vez que necessita da disponibilidade, do desejo, da abertura da pessoa para outras formas de ver e interpretar os fenômenos. Todo projeto interprofissional pode ser considerado também um projeto interdisciplinar, pois a prática está alicerçada em referenciais teóricos, que a orienta; por outro lado, nem todo projeto interdisciplinar evolui para um projeto interprofissional. O projeto interprofissional é um projeto interdisciplinar que avançou para a dimensão pragmática, desenvolvendo práticas interprofissionais. A interprofissionalidade é, portanto, um processo de trabalho, mediado pelos afetos, onde profissionais com formações acadêmicas distintas trabalham juntos, sendo afetados uns pelos outros, resultando numa ampliação dos métodos de ver e interpretar os fenômenos, a partir da integração de saberes; e numa modificação das práticas, quer seja através da colaboração interprofissional, no núcleo específico de atuação de cada profissão; ou/e na construção de um campo comum de intervenção, onde as práticas são compartilhadas entre os profissionais indistintamente. Discussão. A diferenciação trabalhada no presente artigo entre interprofissionalidade e interdisciplinaridade não aparece de forma clara na literatura especializada, sendo conceitos utilizados como correlatos, na maioria dos estudos. Encontramos, entretanto, autores, que, tal como é adotado neste estudo, fazem diferenças entre os termos “disciplinar” e “profissional”. O termo “disciplinar” refere-se às relações no campo epistemológico, cognitivo; e o profissional, às relações entre profissões, referindo-se, portanto, ao campo pragmático. Nas análises entre as relações entre disciplinas e profissões, estes termos são utilizados em conjunto com prefixos “multi”, “inter” e “trans”. Considerar o aspecto da afetividade como presente na efetivação de projetos interdisciplinares e interprofissionais está presente quando alguns estudos referem aspectos subjetivos como dimensão do trabalho interprofissional. Emoções, sentimentos, afetos são os sensores para o encontro, servindo de guias internos e estäo correlacionados com as demais funções psiquícas, como a cognitiva (DAMASIO, 1996). A construção de projetos interprofissionais encontra barreiras diversas, que precisam ser pactuadas. A interface do trabalho profissional é um tema complexo, por serem as áreas de competências de cada trabalhador cada vez mais interrelacionadas. Há diversas áreas de competências que são comuns a várias profissões, algumas que são complementares, outras estão imbricadas. O que vai possibilitar estabelecer a interprofissionalidade é o debate democrático da equipe, que deve estabelecer protocolos de trabalho conjunto. Este processo é gradativo, carece de pactuação, não sendo resolvido somente na disputa legal, definindo verticalmente essa interface. Considerações finais. Encontramos evidências de que a interprofissionalidade parece ter maiores desafios a serem vencidos do que a interdisciplinaridade. Isto porque os saberes são mais facilmente integrados, se comparado com as possibilidades de compartilhamento de práticas, regulamentadas por conselhos profissionais. Enquanto a interdisciplinaridade se processa nos dominios cognitivo e afetivo, a interprofissionalidade vai também para o campo pragmático, onde as disputas de poder e status profissional são ainda mais evidentes, complexas. A interprofissionalidade é um processo em construção, havendo questões complexas a serem trabalhadas para sua implementação. No Brasil, a disputa por espaço e hegemonia entre as profissões da área da saúde, sobretudo pela relaçäo assimétrica entre a categoria médica e os demais profissionais deste campo de saberes e práticas, cria uma ambiência que coloca em risco a colaboração entre as profissões. A crescente diversidade de trabalhadores nos serviços de saúde coloca frente a frente profissionais das mais distintas formações, com interfaces cada vez maiores nos saberes e práticas. Portanto, parece-nos imperativo que a organização dos saberes e das práticas se processem, essencialmente, em função dos interesses e das necessidades dos usuários e não dos interesses corporativos. Caso contrário, os serviços de saúde poderão se transformar em “campos de batalha” por espaço, prestígio e poder. Nesta concepção, a multiprofissionalidade só é factível e efetiva sob a ótica da interprofissionalidade.

 


Palavras-chave


Relações interprofissionais, Equipe Interdisciplinar de Saúde, Comportamento Cooperativo.