Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-25
Resumo
Introdução
As mudanças ocorridas na formação do fisioterapeuta, desde 2002, ano em que foram homologadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Fisioterapia, trouxeram para o cenário da educação superior o desafio de uma formação por competência; a centralidade no estudante como sujeito participativo; a utilização de metodologias ativas para favorecer o processo de aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a fazer, aprender a ser . Tal desafio vem sendo debatido no Núcleo de Pesquisa em Saúde Coletiva e posto em prática, sendo todas as ações vivenciadas com os trabalhadores rurais na atividade leiteira, extensionistas da EMATER, acadêmicos do curso de Fisioterapia e professores, construídas no coletivo e embasadas em metodologias ativas e inovadoras.
As pesquisas foram a base para as atividades de extensão. E foi neste espaço privilegiado que consolidou-se as propostas pedagógicas inovadoras com os trabalhadores rurais na atividade leiteira. Por ser a extensão uma atividade acadêmica menos regulamentada, que aglutina estudantes e professores mais inquietos e propositivos, as propostas inicialmente estruturadas, foram pouco a pouco se aperfeiçoando e se expandindo, mostrando que são portadoras de caminhos que apontam para uma melhora da qualidade de vida e de trabalho da classe de produtores rurais.
A valorização local e nacional, pelos parceiros da experiência aqui relatada indica ser merecedora de atenção e de estudo. Caracterizou-se pelo modo dialogado e comprometido de todos; pela forma participativa de sua organização, onde os dirigentes da EMATER, extensionistas rurais, acadêmicos, docentes, pesquisadores e trabalhadores ocuparam grande espaço de protagonismo. Por essa razão, esta experiência conta com grande participação de alunos e professores e resulta em um relato marcado por muitas vivências, emoção, informalidade e ciência.
Descrição da experiência
Todas as oficinas foram construídas através do planejamento, do comprometimento de cada parceiro envolvido. O êxito de nossas ações sofreu forte influência da forma como trabalhamos, sempre dialogando e escutando a voz do trabalhador rural, buscando sempre seguir o seu olhar para que, tanto uma quanto o outro, fossem objeto de análise e se incorporassem às propostas de mudanças.
Procuramos em todos encontros enfatizar não somente o processo de transmissão de conhecimento, mas a ampliação do olhar dos atores envolvidos na atividade leiteira para a construção compartilhada do conhecimento e da organização política necessários à melhora da saúde postural. Em vez de procurar difundir conceitos e comportamentos considerados corretos, procuramos problematizar, em uma discussão aberta, o que está incomodando e dificultando a vida diária deste grupo.
Para tal, nos embasamos na Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão em Saúde (PNH) (Ministério da Saúde do Brasil, 2010) estruturando a prática do Acolhimento em todos os encontros, a fim de superar e inverter o Modelo de Atenção à Saúde hegemônico centrado no hospital, no médico e na doença, para um modelo que priorizou a escuta e o cuidado do trabalhador rural que nos apresenta demandas que extrapolam o corpo e se amplificam em nuances psicológicas, sociais, familiares, comunitárias.
Em todas as Oficinas, cada trabalhador rural, trouxe gestos, palavras, ponderações, discordâncias, atitudes, reflexões e perplexidades. Esse conjunto compôs um solo fértil para a construção de uma caminhada transformadora.
Foram realizadas seis Oficinas Pedagógicas de Educação e Saúde com os produtores de leite participantes do estudo e com os extensionistas da EMATAER de cada município. Os encontros aconteceram no Laboratório de Fisioterapia da Universidade de Cruz Alta/UNICRUZ, tiveram a duração de 4 horas cada um e a frequência mensal, envolvendo os seguintes temas:
1º) Esclarecimentos para os trabalhadores envolvidos na atividade leiteira dos objetivos do estudo do qual esta participando, ressaltando os possíveis benefícios da atividade de cinesioterapia para a saúde e qualidade de vida. Entrega de cartilha explicativa, com ilustrações das atividades e alongamentos que foram realizados no período de maio de 2016 à fevereiro de 2017, no domicílio pelos participantes.
2º) Reflexão e discussão sobre o tema: "Viva bem com a coluna que você tem!". De forma lúdica estudamos juntos a anatomia e fisiologia da coluna vertebral e membros (superiores e inferiores) e as consequências e riscos de se adotar uma má postura.
3º) Entrega dos exames e testes realizados, individualmente a cada participante, com aconselhamento e discussão sobre cada item avaliado.
4º) Buscando construir um entendimento sobre a importância da participação de todo cidadão no controle social para construção da integralidade a saúde, entregamos a cartilha das diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde) que aborda os direitos e deveres dos cidadãos referente à sua saúde e bem-estar psíquico e físico e realizamos uma roda de conversa com atividades de dança e construção de painéis sobre o assunto.
5º) Oficina pedagógica: "1ª capacitação para o trabalhador rural na atividade leiteira: curtir a vida com qualidade, prazer e sabedoria". Foi um momento de refletir sobre as estratégias de promoção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, de promoção da saúde, de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (IST), do HIV, da aids e das hepatites virais e da cultura de paz.
6º) Oficina pedagógica: "Desvendando e entendendo a Ergonomia no ambiente de trabalho do produtor de leite", salientando as necessidades à serem adquiridas para um maior conforto e proteção a coluna vertebral e ressaltando o que já possuem e que deve ser mantido para sua comodidade no trabalho.
Buscamos a prática do cuidado à saúde do trabalhador rural na atividade leiteira, em cada encontro, numa construção coletiva de uma experiência comum a todos trabalhadores. A rotina neste campo de trabalho é semelhante, embora a saúde, em seu conceito ampliado, como um direito radicalmente vinculado à existência de políticas econômicas e sociais que deverão assegurar outros direitos fundamentais como, por exemplo, moradia, alimentação, educação e lazer tenha distinções importantes entre os 10 municípios participantes do estudo.
Nessa perspectiva, buscou-se uma acolhida das intenções e expectativas do grupo, privilegiando a construção coletiva de uma experiência comum, solidária e igualitária, sendo o trabalhador "percebido como sujeito e agente transformador do seu ambiente e não apenas como um mero recurso humano, realizador de tarefas previamente estabelecidas pela administração local. Não é um insumo adicional, que se agrega aos recursos financeiros, tecnológicos e de infraestrutura para produzir serviços" (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2014).
Finalizamos nossos encontros com uma atividade lúdica: um Arrastapé, baile e oficina pedagógica, no qual foi escolhido entre todos os participantes o Rei e a Rainha. Foi um momento de compartilhamento e de muita aprendizagem para todos.
Considerações finais
Neste projeto, o que se buscou foi a inserção dos trabalhadores rurais na atividade leiteira, enquanto sujeitos que pensam, criticam, agem, sonham, desejam melhora da qualidade de vida. Que as ideias manifestadas por eles fossem ouvidas, analisadas, discutidas e confrontadas, pois escutá-las fez uma diferença nas propostas e nos resultados de mudanças e reformas de sua vida.
Durante todo o processo experimentado, as necessárias transformações acadêmicas foram cotidianamente aperfeiçoadas pela vivência dos alunos, orientada por um jeito diferente de conduzir o processo educativo, embasado na metodologia da Educação Popular. A partir do vínculo estabelecido com os trabalhadores rurais e sua realidade concreta, elaborou-se um agir transformador significativo, que repercutiu sobremaneira na formação estudantil e docente, contribuindo, de maneira singular, para o enfrentamento das condições de saúde desta população