Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A DOENÇA MENTAL NA FAMÍLIA: SIGNIFICADOS E RECURSOS ADAPTATIVOS NO CUIDAR
Brenda dos Santos Coutinho, Andreza Dantas Ribeiro, Herman Ascenção Silva Nunes, Renan Fróis Santana, Érika Marcilla Sousa de Couto

Última alteração: 2017-11-23

Resumo


Apresentação: No atual enfoque da saúde mental, a família ocupa um novo papel no tratamento do portador de transtorno mental. Porém, estabelecer o cuidado doméstico à pessoa com sofrimento psíquico demanda da família um trabalho complexo, observado o histórico de isenção da família e a atual restituição. Portanto, esse cuidado requer disponibilidade, esforço, compreensão e capacitação mínima, para que esses cuidadores encontrem meios de lidar com suas frustações, sentimentos de impotência e culpa. A partir disso, o objetivo do estudo foi compreender o significado de vivenciar um transtorno mental na família com vista a identificar estratégias adaptativas de cuidados desenvolvidos pela família. Desenvolvimento do trabalho: Estudo exploratório com abordagem qualitativa e enfoque fenomenológico. Realizado em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), no município de Santarém - PA, no mês de maio de 2016. Participaram do estudo, familiares de usuários atendidos no CAPS, selecionados aleatoriamente e por conveniência. Elegeram-se como critérios de inclusão dos participantes: familiares com 18 anos ou mais, que aceitaram participar da pesquisa, tivessem experiência recente em cuidar de um familiar portador de transtorno mental (PTM), que convivem com o mesmo, e que estes frequentassem o respectivo CAPS três vezes ou mais ao mês. A coleta de dados foi feita em um grupo realizado com familiares direcionados pelas seguintes questões: “Para você, o que significa ter um familiar portador de transtorno mental?”, “Quais as estratégias que você utiliza para lidar com o familiar portador de transtorno mental em casa quando ele está entrando em crise?”. A análise fenomenológica foi feita à luz do modelo de Giorgi. O estudo obedeceu aos princípios éticos dispostos pelo Conselho Nacional de Saúde – CNS, resolução 466/12. Para que a identidade dos participantes fosse preservada, os familiares integrantes (F) foram identificados por ordem numérica. Resultados: Participaram do estudo cinco familiares dos PTM que atenderam aos critérios de inclusão deste estudo. Em referência ao grau de parentesco, quatro eram filhos (as) e, somente um cônjuge/companheiro (a). A partir da análise da exposição dos familiares foi possível identificar três unidades de significado: 1. A repercussão do diagnóstico e a inversão de papeis, 2. Ser familiar e cuidador de um portador de transtorno mental e 3. Deficiências e estratégias no cuidado do familiar com o portador de transtorno mental. A primeira unidade engloba o impacto do diagnóstico para a família, o que traz ruptura na realidade de seus membros, conduzindo mudanças no cotidiano do familiar-cuidador, evidenciado pelo relato: “[...] eu tive que ir pra lá, fazer uma casa pra poder cuidar dela [...], toda vez eu fazia comida lá em casa e tinha que levar pra ela”. (F4). Outro ponto abordado refere-se ao sentimento de inversão de papeis vivenciado pelos familiares, constituindo-se de uma experiência que exige o amadurecimento precoce e predispõe de preparo psicológico, como é ilustrado: “Comigo foi mais a inversão de papel, de filho virei pai. Aí eu tive que controlar remédio, que ver comida”. (F3). O individuo portador de transtorno mental ocupa o lugar do que necessita de cuidados e os familiares tornam-se os cuidadores. A segunda unidade de significado retrata os sentimentos que devem ser lidados pelo familiar-cuidador diariamente. A visualização de um ente querido acometido por um transtorno psíquico gera o sofrimento conjunto, além dos mesmos se julgarem impotentes diante da situação: “[...], quase entrei em depressão também [...], uma vez eu fui lá com a psicóloga ela disse pra mim me controlar porque se não eu ia ficar ruim também, igual ela. Porque quando ela entrava em crise era o mesmo que eu entrar junto, porque era uma dor maior”. (F4). A experiência cotidiana da família na convivência com o portador de doença mental é marcada de sofrimento e reflete a inabilidade de lidar com a doença, tornando-a fato gerador de estresse. Também foi visualizada nessa categoria, a sobrecarga de um familiar, em específico no cuidado, visualizado a incompreensão e não preocupação pela maioria: “[...], os filhos dela não querem compreender a situação que ela tem, são ignorantes com ela, eu já chamei atenção por isso”. (F1); “[...], é só eu, tem hora que eu tou pirando [...], eu quero que meus irmãos colaborem com alguma coisa, mas eles dão mais preocupação ainda”. (F5). A terceira unidade de significado reflete a carência de conhecimento acerca do cuidar e das patologias psiquiátricas pelos familiares, como apontado nas narrativas: “[...], eu nunca sei o que fazer é quando ele tá chorando, eu nunca sei o que eu faço”. (F3); “[...], tem certos dias que ela conversa sozinha, ouve vozes [...], a gente fica até assim, meu Deus, será mesmo que isso é problema de cabeça? Será que é encosto?”. (F4). Os profissionais da saúde ocupam um papel indispensável, os mesmos devem possuir uma visão que ampare as constituições familiares diversas e os diferentes sentimentos e percepções que ocorrem acerca do transtorno mental. A família necessita que os profissionais envolvidos com a saúde mental, incluindo-se os da atenção básica, ofereçam suporte e orientações, acolhendo suas demandas e dificuldades (BRASIL, 2013). Outro fenômeno presente nas falas dos familiares foram os meios e/ou estratégias desenvolvidas no decorrer da experiência de cuidar de um portador de transtorno mental: “E também o remédio, a pessoa tá em crise, né? Não quer tomar, finge que engole [...], a pessoa tem que botar medo nela, tipo uma pressão pra ela sentir medo e poder ingerir, né?[...], tem que ter uma pessoa que ela tenha medo pra poder sempre tomar”. (F2); “[...], agora eu fiz uma casa lá atrás e vou me mudar [...], pra lá, pra poder cuidar dela”. (F5). A convivência com o portador de transtorno mental produziu nos familiares um conhecimento empírico de como lidar com as dificuldades diárias no cuidado do sujeito em sofrimento psíquico, ressaltando-se a necessidade de autoridade do cuidador perante o que recebe os cuidados, colocando o medo como intermediador. Outro recurso utilizado foi deslocar-se para próximo do familiar adoecido, para facilitar o cuidado. Porém, os tópicos anteriores revelaram as dúvidas e carências dos familiares no cuidado e, estes produzem estratégias que atuam como um escape do não saber como agir. Considerações finais: Compreender o fenômeno de ser familiar de um portador de transtorno mental exige entender a posição do outro, que se desvelou com a alteração no seu modo de ser-no-mundo, provocadas pelas intensas modificações. Para a família, o diagnóstico de um transtorno mental atua como sinônimo de alteração do cotidiano e ambiente domiciliar, além de denotar a inversão de posições. Observa-se o sofrimento em vivenciar a doença mental na família e a impotência diante da situação, além da sobrecarga enfrentada por um familiar, perante a dispensa dos demais. Também foram abordadas as deficiências no conhecimento do cuidar de uma pessoa enferma mentalmente, ocorrendo à montagem de estratégias de cuidado empiricamente, devido à falta de capacitação e como resultante de tentativas frustradas. Dessa maneira, os profissionais de saúde devem fornecer os subsídios e orientações necessários para o sucesso da família no tratamento e reabilitação psicossocial do Portador de Transtorno Mental, nesse ponto, o compreender o fenômeno torna-se essencial. 


Palavras-chave


saúde mental; relações familiares; adaptação psicológica