Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Observatório do parto em conexão com a Rede Parteiras – Belém-PA
José Guilherme Wady Santos, Ana Lúcia Santos da Silva, Emerson Elias Merhy

Última alteração: 2017-12-12

Resumo


O Observatório do parto e produção do cuidado em diferentes modalidades, compõe a Rede de Observatórios Microvetorial de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde, criada a partir da Chamada MCTI/CNPq/CT- Saúde/MS/SCTIE/Decit Nº 41/2013. Cada observatório fundamenta sua metodologia a partir de um ou mais vetores que compõem a proposta de pesquisa da Rede. Nesse processo, foram fundamentais os resultados alcançados a partir da pesquisa “Rede de Avaliação Compartilhada: Avalia quem pede, quem faz e quem usa” (RAC), desenvolvida nacionalmente entre 2013 e 2016. No Pará foi avaliada a Rede Cegonha (RC) - Portaria Nº 1.459/2011 (MS), - rede temática como estratégia de melhoria da assistência ao pré parto, parto e pós parto. A RC nos levou dos serviços de saúde ao encontro com as parteiras tradicionais do município de Bujarú (PA). Elas logo se constituíram em parteiras guia pesquisadoras e, desse modo, nos conduziram pelos caminhos de suas práticas de produção de cuidado, não somente através da arte de partejar, que em si já é de uma complexidade evidente, mas também de todo seu engajamento ético político envolvido na produção de existências. O objetivo do Observatório é pensar como a Lei Nº 1.459 impacta na trajetória assistencial e existencial de mulheres, alinhando-o a um dos vetores da Rede de Observatórios Microvetorial. Portanto, o Observatório do parto e produção do cuidado foi criado a partir da necessária defesa ético política do engajamento das parteiras, das experiências de afeto, produção do cuidado e luta contra hegemônica a um modelo tecnoassistencial, médico centrado voltado ao parto. Seguimos com a experiência e o (des)aprendizado que tivemos com a RAC, particularmente em nossas andarilhagens na companhia das parteiras-guias. A aposta continua na pesquisa interferência, que se realiza a partir de movimentos cartográficos e dos encontros deles decorridos, olhando para as redes de conexões existenciais que vão se conectando na produção do cuidado e provocando ondas de interferências, em nós, no serviço e nas usuárias. Pensamos que, a partir do que a lei e dos respectivos direitos e deveres por ela engendrados, as trajetórias das usuárias possam ser simplificadas e agilizadas, identificando facilidades e possíveis barreiras de acesso à rede. Temos chegado o mais perto possível da RC, tangenciando-a a partir dos encontros que temos vivenciados com as parteiras tradicionais e, agora, com as mulheres por elas cuidadas, princípio metodológico fundamental da pesquisa. Frequentamos também as reuniões mensais do fórum perinatal que ocorrem de maneira itinerante nos municípios que compõe a Região de Saúde Metropolitana I, na tentativa de ampliarmos nosso conhecimento sobre a organização da RC, das ações implementadas, os desafios e processos de discussões significativos, sempre tendo como eixo norteador os planos de ação e, ao mesmo tempo, criando e fortalecendo possíveis conexões. A Rede Parteira (RP) de Bujarú tece uma potente rede de atenção na produção do cuidado às mulheres no pré parto, no parto e pós-parto, ampliando a rede oficial e, em alguns casos, se colocando como a única rede de cuidado existente. A RC, por sua vez, não reconhece a arte de partejar em sua singularidade e, por seu turno, também segue seu fluxo de ordenação da política de atenção à saúde da mulher. Vale ressaltar que o próprio plano de ação para a RC, no Estado do Pará, ainda não levou suas ações até àquele município, próximo (74km) à capital, Belém. Desse modo, as mulheres grávidas, particularmente aquelas cujos territórios de vida estão para além das fronteiras urbanas do município, encontram apoio e cuidado nas parteiras tradicionais, que têm histórico em “pegar criança”, cuidar e orientar várias gerações, e em alguns casos, até interferir, por meio de suas práticas, no povoamento de uma dada comunidade. Paradoxalmente, suas práticas têm caído em certo descrédito frente à medicina tecnológica que tornou o parto uma questão de ordem médica e se apropriou do corpo feminino, além de todo um discurso que as nomeiam como bruxas, feiticeiras, matintas, “macumbeiras” e outros adjetivos pejorativos, discriminatórios e de tentativa de criar invisibilidade de suas práticas e até de suas existências, e com os quais têm que enfrentar cotidianamente. Há um combate por meio de práticas contra hegemônicas e auto afirmadoras da RP, pois além de parteiras, estas possuem outros fazeres que as tornam uma multidão em si, e que cuidam não apenas das mulheres grávidas, mas também de toda a comunidade, por meio de rezas e mezinhas, cantigas e rodas, e de suas participações em cooperativas de produção agro familiar e sindicato de agricultores e grupos de mulheres. Portanto, o desafio passa por esses enfrentamentos, inclusive, de valoração do que é ser parteira tradicional, e como isso vai se produzindo. Assim, no percurso de elaboração do projeto e processo de construção do Observatório do Parto, as parteiras de Bujarú passaram a compor, de modo mais efetivo, sistematizado e auto gestionário o “Coletivo de Parteiras Tradicionais de Bujarú – Clara Trindade”, nome esse inspirado em uma das parteiras mais antigas naquela cidade e região, e que faleceu recentemente aos 82 anos de idade e cerca de 53 anos dedicados a arte de partejar. Foi nesse contexto que encontramos, na comunidade do Castanheiro, uma das mulheres que, já com o filho de 6 meses, continua sendo cuidada pela “parteira ridente” (parteira de riso revolucionário e conhecimento gaiato). Apesar de não ter tido parto natural como gostaria, diz que fez o pré-natal “lá e cá”, se referindo à rede instituía e RP, “pra não perder algum direito que eu tivesse”, completa ela. E segue: “mas se eu dependesse só deles, eu não tinha tido meu filho em boas condições por que aqui sempre puxei a barriga e me cuidei com ela, que me conhece desde criança também e não me deixou ficar nas mãos deles, por que ‘olha, cuidado pra não perder esse teu filho... é menino que eu sei, já te disse’. E não é que ela acertou!?” Esse entrelaçamento de Redes, a invasão da RP “engravidando” a RC, compõe o cenário da política de saúde da mulher naquele município, muito embora haja uma tentativa de invisibilidade de uma em relação à outra. As poucas ações voltadas às parteiras vêm na contra mão do que estas reivindicam e, quando muito, fala-se em distribuição de “kit-parteiras”, sem um canal de diálogo sobre o seu fazer. Atualmente vislumbra-se a implantação de uma casa de parto no município, provavelmente por conta das interferências da pesquisa RAC no território pesquisado, o que pode ser uma ação potencializadora de suas práticas, o reconhecimento de seus conhecimentos e da produção de cuidado efetivado pelas mãos das parteiras. No entanto, essas ações precisam vir acompanhada de uma efetiva participação das mesmas. O Observatório do parto e produção do cuidado em diferentes modalidades se constitui, junto com a RP e, dentro dessa, o coletivo de parteiras de Bujarú “Clara Trindade”, em mais um mecanismo de defesa ético política da vida. Trazem à luz o engajamento de parteiras tradicionais na arte de partejar e todo o conhecimento nela envolvido, cujo valor incalculável se coloca em disputa pela hegemonia de modos de produção do viver, com um certo saber que tem tornado o parto uma questão médica e o corpo da mulher estranho a ela própria.

Palavras-chave


Rede Cegonha; Parteiras Tradicionais; Rede Parteiras