Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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UMA AÇÃO DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE COM A POPULAÇÃO LGBTQIA+ EM UMA PARCERIA ENTRE UBS, CAPS ADULTO, CAPS AD E SERVIÇOS INTERSETORIAIS EM SÃO PAULO/SP
Afonso Luis Puig Pereira, Melina Alves de Camargos, Edeli Macedo

Última alteração: 2021-12-20

Resumo


Apresentação

Refletir sobre as dificuldades de acesso à saúde enfrentadas por determinados grupos como, por exemplo, a população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexual e demais orientações sexuais e identidades de gênero (LGBTQIA+), é uma demanda urgente nos serviços.

Dentre o conjunto da população LGBTQIA+, travestis e transexuais são os segmentos que mais enfrentam entraves quanto ao acesso e permanência nos serviços do SUS por medo de discriminação. Assim, pensar em educação popular em saúde pode ser uma estratégia para combater o preconceito de gênero e promover discussões nesse âmbito.

Enquanto profissionais da assistência da Rede de Atenção à Saúde, notamos o número reduzido de pessoas LGBTQIA+ atendides, em especial, pessoas transgêneros. Assim, no dia 30 de junho de 2021, uma UBS em parceria com os CAPS Álcool e Drogas e Adulto do município de São Paulo/SP desenvolveram uma ação de educação popular em saúde que buscou ampliar as possibilidades de porta de entrada no SUS para essa população, construindo novos vínculos, aproximações e itinerários em saúde.

Desenvolvimento do trabalho

Baseados no diálogo com os saberes populares de usuários dos serviços de saúde a educação popular em saúde foi o referencial teórico que norteou a proposta, trabalhando, junto à comunidade, noções de determinação social de saúde. Para isso, o recurso metodológico empregado foi a roda de conversa. Essa estratégia consiste na criação de espaços dialógicos democráticos, favorecendo a troca e a reflexão, a aprendizagem significativa, desconstruindo e ressignificando consensos, conceitos e a própria vida.

Os trabalhadores foram se engajando na proposta, convidando uns aos outros e formando um grupo ampliado. Até o dia da ação, 28 profissionais se propuseram a participar, seja de forma direta ou indireta. Esta equipe multiprofissional trabalhou em prol de dois objetivos principais: abrir as portas dos serviços de saúde e aprender sobre quais são as reais necessidades de saúde da população LGBTQIA +. O convite de participação no evento foi estendido intersetorialmente.

Como passo inicial para a operacionalização da atividade, foi solicitado aos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) o contato de LGBTQIA+ com enfoque em transgêneros. Entretanto, recebemos um número reduzido de informações.

De toda forma, a partir das informações recebidas, realizamos o contato por telefone, apresentamos os objetivos e formalizamos o convite para  irem até a UBS para nos conhecer e construir conosco os detalhes da ação. Nestes encontros foi possível apreender dificuldades inerentes à identidade de gênero e algumas dificuldades reforçadas pelos serviços de saúde, como o desrespeito ao nome social.

Junto às propostas da comunidade, foram definidas cinco rodas de conversa com os seguintes temas: hormonização e alterações corporais; violência e acolhimento; corpo, gênero e identidade; saúde mental e saúde bucal. Destaca-se que cada roda seria composta por facilitadores, responsáveis por guiar a roda e mediar as discussões, e relatores que escreveriam as ATAs e controlariam o tempo.

Participaram 53 pessoas, ao todo, representadas ali por profissionais da saúde da assistência e gestão, da assistência social e pela população do território. Houve decoração da unidade com cartazes e filipetas, bexigas coloridas com as seis cores representativas da bandeira LGBTQIA +.

O evento iniciou com uma fala de abertura agradecendo às pessoas que participaram da construção da ação e relatando que aquele dia era um marco para todos, sendo um movimento de superação de práticas assistencialistas excludentes e violadoras de direitos.

A primeira roda de conversa sobre Hormonização e Transformações Corporais foi conduzida por dois graduandos de medicina com apoio de uma médica preceptora e os relatores foram um auxiliar administrativo e uma dentista. A estratégia foi gamificação após assertivas serem apresentadas pelos condutores. Essas frases eram problematizadas e algumas questões a respeito do tema foram discutidas, a saber: reversibilidade do processo de harmonização, pólos de terapia hormonal no SUS, representatividade das pessoas trans e a relação com os profissionais de saúde. Este momento teve duração de 1h e contou com a presença de 30 pessoas.

A segunda roda de Violência e Acolhimento e contou com a condução de uma terapeuta ocupacional, uma profissional de educação física e uma assistente social. A relatoria foi realizada por dois dentistas. Perguntas norteadoras foi a estratégia. A participação aumentou de forma gradativa e temas como violência sofrida, opressão, preconceito, consumo nocivo de substâncias psicoativas, prostituição, desconstrução das normativas, realidade social binária e respeito foram abordados. Algumas palavras como empatia e resistência permearam fortemente esta roda que durou cerca de 1h e 30m e contou com a presença de 29 pessoas.

A terceira roda de conversa sobre Identidade de Gênero foi conduzida por uma psicóloga, uma fisioterapeuta, um dentista e uma graduanda de medicina. Foram problematizadas questões relativas à sociedade binária, gênero fluido e orientação sexual com suas implicações sociais, legais e políticas. A questão do trabalho foi fortemente discutida devido a marginalização de pessoas transgênero no mercado de trabalho. Em determinado momento uma participante trans preta relatou: “a pandemia colocou o mundo em isolamento desde março do ano passado. Nós, transsexuais, vivemos isolamento social”. Após essa fala houve um pleito por reparação de direitos. Essa roda teve a duração de cerca de 40 minutos e contou com a presença de 30 pessoas.

A roda sobre Saúde Mental foi conduzida por uma terapeuta ocupacional, uma psicóloga e um arte terapeuta. A relatoria foi feita por uma dentista e uma fisioterapeuta. A roda começou com um poema que trazia problematizações acerca do acesso aos serviços de saúde e ao (des)preparo presente nas práticas assistenciais em saúde. Muitas pessoas se posicionaram trazendo falas sobre falta de representatividade, violência de gênero e racismo, suicídio, falta de preparo do profissional de saúde e do serviço. Essa roda durou cerca de 40 minutos e contou com a presença de 38 pessoas.

A última roda programada abordou a temática de  Saúde Bucal.  Esta foi conduzida por duas técnicas de saúde bucal, uma nutricionista e a relatoria foi feita por uma dentista. A metodologia utilizada foi gamificação através de perguntas disparadoras. Discussões a respeito da cárie, orientações de higiene bucal, dieta, transtornos alimentares, sensibilidade dental e acesso ao dentista foram assuntos levantados. Esta teve a duração de 40 minutos e contou com 35 participantes.

Resultados

Ações intersetoriais como esta precisam compor a assistência em saúde por serem capazes de provocar mudanças de paradigmas assistenciais, além de apoiar o processo de vinculação e acesso de pessoas que geralmente sofrem situações de exclusão também por parte dos serviços de saúde. Percebemos a necessidade de mudanças urgentes nos serviços de saúde, como maior capacitação dos profissionais, respeito à identidade de gênero e aumento da representatividade. Sinalizamos a importância de empenhar gestores para mudança das realidades locais, uma vez que a presença destes propiciou o início de uma parceria entre o setor de Recursos Humanos da Instituição e o Projeto Municipal Transcidadania.

Considerações finais

Recomenda-se a continuidade de ações de educação popular com a ampliação dos atores envolvidos, além da concretização de mudanças indicadas para os serviços de saúde no dia da ação. Sugere-se também a incorporação dos saberes dos sujeitos, além das práticas populares de cuidado no cotidiano das práticas profissionais. Entende-se que esta ação pode inspirar e apoiar outros equipamentos da saúde. Ademais, buscamos ser serviços produtores de saúde para construção de projetos terapêuticos individuais e coletivos promotores de mudanças sociais.